Umbrellas Secret escrita por Pedro_Almada


Capítulo 7
Conflito – Parte II




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Conflito – Parte II

 

            Anne já havia despertado há alguns minutos. Descobriu-se na enfermaria, deitada em um colchão confortável e um travesseiro macio. No entanto, não ousara abrir os olhos, percebera que o que sentia, mais do que dor, era pura covardia. Não queria enfrentar o trio bem ali, conversando baixo, claramente suprimindo mais uma reação conflituosa. “Se eu continuar com meus olhos fechados, talvez eles desistam e vão embora”, pensou Anne.

            Estava enganada. Quase meia hora se passou, e eles ainda estavam na ala hospitalar, persistentes. O cuidado demasiado começou a se tornar incômodo. Anne não queria ser descoberta com aquele sentimento, aquele preenchimento de covardia aflorando seu peito. Era um daqueles momentos em que seu império caía, e precisava se fechar em uma concha, para que ninguém enxergasse sua vulnerabilidade. Quando ela se deu conta, estava chorando.

            - Anne? – Bree levantou-se num sobressalto, segurou a mão da irmã e beijou-lhe a testa – Anne? Está chorando? Dói em algum lugar? Paul, chame a...

            - Shh... – Anne sussurrou – Tente não se preocupar comigo, maninha. Pelo menos dessa vez, pode ser?

            Brigitte se calou, fitando a irmã com aquela cumplicidade particular. Não demorou muito para perceber. Os dedos das irmãs se apertaram em um diálogo silencioso, onde algumas palavras invisíveis foram trocadas. Bree logo entendeu.

            - Paul, Carl... Deixem-nos a sós.

            Carl estava pronto para questionar, intervir. Queria saber se Anne estava bem. Mas seu braço foi segurado pelas mãos cuidadosas do amigo.

            - Vamos, Carl – pediu Paul – não vamos criar problemas aqui.

            Os dois se encararam por um segundo. O suficiente para sinalizarem trégua. Eles se despediram e desejaram melhoras à garota. Todos se sentiam culpados naquele momento.

            O silêncio sobreveio por um curto período de tempo, o suficiente para Bree preparar seu discurso. Anne sentou-se no leito, dando espaço para que a irmã fizesse o mesmo. Estavam lado a lado. Brigitte segurou a mão da caçula, pronta para falar.

            - Anne, aquilo que...

            - Eu não quero mais isso, Brigitte – as palavras de Anne atropelaram as de Bree – não quero isso. Nunca mais.

            - Isso? – Bree arqueou uma sobrancelha – isso o que?

            - Você se incomoda? Te incomoda o fato de eu ser cega? Ou te incomoda o fato de outras pessoas me enxergarem dessa forma?

            - Anne, eu... Ah... Por que está dizendo isso? Eu não fiz...

            - Você foi rude com Paul, eu ouvi, antes de me perder naquela maldita discussão... Paul disse que eu era cega. E você não gostou. Você odiou, na verdade. Era como se ele tivesse gritado “Alô, pessoal, ela tem sífilis!” bem na sua cara.

            - Anne. Não! Eu nunca...

            - Você fez, Bree. Vocês três. Eu não quero mais isso. Nunca mais quero me sentir mal por ser quem eu sou. Não quero compaixão. Não quero solidariedade exagerada... Carl foi o único nessa escola que me viu como uma pessoa normal. Ele foi indiferente comigo, e, naquele momento, eu me senti mais do que uma garota com problemas. Para o resto, eu sou a garotinha cega que se esforça demais para compensar a falta de visão.

            Bree queria falar, mas as palavras faltaram. Anne aproveitou o silêncio.

            - Eu venho tentando ser forte, irmã... Forte por mim, por vocês. Não quero que sintam esse peso por mim. Não quero que me vejam como uma boneca de porcelana, algo que quebra fácil. Essa sou eu, e não podemos fazer nada a respeito. Eu sou forte, tento me convencer isso todos os dias. Mas, quando me tratam dessa forma, eu duvido de mim mesma... Não quero mais isso, Bree.

            Brigitte não esperou nem um minuto mais. Abraçou a irmã com força. Queria, mais do que qualquer coisa, afastar a dor da caçula, espantar aquela dor, o peso. Mas sabia que não poderia fazer isso.

            - Eu não sabia, Anne, sinto muito... Mas você está errada... Não pode sustentar essa pose por muito tempo.

            Anne engoliu uma lágrima, depois outra. Bem-sucedida na supressão do choro, continuou.

            - Eu preciso ser forte, Bree. É isso, ou aceitar que eu dependo de todos.

            - Mas você depende de mim... E eu dependo de você. Eu sou os seus olhos, você é minha consciência. Não vê que somos uma só?

            Anne ouviu cada palavra carregada até os seus ouvidos. Sim, ela sabia.

            - Se eu erro com você, Anne, você não foge. Você me diz o que está errado, e nós consertamos. Se o mundo estiver contra nós, então nós estamos contra ele, também. Eu também não quero isso, nunca mais... Desculpa, mana.

            Anne sorriu. Como sempre fazia. Ela havia feito. Era sua forma de erguer, novamente, os muros de seu império quase intransponível. Bree percebera o movimento evasivo. Não podia atravessar, não poderia saltar o muro. Não naquele momento. Por hora, a discussão estava acabada.

            - Obrigada, Bree... Por me entender. E vamos esquecer o que aconteceu aqui, ok?

            - Como quiser. – Brigitte não apagou sua expressão de insatisfação, mas dissimulou sua voz. Por hora, tudo estava bem, e esquecido.  

 

 

            Loui Williams fora avisado que sua filha mais nova havia sofrido um pequeno acidente na escola. Não, sua caçula nunca sofria pequenos acidentes. Tudo naquele mundo de cores era grande demais para a jovem Anne Sue Williams.

            Demorou algum tempo para que ela pudesse assegurar ao pai que tudo estava bem.

            - Foi apenas uma queda, Sr. Williams – avisou a enfermeira, assim que Loui entrou, em pânico, na enfermaria – o verdadeiro motivo do desmaio foi a queda de pressão. Apenas aconselho ao senhor a manter a atenção em sua filha por hoje. Se ela vier a sentir alguma coisa, leve-a a um médico.

            - Acha que precisa fazer alguma ressonância, tomografia... Sei lá, talvez um ultrassom.

            - Não pai, o bebê está bem – debochou Anne, já entediada com aquele cuidado demasiado. Mas ela sabia, não era compaixão. Era amor de pai, pura e simplesmente.

            - O bebê aqui é você, Anne. E trate de se ajeitar com essas pernas. Se continuar andando assim, vamos ter que substituir seu guarda-chuvas por uma bengala decente.

            - Ou uma bolha – Anne não conseguia perder o seu humor ácido, ressentido. Ainda estava incomodada com o que ocorrera.

            Bree logo percebeu o humor da irmã, sabia que Carl e Paul tentariam reatar a discussão a fim de se desculparem, e ela não podia permitir. Adiantou-se do pai, indo até a sala de espera. E estava certa.

            Os rapazes estavam assentados, suas expressões cansadas encaravam o teto branco-gelo, e o ar condicionado acima de suas cabeças atiçavam-lhes os cabelos. Aproveitou a ausência de Anne e do pai.

            - Quero que esqueçam essa briga estúpida, e toda essa confusão. – Bree despejou as palavras sobre eles.

            Carl fitou-a com dúvida, mas Paul se mantinha inexpressivo. Seus olhos, no entanto, entregavam uma minúscula fagulha de remorso. No íntimo, Brigitte se sentiu grata por isso, e não pôde deixar de sorrir.

            - Anne nos perdoa – disse ela – sem mais discussões. Não importa o que tenha acontecido. Não digam mais nada.

            - Como assim? – Carl levantou-se – Nós... Fizemos uma besteira, falamos coisas idiotas... Eu devo... Todos nós devemos desculpas a ela.

            - Ela já perdoou, e ela não quer falar mais sobre essa discussão.

            - Ela vai me odiar, Brigitte – falou Carl, desanimado – e eu acabei de conhecê-la. Tudo por causa desse idiota.

            - Hei, quem você...

            - Ora, seus imbecis! – queixou-se Bree – se vão começar outra briga, podem se matar lá fora.

            Eles se calaram, desistentes. Foi a deixa para a pergunta.

            - Carl... O que você e minha irmã iam fazer hoje?

            - Não confia em mim, certo?

            - Esse não é o ponto.

            O rapaz se calou por um breve segundo. Encarou o amigo, reatando o seu ódio. Paul falara demais, falara coisas ruins sobre Carl, e agora isso poderia comprometer o seu intento. “Eu não posso desistir agora... Estou tão perto...” os pensamentos percorreram a cabeça de Carl.

            - Ela iria me ensinar espanhol.

            - Realmente, você é um lixo em espanhol – afirmou Paul – nunca vi ninguém pior.

            Por um momento eles trocaram um olhar de cumplicidade, queriam rir diante da intimidade entre amigos. Mas logo se lembravam que havia um ódio quase indestrutível entre eles.

            - Eu posso me arranjar de outro jeito – falou ele, olhando para o fim do corredor, onde acabara de apontar o Sr. Williams e sua filha caçula – tem outros tutores...

            - Não. – Brigitte foi determinada – você vai receber ajuda da minha irmã. Se ela aceitou, é porque é isso o que ela quer. Ela se sente bem ajudando, ensinando, essa coisa toda. Só te aviso uma coisa: não comente nada sobre o dia de hoje com ela. Nunca. Ela está muito bem agora, não precisa ficar se preocupando com ela.

            - Ela parece uma garota forte.

            - Mais do que imagina – Bree virou-se para fitar sua família a poucos metros de distância – bem, vejo vocês amanhã. E seja lá qual for a rincha entre vocês, conserte isso.

            Sem delongas, ela deu as costas aos rapazes, decidida. Paul tentou gaguejar alguma coisa, mas era perda de tempo. Naquele momento, eles reconheceram. As irmãs Williams tinham uma personalidade de ferro.


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Notas finais do capítulo

peço aos leitores que fiquem atentos às datas no início de cada capítulo, para que possam compreender a linha do tempo da história.
Dentro de dois ou três capítulos, a história seguirá um curso de tempo linear, sem esses "flashbacks".

enjoy it!! loll



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