The Devil Next Door escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 13
Capítulo 13




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          A cena era, no mínimo, pitoresca. Niikura Kaoru, vinte e seis anos completos, homem crescido e em uma carreira profissional ascendente... Empoleirado em uma árvore, se agarrando aos galhos para não cair da mesma e encontrar os dentes afiados de um cachorro que estava latindo logo embaixo dele.
          Todos os presentes na casa correram para a janela mais próxima, observando a cena. O pobre publicitário parecia realmente com medo do animal que fazia barulho, e as reações dos ocupantes da casa, em território seguro, eram as mais variadas possíveis, indo de risadas altas à preocupação extrema.
          O último caso, evidentemente, era o de Niikura Fumiko, mãe do pobre rapaz. Ela levou as mãos à boca, contendo um grito.
          - Ka-chan! Kami-sama! Só mesmo Ele sabe o medo que Ka-chan tem de cachorros desde aquele acidente em Hyogo quando ele era pequeno! Ka-chaaaaan! Ka-chaaan!
          A mãe de Kaoru se pôs a chamá-lo pelo seu apelido de infância na frente de estranhos, atitude que estava congregando olhares bizarros para a mulher um tanto já idosa e que certamente faria o homem de cabelos roxos cavar um buraco mais rápido que um coveiro e depois se enterrar no mesmo. O pânico que dominava a mente de Kaoru, no entanto, não permitia que ele sequer sentisse vergonha.
          No entanto, foi com uma satisfação imensa que Die caminhou para o gramado dos fundos da sua propriedade, um sorriso charmosamente enfeitando seus lábios já costumeiramente sedutores. Kaoru obviamente não notou sua aproximação, calculando quanto tempo de vida ele ainda teria para sofrer com dores horríveis caso o cachorro conseguisse pular mais alto, mordendo-o e dando seqüência a uma morte nada desejável por ele.
          Os acordes do tema de Missão Impossível começaram a tocar na mente do publicitário enquanto ele também visualizava o longo pavio que ilustrava a abertura do seriado queimando, imaginando como escapar. Quando ergueu a cabeça para ver a distância que teria de percorrer até o seu porto seguro, que por acaso era a casa dos Ando, os olhos do homem de cabelos roxos encontraram uma criatura que não ladrava, não tinha dentes afiados e não estava tentando escalar uma árvore, mas que metia medo o suficiente para que Kaoru não quisesse descer do seu lugar no momento.
          Ando Daisuke.
          - Daisuke? - perguntou o publicitário com a voz de quem vê um fantasma na frente, crendo na visão que tem mas desejando que ela realmente fosse um produto da sua imaginação. Como era possível que o ruivo estivesse ali?
          - Kao. Tudo bem?
          O cinismo na voz do seu ex-chefe interino era palpável, escorrendo da suas palavras como veneno e agindo devagar no seu sangue. Os latidos do cachorro lhe pareciam mais inofensivos agora ou simplesmente mais baixos, tamanha raiva a presença do outro conseguia criar.
          - Tudo ótimo, Daisuke. Melhor ainda quando eu descer daqui e voar no seu pescoço.
          - Ah, acredito que sim, Kao. - o ruivo abriu um sorriso doce e encarou o seu ex-subordinado de volta, afagando o cachorro que pulava para tentar alcançar o homem de cabelos roxos - Sabe, eu acho que o ponto chave dessa sua frase é "quando". Acha que demora muito para sair daí? Porque eu certamente estou ansioso pelas suas mãos no meu pescoço... Brincar com asfixia é sempre excitante.
          Em situações onde sua vida estava em perigo, Kaoru não corava. Aquilo era simplesmente um contra-senso, o sangue precisaria estar em outro lugar; no entanto, ao contrário do que era normal, ele acabou ficando vermelho e por pouco não caiu das árvores, a força com que seus dedos apertavam os galhos diminuindo enquanto tentava estrangular o ruivo metido na sua frente mentalmente.
          Recuperando o equilíbrio e ignorando o sorriso arrogante que Die tinha no seu rosto, Kaoru se recusou a continuar a conversa. Aquilo simplesmente não o levaria a lugar algum, muito menos de volta para o solo.
          - Sabe, Kao. Se você for um menino bonzinho, eu posso dar um jeito de você descer daí.
          Ou talvez fosse levá-lo não para o solo, mas para a ruína completa da sua reputação. Aceitar a ajuda de Die daquele jeito? Publicamente? O publicitário desejava cruzar os braços para parecer mais amedontrador, mas não era possível. Resignado, ele apenas revirou os olhos.
          - Claro, claro. O quê mais você quer? - Kaoru falou por entre dentes cerrados, encarando o outro com ferocidade - Que eu pule nos seus braços e acredite que você é meu príncipe encantado?
          - Hmmm... Na verdade não, mas acho que você está realmente gostando de contos de fada, Kao. Talvez nós possamos fazer a releitura de mais alguns essa noite? A Princesa e a Ervilha, talvez? Você é a princesa e eu sou os colchões, daí você pode me dizer se sente alguma coisa embaixo de voc...
          - EU NÃO SOU PRINCESA NENHUMA!
          Um silêncio bizarro se seguiu ao grito de Kaoru, o cachorro que tinha latido sem parar inclusive ficando quieto e olhando para o homem histérico que tentava perseguir, apenas emitindo um som baixo que lembrava um ganido depois do ataque do publicitário. Die sorriu malignamente, sabendo que todos, sem exceção, estavam observando a cena que se desenrolava no jardim.
          Se o homem de cabelos roxos pudesse ver sua própria cara, saberia agora que ele podia ficar mais corado do que ele imaginava possível. Suspirando com toda a raiva contida que sentia, ele acabou quebrando alguns dos galhos mais fracos e finos da árvore, o estalo quebrando o silêncio e fazendo com que o cachorro recomeçasse a latir.
          Olhando na direção da casa, Kaoru viu sua mãe conversando com outras mulheres e parecendo extremamente agitada. Die notou o jeito nervoso com o qual o publicitário olhava de volta para a casa e anunciou sua oferta:
          - Kaoru. O cachorro só obedece a mim. - o ruivo falou, afagando o mesmo sem sofrer nenhum ataque - Portanto, para sair daí vai precisar da minha ajuda. E eu vou querer algo em troca.
          O outro homem engoliu em seco. Ele sabia que nada vindo de Die era de graça.
          O seu ex-chefe interino sorriu de novo, mostrando dentes brancos, alinhados e perfeitos, fazendo um arrepio descer a espinha do homem empoleirado na árvore. De repente, o cachorro deu um salto maior do que de costume e conseguiu arrancar um pedaço da calça de Kaoru com uma mordida, levando o pobre homem ao pânico de novo.
          Ele não reparou que a mordida foi comandada por Die.
          Sem poder pensar direito, o homem de cabelos roxos concordou com qualquer coisa que Die pensasse em propor naquela hora; seu medo havia voltado com intensidade total e ele estava cansado, as mãos doendo depois de tanto tempo segurando galhos, e ele sentia que voltar ao chão era fundamental. Ele ficou esperando ouvir o que o ruivo desejava disso, mas ao invés da proposta, o silêncio encheu seus ouvidos.
          Erguendo a cabeça, Kaoru viu seu vizinho se afastar com o cachorro, prendendo-o do outro lado do jardim em uma corrente curta. O publicitário, depois de piscar várias vezes, acabou por descer da árvore, descobrindo que suas pernas estavam formigando e meio sem movimento.
          Não querendo ver o sorriso vitorioso que àquela altura deveria estar no rosto do ruivo, o homem de cabelos roxos voltou para dentro da casa dos Ando, ainda mergulhada em um silêncio incrível. As pessoas voltaram a cuidar dos seus afazeres somente quando ele pisou novamente no assoalho do piso térreo da construção, alguns dos parentes e amigos de Die ali presentes para o seu aniversário ainda por perto dos Niikura para observar o final da cena bizarra que haviam presenciado mais cedo.
          - Ka-chan! Você está bem? Aquele cachorro te mordeu? Ele não é o Shiro... O Shiro era mau, não vai fazer nada... - a mãe de Kaoru o abraçou como se ele tivesse dez anos ou menos, falando baixo e com ternura. O gesto seria comovente se o publicitário tivesse de fato os dez anos mencionados e se não tivesse que se dobrar para que sua mãe pudesse abraçá-lo decentemente.
          Quando o abraço se quebrou e Fumiko decidiu voltar à cozinha para ajudar com a comida, apenas Kaoru e uma pequena garotinha haviam ficado naquele cômodo. Olhando cansado para a menina, o publicitário se assustou quando ela chegou bem perto dele e fez uma careta, colocando a língua para fora:
          - Medroso! Bleeeeeeh! - ela falou enquanto mexia a língua e fechava os olhos, sacudindo as mãos ao mesmo tempo e depois desembestando pelo corredor atrás da mãe.
          Kaoru ficou sem ação. Uma criança que mal deveria saber os três alfabetos da língua japonesa o havia humilhado. Sorte que não havia ninguém por perto quando isso aconteceu, fazendo com que o homem com um passado traumático com cachorros suspirasse; seu suspiro, no entanto, foi parado no meio quando ouviu a indefectível risada do ruivo atrás de si.
          - Minha priminha. Linda ela, não?
          Virando-se com ímpeto, Kaoru olhou feio para Die e para o maravilhoso sorriso do mesmo, ignorando também o modo como sua blusa estava abotoado pela enésima vez. Ou pelo menos tentando ignorar arduamente; ainda pensando em como matar aquele homem que era a tentação em forma de gente, ele apenas falou com raiva:
          - Eu gostaria de ser um cachorro agora, Daisuke, para atacar você.
          O ruivo piscou, lambeu as costas da sua mão direita e depois olhou inocentemente para o publicitário:
          - Miau?
          Revoltado com a imitação de gatinho inocente de Die, Kaoru deu meia-volta e retornou para o seu quarto com passadas largas e pesadas, que foram ouvidas por todo o andar inferior da casa. Todos também ouviram quando ele chutou uma cadeira por engano e falou coisas não muito educadas, a mãe da adorável garotinha cobrindo os ouvidos dela afobadamente. Mas o que somente o publicitário ouviu foi a risada histérica do seu charmoso, atraente, sexy, irritante e incrivelmente diabólico vizinho, sem saber se aquilo era produto da sua imaginação atormentada ou não.

          Kaoru havia se trancado no quarto onde deixara suas malas antes, afundando sua cara no travesseiro e nem pensando em sair dali muito cedo. O dia foi se arrastando e o publicitário só percebia isso conforme a luz ia diminuindo no quarto, o cômodo e suas paredes brancas ficando mais escuro a cada minuto.
          Com os ouvidos protegidos pelo travesseiro, o homem de cabelos roxos não percebeu que alguém batia na porta; Kaoru só levantou o rosto mesmo quando ouviu seu nome ser chamado em alto e bom som por uma voz feminina do lado de fora, algo que lhe deu mais coragem para levantar da cama e abrir a porta; afinal, ele não iria dar de cara com o maldito do seu vizinho.
          A irmã dele, no entanto, era quem o esperava do lado de fora com um olhar de piedade, mordendo o lábio inferior antes de inclinar-se e cumprimentá-lo. Ela sorriu em seguida, colocando as mãos para trás:
          - Kaoru-san, o jantar vai ser servido. Acho que gostaria de descer para comer, sua mãe ajudou e está tudo muito gostoso.
          - Ah, arigatou Ayame-san. Eu já vou descer. Só vou... - ele gesticulou para as roupas e para o cabelo, ganhando um aceno de cabeça da menina, que por fim sorriu de novo e desceu as escadas com passos leves.
          Suspirando, Kaoru trocou de camisa, já que a sua havia ficado muito amassada depois de uma tarde deitado. Caçando um pente na sua mala, o publicitário conseguiu domar seu cabelo em um tempo razoavelmente curto, também rumando para a sala de jantar enquanto abotoava o punho da camisa azul escura que agora usava.
          Um curtíssimo, quase imperceptível silêncio se seguiu à chegada de Kaoru na sala de jantar, mas o barulho normal das conversas continuou antes que o homem de cabelos roxos tivesse tido tempo para se sentir mal com aquela apreensão no ar. Kaoru sorriu para Ayame depois de reecontrá-la na sala, e tomou o lugar à mesa que ela havia apontado.
          Momentos depois sua mãe se acomodou ao seu lado também, engajada em uma conversa animada com outra senhora, provavelmente da família de Die. Kaoru não prestara maior atenção ao que poderia ser, mas decidiu acompanhá-la a partir do momento que ouviu o seu nome ser mencionado:
          -...Então ele correu, correu como eu nunca tinha visto meu Ka-chan correr. O cachorro do policial da rua era bravo e tinha arrancado um pedaço da camisa dele enorme! - Fumiko parou de falar e fez com as mãos um desenho no ar, mostrando o tamanho da camisa que havia sido destruído - Foi horrível! Aí o meu Ka-chan tropeçou e o cachorro acabou mordendo a perna esquerda dele! Graças a Kami-sama não foi algo muito fundo por causa do tecido, mas como ele chorava. Chorou tão alto que eu pensei que ele tivesse...
          - Okaa-san.
          - Sim, Ka-chan?
          A essa altura do campeonato, toda a mesa já ouvia a história do passado traumático de Kaoru com cachorros. Ele não havia corado; no entanto, o contrário havia acontecido: o publicitário estava lívido, branco de raiva, segurando um dos talheres na mesa com mais força do que era necessário.
          Ayame, sentindo o desconforto do pobre convidado da casa, sorriu e iniciou um assunto referente ao aniversário no dia seguinte e perguntou a todos sobre decoração e quais jogos deveriam ser feitos no jardim, o que trouxe a atenção e a conversa de volta à mesa de jantar depois de todo aquele silêncio massacrante que havia caído sobre os mesmos. O publicitário suspirou do jeito mais discreto que conseguiu, aliviado por poder contar com a irmã do seu carrasco diário, pelo menos.
         - O quê foi, Ka-chan? - Fumiko tornou a perguntar, mas ninguém prestava mais atenção nos dois.
          - 'kaa-san... Seria bom se você não ficasse espalhando para todo mundo o meu passado com cachorros.
          - Mas assim eles podem entender o que aconteceu hoje!
          - Eles já entenderam, mãe. Já entenderam.
          As lembranças daquele dia, no entanto, também fizeram Kaoru recordar que Die havia pedido algo em troca pelo seu resgate. Como o ruivo não havia falado nada, ele imaginava que o sacana do seu vizinho poderia muito bem exigir o pagamento desse favor a qualquer hora. E como havia sido um serviço dos grandes, o publicitário tinha medo do que a mente criativa do ruivo pudesse pedir.
          Quando o jantar terminou, todas as pessoas que estavam hospedadas na casa ajudaram a mãe e a irmã de Die com os pratos e a louça, alguns homens escapando do serviço doméstico como foi o caso do ruivo. Ele havia, no entanto, alegado que como era o futuro aniversariante, ele estaria automaticamente dispensado de tais tarefas.
          A adorável priminha de Die que havia gritado e zombado Kaoru mais cedo passou por ele na cozinha e latiu para o mesmo, rindo malignamente antes de sair correndo do recinto e deixando Kaoru na frente da pia, com uma expressão perplexa. Não deveria haver muita esperança para a família Ando se seres pequenos daquele jeito já manifestavam a vontade nata de perturbar os outros que Die já tinha tão desenvolvida.
          O homem de cabelos roxos mal tinha acabado de lavar um dos pratos quando braços o envolveram e lábios colaram-se à sua orelha esquerda, murmurando:
          - Nunca pensei que fosse gostar de homens em avental...
          Kaoru esforçou-se para não deixar cair o copo que tinha nas mãos para dentro da pia e quebrar o mesmo, já que o estardalhaço chamaria atenção; soltando tudo assim que conseguiu, ele bateu nos braços do ruivo que o seguravam tão deliciosamente contra o tórax bem definido do seu ex-chefe interino, enchendo o outro de água e detergente.
          - Sabe, olhando agora, você me deu a idéia de irmos para uma banheira de espuma...
          - Some daqui, Daisuke! - Kaoru gritou com os dentes cerrados - Alguém pode nos ver!
          - Essa a minha casa, Kaoru... Você não me dá ordens. - ele respondeu e tirou o publicitário da frente da pia, colocando-o sentado sobre a mesa da cozinha - E poderia ter evitado tudo isso se você não ficasse inclinado para a frente enquanto lava a louça e fizesse essa cara de compenetrado...
          Havia algo de muito errado em Die ficar excitado com o modo como Kaoru executava uma tarefa doméstica tão simples, mas isso foi deixado de lado enquanto o homem de cabelos roxos tentava se livrar dos avanços tão descarados do seu vizinho. O seu ex-chefe interino estava ficando realmente ousado, e quando Kaoru jurou que seria beijado de novo, já partindo os lábios e fechando os olhos inconscientemente, ele sentiu a mão do ruivo espalmada contra sua testa.
          - Como se sente, Kaoru?
          Abrindo os olhos para encarar o outro com uma expressão de dúvida e descrença, o homem de cabelos roxos encontrou Ayame na cozinha, parada perto da geladeira e olhando para os dois com preocupação:
          - O que aconteceu, ni-chan?
          - Kaoru teve uma queda de pressão súbita... - o ruivo explicou rapidamente, com uma cara tão séria que convenceria qualquer um - Não foi, Kao? Enquanto lavava a louça?
          O homem de cabelos roxos ainda conseguiu murmurar um "É Kaoru!" antes de responder:
          - Sim... Foi de repente, mas já estou melhor...
          - Verdade. A cor está voltando para o seu rosto. - Ayame comentou com um sorriso, abrindo a geladeira e pegando um refrigerante. Kaoru estava, na verdade, começando a ficar corado. Porque as evidências de que Die estava muito alegre e acordado estavam sendo pressionadas contra a parte interior da sua coxa.
          - Bem notado, Ayame-chan.
          - Mas que estranho, uma queda de pressão no meio da noite...
          Os dois homens ficaram em silêncio até o futuro aniversariante falar:
          - É que Kaoru teve um dia agitado hoje, recheado de aventuras.
          A garota pareceu considerar a resposta e por fim concordou com a cabeça.
          - Quer que eu termine, Kaoru-san? - ela perguntou indicando os pratos. Kaoru aproveitou a brecha para empurrar Die e sua animação para o lado, sorrindo:
          - Não, não. Estou bem. Obrigado, Ayame-san.
          - Dou itashi mashite. Eu já vou deitar, até amanhã!
          - Até amanhã!
          Os dois responderam em coro antes do publicitário finalmente terminar o copo que tinha, fechando a água e virando-se para Die:
          - Essa pode ser a sua casa, mas eu não quero sair com a minha imagem arranhada daqui. Então comporte-se.
          O sorriso que Die deu como resposta não tranqüilizou Kaoru em nada, que tirou o avental e atravessou a sala em direção ao hall e depois para a escada que o levaria para o quarto que ele estava dividindo com sua mãe. No final da escada, a prima do ruivo pulou detrás de um vaso e latiu bem alto para ele, quase mandando Kaoru escada abaixo com o susto, que o fez andar para trás.
          Niikura Kaoru se fechou no seu quarto, onde sua mãe já dormia, com a certeza de que ele queria sair dali o mais rápido possível.

          O dia vinte de dezembro chegou, trazendo frio e uma ansiedade crescente em Kaoru. Ele se levantou com a mãe, que agora tossia muito e parecia não ter dormido muito durante a noite.
          - Eu acho que me resfriei. - ela murmurou antes de tossir, conseguindo um aceno de cabeça do filho de volta - Essa janela ficou meio aberta...
          - Ficou. Não reparei nisso ontem à noite.
          - Nem eu. Mas tudo bem, hoje eu preciso correr para ajudar lá embaixo.
          - Por que tanta gente está ajudando? - o publicitário perguntou contrariado, deixando sua mãe usar o banheiro do quarto antes dele e tudo mais.
          - Porque nós estamos sendo gentilmente hospedados aqui! Você poderia fazer algo por Die-san também, não é? Vou tomar banho, já conversamos.
          Kaoru era partidário da idéia de que ele já havia feito demais pelo ruivo, e que certamente ele não devia nada a ninguém. No entanto, o incidente com o cachorro voltou à sua mente mais uma vez e ele teve medo.
          Depois de sua mãe ter saído do quarto e ele mesmo ter tomado banho, o homem de cabelos roxos se viu no meio de uma confusão. Comendo uma torrada enquanto andava pela casa, parecia que aquela não era mais uma simples casa de família, mas sim uma república de estudantes ou qualquer coisa assim.
          Fotos e mais fotos de Die desciam pela escada, sendo espalhadas em seguida pela casa. Kaoru se pegou ajudando na organização das mesmas com Ayame, que explicava de quando era cada uma, além de onde havia sido tirada; o publicitário se surpreendeu com a quantidade de títulos que o ruivo havia ganhado, inclusive quando ele ainda não era ruivo.
          O nome de Ando Daisuke aparecia em certificados escolares que atestavam suas ótimas notas até fotos como o capitão do time de basquete da escola, com medalhas douradas nos pescoços. Die também havia sido eleito o garoto mais popular dois anos consecutivos, passando a ganhar os títulos de mais bonito conforme os anos passavam.
          Ao meio-dia, a casa foi aberta e praticamente a cidade inteira veio para a não tão grande casa dos Ando; Ayame disse que as festas de aniversário de Die eram um costume nas redondezas, já que ele era um filho ilustre da cidade e muito querido pelos moradores. Kaoru se viu rodeado de pessoas alegres e agradáveis com as quais ele nunca haviam conversado mas que se provaram excelente companhia enquanto desfrutavam de alguns jogos organizados pelos primos de Die ou comiam os maravilhosos pratos preparados pelas mulheres.
          O aniversariante propriamente dito passou seu tempo se desdobrando entre as diferentes pessoas que estavam ali, conversando atentamente com cada uma. O publicitário observava seu vizinho com novos olhos agora; aquele Die que via caminhar tranqüilamente pelo jardim e se interessar por pequenos problemas da vizinhança não era o mesmo que morava ao seu lado; não podia ser. Era tudo tão... Tão...
          Diferente. Kaoru estava descobrindo um lado carinhoso, atencioso e preocupado de Die que ele jamais esperaria encontrar, e percebeu que estava gostando. E muito. Foi com um sorriso nos lábios que ele recebeu a chegada do seu vizinho quando o aniversariante decidiu conversar com o seu convidado de Hyogo.
          - E então, Kaoru? Ainda contrariado por ter vindo até aqui?
          - Não, Daisuke... - ele respondeu, sacudindo a cabeça - Pessoas muitos legais, as da sua cidade. Não imaginei que seu aniversário fosse algo tão grandioso.
          - Não é o meu aniversário que é grandioso, e sim o laço de amizade delas. - o ruivo falou calmamente, percebendo que aquilo fizera Kaoru erguer as duas sobrancelhas.
          - Poético.
          - Pois é, eu sou uma caixinha de surpresas.
          - Disso eu não tenho dúvidas. - respondeu Kaoru de forma concisa. Ele sabia o quão criativo o ruivo à sua frente poderia ser. Ele ganhou uma cara ofendida em retorno, mas que ele sabia ser falsa.
          - Hunf. E isso porque eu ainda nem mostrei metade dos meus truques. Ingrato.
          Muito bem, agora Die parecia mais com o Die que Kaoru conhecia. Apenas sacudindo a cabeça, ele acrescentou:
          - Não acho que quero ver o resto dos seus truques, Daisuke.
          Um sorriso, daqueles que o publicitário conhecia melhor que qualquer alma naquela casa, surgiu no rosto sedutor do seu ex-chefe interino, o dia frio de dezembro não conseguindo ser suficiente para barrar o calor que Kaoru começar a sentir.
          - Você vai querer, Kao. Vai querer.
          Ainda sorrindo, o aniversariante apertou o casaco contra o próprio corpo e continuou sua ronda pela festa, conversando com pessoas diferentes agora. Ainda aturdido com o quê havia acabado de ouvir do seu vizinho, o publicitário nem conseguiu murmurar a costumeira correção do seu nome que ele fazia quando era chamado de "Kao".
          Ele nem mesmo pulou quando a garotinha de sempre veio latir para ele.

          Já era tarde, muito tarde quando Kaoru finalmente chegou no seu quarto. Tinha sido complicado tirar todo mundo de dentro da casa dos Ando quando a festa acabara, mas eles tinham conseguido. O publicitário, inclusive, se viu ajudando na desagradável tarefa de expulsar os mais animados pela bebida, já que ele não era da cidade mesmo.
          Ele se sentia cansado, mas era um cansaço bom, daqueles que preenchiam seu corpo depois de um dia agradável. Caído na cama, o homem de cabelos roxos acabou adormecendo sobre os seus cobertores sem esperar pela sua mãe.
          Kaoru acordou somente quando sentiu algo gelado no seu pescoço, inconscientemente colocando a mão para barrar o que ele supunha ser o ar gelado que havia resfriado sua mãe. Sua mão, porém, foi de encontro a algo viscoso que estava na parte detrás do seu pescoço.
          Abrindo os olhos com sono, o publicitário notou que era alguma coisa branca, com um aroma agradável. Colocando sua mão perto do nariz, ele percebeu que aquilo era... Chantilly?
          O homem de cabelos roxos mal teve tempo para entender o quê estava acontecendo, uma língua treinada, úmida e quente limpando todo o creme que havia sobrado no seu pescoço. Kaoru se sentou com um movimento brusco na cama, o chantilly ainda nos seus dedos enquanto ele encarava uma pessoa no escuro, logo decifrada por causa da experiência com a língua e também com a luz da lua que vinha de fora.
          - Daisuke.
          O outro não respondeu, inclinando-se para frente e lambendo vagarosamente o creme que sobrara na mão direita do publicitário. As coisas que o ruivo fazia com a língua com os seus dedos eram um tanto quanto perturbadoras, dificultando a tarefa de manter a consciência e a irritação com o homem que havia invadido seu quarto.
          - Daisuke...?
          A segunda vez que Kaoru chamou o ruivo não soou tão intimidadora ou confiante, parecendo mais com uma súplica, já que coincidentemente o aniversariante havia se afastado do outro e deixado seus dedos limpos e em paz. Tudo que o publicitário poderia fazer, além de desejar que Die continuasse com seus movimentos, era olhar o outro homem e as três coisas que ele colocava sobre a cama.
          Chantilly, chocolate e morangos.
          Fazendo com que o homem mais velho ali deitasse, o ruivo agora sorria de um jeito diferente, totalmente arrebatador se visto do ângulo de Kaoru, deitado e sem ação na sua própria cama. A camisa de Die pendia aberta, mostrando seu tórax, apesar da temperatura fria do lado de fora. De repente, o aniversariante falou, muito tempo depois de ter invadido o quarto:
          - Sabe, Kaoru... Eu achei que era uma má idéia colocá-lo dentro do bolo; outras pessoas poderiam querê-lo para elas, mas eu sou possessivo... - ele explicou, inclinando-se para a frente novamente e levando um dos morangos para um passeio sobre o tórax perfeito de Kaoru - Então pensei: por que não transformar o garoto do bolo no bolo mesmo? Trouxe as três coisas que precisava para isso.
          O publicitário arregalou os olhos, vendo o outro morder o morango e espalhar o suco que havia saído da fruta vermelha pelo seu corpo, escandalizado:
          - Daisuke, seu louco! O quê você acha que... Ahhhhh...
          O discurso moralista de Kaoru não teve um final coerente, os gemidos enchendo o ar quando a língua do ruivo começou a fazer suas mágicas, lambendo todo o local que havia sido manchado de um leve rosa pelo morango cortado de maneira sexy pelos dentes do mais novo dos dois homens. O pobre cidadão de Hyogo tentou abrir a boca para protestar novamente, mas ela foi enchida de chantilly e Kaoru teve que engolir muito do creme para conseguir falar.
          No entanto, Die era mais rápido e já havia lambuzado seus dedos com chocolate, correndo com os mesmos pelo corpo do publicitário e chegando perigosamente perto da cintura do mesmo, ameaçando invadir as regiões mais baixas de Kaoru. O outro engasgou com o resto do chantilly quando, novamente, a língua quente do homem sobre ele se deliciou com o chocolate.
          - Hmmm... - o ruivo murmurou contente, lambendo os próprios dedos de uma forma que sugou a atenção do outro em segundos - Perfeito. Você é o melhor homem bolo.
          - Mas... E a minha mãe, Daisuke?
          - Nossa, Kaoru. Você sabe estragar o clima, hein? - o outro redargüiu da sua posição sobre a cintura do publicitário, um sorriso se formando no seu rosto quando percebeu que o corpo do homem de cabelos roxos gostava da atenção que lhe estava sendo dada - Mas em todo caso, ela se resfriou e trocou de quarto comigo. Eu sou seu companheiro hoje à noite, Kao.
          As últimas palavras assumiram um duplo sentido terrível na mente do já atordoado Kaoru, que começou a corar quando viu Die iniciar movimentos na sua cintura que davam a impressão de que ele era um gato pronto para cruzar, esfregando os dois corpos juntos.
          - A minha recompensa por tê-lo salvado ontem, princesa... - o ruivo charmosamente elaborou a frase com palavras escolhidas - É uma noite de submissão, total e completa... - ele sussurrou as últimas palavras no ouvido de Kaoru, que se arrepiou todo quando o outro homem colou os corpos agora seminus juntos.
          Novamente, o publicitário queria gritar e protestar, incluindo nos gritos alguns chamados de socorro, mas novamente sua boca foi recheada de chantilly. Kaoru começava a entender a função do creme branco e doce agora, ainda espantado demais com tudo para esboçar qualquer reação mais violenta que essa.
          Olhos incrédulos assistiram ao movimento lento e perfeito que foi Die tirando a própria camisa, despindo-se sob a luz da lua, Kaoru sofrendo o mesmo destino logo depois. As coisas que se seguiram, envolvendo chocolate, morango, dedos e língua deixaram Kaoru positivamente maluco, e quando o dia amanheceu, ele tinha apenas uma certeza:
          Chantilly jamais seria a mesma coisa para ele.


Continua...


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Notas finais do capítulo

Queria agradecer novamente todos os comentários e elogios recebidos! Muito obrigada, they make my day!

E no próximo capítulo eu creio que terei uma boa notícia para quem está acompanhando a história. :3 Kissu!