Resiliência escrita por Kamime


Capítulo 1
O caminho do pássaro verde




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Capítulo 1

O Caminho do Pássaro Verde


Ok. Eu não sei dizer especificamente onde isso tudo começou. Puxando pela minha memória, eu estava em algum lugar da minha casa. O estranho é que aquele aposento era estranho para mim, então por que eu estava lá? O lugar me dá arrepios; a única iluminação provém da janela, onde a velha cortina amarela não impede dos raios solares entrarem. Além de uma poltrona marrom, há um piano velho. Na hora, umas notas familiares estavam na minha mente, e se não me ajudassem a me acalmar, eu tentaria tirá-las da minha cabeça.

Andei até uma porta ouvindo o chão de madeira ranger. Saí daquele aposento indo para outro onde não tinha móvel algum. A impressão que dava era que aquele andar que eu estava não podia ser descoberto. Esse chão – já de assoalho – quase me fez cair de tão escorregadio. Meus sapatos não ajudavam. Nesse lugar havia três janelas; a do meio era maior e do lado desta, algo estava escrito.

“Esse mundo é uma mentira”

Aquilo me fez estremecer. Mas não acreditar. Eu podia saber que aquilo era real. Eu podia sentir o frio daquele aposento, o medo, mas ao mesmo tempo uma sensação de que eu já conhecia aquela casa.

Se eu continuasse andando, eu chegaria em outro lugar. Não atravessaria uma porta, apenas um portal. Andei até chegar em uma sala de jantar. Do mesmo tamanho da outra que eu acabara de chegar, mas essa tinha uma mesa com duas cadeiras. Uma em cada ponta. Sobre a mesa, sete velas estavam alinhadas. No teto, um lustre muito velho, mas com a mesma aparência estranha com as velas.

Mais duas portas no final do lugar. Uma estava trancada, o que me restou apenas ir pela outra. Cheguei a uma escadaria, que me levaria para cima. O lugar estava tão mal-iluminado que me chegava a dar dor de cabeça pelas velas nas paredes que não iluminavam direito.

Ao lado da escadaria, uma frase escrita na parede, como a outra, me chamou a atenção.

“Toque o sino”

Olhei em volta, mas nada além da escada. Uma pena essas frases tão esquisitas estragarem o belo papel de parede. Podia ser visto melhor, se não estivesse tão escuro.

Não via outra opção a não ser subir a escada. E assim que cheguei ao final, uma porta com um vidro no meio estava entreaberta. A empurrei e com dificuldade permaneci de olhos abertos. Eu estava saindo da casa “estranhamente familiar” e indo para a claridade do lado de fora.

Dei uns passos com muito cuidado, aquilo parecia uma ponte bem frágil. Eu gostaria de ver sobre o que a casa se sustentava, mas a névoa estava tão densa ali embaixo.

– Pete! Sou eu, Dave! – Ouvi uma voz fina, mas não reconheci. – Aqui em cima! – Olhei para onde a voz me chamava. Deparei com uma gaiola pendurada alguns centímetros acima de mim, onde o galho quase encostava no chão pelo peso do objeto.

– E aí, Dave. Tudo em cima? – Tive a sensação de já conhecer esse pássaro falando comigo.

– Papai me trancou nessa gaiola para eu não contar... – Continuou como se para si mesmo, mas eu podia ouvi-lo. Ignorei totalmente o fato de o próprio pai (talvez um pássaro maior) tê-lo trancado ali.

– Contar o quê?

– Ele trancou sua irmã no porão ... Fez isso para que ela morra de fome!

– O quê?! – Arregalei os olhos. Como meu pai teve a capacidade de fazer uma coisa dessas?! Trancar minha irmã, sua própria filha em um porão? Ainda mais com uma objetividade dessas?

– Sim! Então dependendo ou não do que aconteça, não o deixe saber que você sabe disso! Ou ele lhe trancará também! – O pássaro me contava essas coisas tão absurdas de dentro da sua gaiola. Eu queria poder saber como ajudar minha irmã agora.

– Ok...

– Agora me tire dessa gaiola para podermos ajudá-la!

Eu destranquei a portinha e dali o pássaro voou para fora onde pude vê-lo melhor. Ele era branco sujado de penas verdes. Era belo.

Comecei ainda a andar para frente, onde a ponte continuava e a névoa era mais transparente. Aquele lugar era tão triste. Tudo ali era cinza. Inclusive as árvores... Ao longe eu via apenas montanhas e do lado da casa de onde eu saíra, havia só mais casas iguais.

Atravessei a ponte até a metade, ali pelo menos parecia que não iria desabar. Concluindo isso, continuei meu caminho até o final, onde eu percebi um homem de chapéu comprido sentado na ponta com uma vara de pesca. Estávamos em um cais.

Aquele homem estava intacto no lugar mantendo sua mão firme no objeto, nem parecia que respirava. Por mais estranho que isso seja, eu sabia que aquele era meu pai e ao mesmo tempo, do Dave também.

Depois de saber o que ele fez, andei até em ele em silêncio, com medo do que ainda era capaz de fazer a mim. Sob o cais, havia apenas um rio muito raso. Raso demais para se pegar um peixe. Eu podia ver isso pela transparência.

No canto, desci por uma escada e pisei no rio com aquela água tão gelada. Alguns centímetros a frente havia terra firme, onde uma grama verdinha esperava meus pés. Diferente do lugar cinza atrás de nós, esse depois do cais era diferente.

– Onde você pensa que vai? – A voz grave a áspera me fez estremecer. Meu estômago se revirou na minha barriga. Alguma coisa me dizia para correr e não olhar para trás, mas algo e dizia também que isso não iria ser legal.

Virei-me para aquele homem que já tinha o conhecimento também sobre mim – apesar de eu parecer ser novo naquele lugar mas ao mesmo tempo velho – e encarei seu rosto que não podia ser visto. Seu chapéu fazia sombra impossibilitando de vê-lo.

– L-Lugar algum... Senhor... – A água já não era a coisa mais fria me alcançando naquela hora.

– Bem, então sirva para alguma coisa e vá ver o que está entupindo o cano atrás dessa casa. – Sua voz me intimidava tanto que mesmo que fosse a pior tarefa do mundo eu não hesitaria em obedecer.

– Não. – Dave falou. Eu o olhei na hora incrédulo e branco. Era o nosso fim... Meu próprio pai iria nos trancar e nos deixar morrer de fome.

– Se não fizerem isso eu os matarei. – Seu chapéu tapava totalmente seu rosto, cheguei até mesmo a duvidar se era aquele homem mesmo ali conversando conosco.

– S-Sim senhor! – Me virei e saí correndo dali, pisando na grama verde onde havia mais uma casa. Mas diferente como as outras que eu vi, tinha uma bandeira roxa na frente da porta.

Eu estava apavorado por causa daquele homem. Não sei dizer o que deu na cabeça daquele pássaro para enfrentá-lo... Tudo bem que ele podia voar e fugir, mas e eu?

Estava prestes a advertê-lo para nunca mais fazer isso, quando passamos de um morro e podíamos ver claramente o lugar que estava ali. A grama não era mais verde, era avermelhada. Assim como todas as flores presentes ali. O lugar era alto, então podia-se ver mais casinhas ao longe. Uma placa estava bem ao meu lado: “Campo Vermelho”

– O cano está pra lá, vamos. – Dave continuou a voar para frente e eu o segui.

A grama continuava vermelha por onde passávamos. Dave continuava a voar devagar para que eu o acompanhasse. Passamos por uma laranja gigante que tinha um buraco bem no meio. Ao lado, mais uma bandeira roxa. Eu não fazia ideia do que era aquilo também, mas repetindo, sentia como se já conhecesse aquilo tudo.

Eu não podia parar para observar tudo, Dave continuava voando, mas então ele parou vendo uma garota pulando corda. Ela nos viu, parou o que estava fazendo e se aproximou.

– Oi, meu nome é Jon, apesar de ser uma garota... – Ela parecia uma bonequinha. Seu cabelo estava preso em uma maria-chiquinha e usava um vestido rosa. Mas seu rosto estava sujo.

– Oi Jon.

– Escuta, amigo – Seus olhos caramelos adquiriram um brilho curioso. – Você já esteve no Vale Profundo?

– Vale Profundo? Não, nunca estive – Respondi com incerteza.

– Dizem que lá esquerda é direita e direita é esquerda. Assustador demais para você, aposto.

– Legaaaal... – Tentei parecer interessado na conversa da garota. Era um pouco óbvio que estava inventando aquilo tudo para ter assunto. Mas de repente ela saiu com sua corda desaparecendo por uma floresta.

Eu já tinha percebido que as pessoas naquele lugar não eram normais, ou pelo menos para mim. Então a melhor coisa a se fazer, na minha opinião, era concordar em tudo. Mas eu não ligava, eu só queria salvar minha irmã... O que me resta é confiar em Dave para que tudo dê certo.

Mais uma vez, Dave parou de voar perto de um garoto que se balançava em algo pendurado das árvores e na ponta parecia ser uma flor que brilhava.

– Ei, você pode me ver? – Perguntou sorrindo.

– Claro...

– Pois não pode! – Alertou mudando totalmente de humor. - ... O grande Gomboysa! Vá embora já! – O garoto já me tratava hostilmente e saí logo de lá antes que acontecesse algo.

Onde o morro da grama avermelhada subia mais, um grosso cano se servia como ponte entre esse morro e outro. O cano tinha uma abertura onde um adulto muito grande conseguia passar, me aproximei e vi que não escorria água como deveria, o fundo já estava seco.

Entrei no cano que dava para baixo do segundo morro, onde a luz era mínima. Antes que meus olhos pudessem se acostumar com a escuridão, Dave me alertou que havia luz mas para frente. Era outra abertura do cano, onde também deveria escorrer água.

– Socorro! Estou preso! – Uma voz saiu do cano.

– Como isso aconteceu? – Perguntei surpreso.

– Não é óbvio?

– Não! – Eu poderia ver o que estava acontecendo se tivesse mais luz onde estava o corpo do homem.

– Eu geralmente incho com um ataque de claustrofobia! – Observei mais diretamente o homem e percebi que não havia sombra alguma onde ele estava, era seu corpo inteiro formando uma grande bola que impedia a passagem de água.

– Como posso ajudar? – Perguntei pensando o que um homem com claustrofobia fazia dentro de um lugar tão fechado.

– Me traga uma coisa afiada. É o único jeito!

– Certo... – Voltei para fora do cano onde o vento frio me abraçou novamente.

– Pegaremos o anzol que seu pai está usando.

No começo discordei, mas não parecia ter outra solução. Nada ali parecia ser confiável o bastante para “espetar” o homem.

Voltei todo o caminho que Dave e eu percorremos. Passamos pelo menino com distúrbio bipolar, pela menina que já estava de volta e pulando corda novamente, pelas pedras e flores que tanto enfeitavam o lugar. Até chegar novamente ao cais, onde meu pai estava pescando.

– Quem estava entupindo os canos? – Ele já sabia que era uma pessoa, assim como eu sabia o nome dela.

– Fatty Fat Cakes. – Respondi. – Precisamos do gancho para espetá-lo.

– Pois bem... Leve. – O homem com a própria mão cortou um pedaço do fio da vara e Dave com a garra pegou e saímos de lá. Temia ficar na frente com aquele anzol atrás de mim, então o pássaro esverdeado voou mais uma vez na frente.

Já no cano novamente – após fazer todo aquele caminho – avistei Fatty entalado ainda, com uma expressão de medo que me deu dó.

– Isso é um gancho?

– Sim.

– Então me fure.

Peguei o gancho e fiz pressão contra o braço dele. Logo ouvi um “ploc” ecoando pelo cano e Fatty estava murchando deixando a água passar.

– Oh, que alívio! Muito obrigado!

– Sem problemas...

Fatty sumiu de nossa vista, desaparecendo para outro rumo do cano onde eu temia continuar. Eu também não queria voltar para meu pai, mesmo estando com o gancho dele. Meu lado medroso gritava e eu não queria devolver o objeto que ele precisava. Dave parecia ter a mesma opinião.

– Como ajudaremos minha irmã? – Suspirei.

– Falaremos com Gomgossa, ela com certeza pode lhe ajudar!

– E você sabe onde essa pessoa pode estar? – Perguntei enquanto via que eu já ouvira o nome dela antes, era parecido com o garoto que eu falara.

– Claro. Mas antes, devemos pegar algo para sairmos do Campo Vermelho e ir para um outro lugar, está bem, Pete?

– Sim. – Concordei.

– Então vamos. – Dave voou ainda pelo cano, era um pouco difícil acompanhá-lo pois estava escuro, estão ele às vezes dizia algo para eu não me perder.

A luz novamente encheu o lugar do cano onde estávamos e eu podia ver uma abertura por cima. Sorri aliviado, era um horror ficar muito tempo ali dentro do cano, não me admira Fatty inchar toda vez com um ataque de claustrofobia.

– Não é por aí.

– Você quer continuar pelo cano? Por que não vamos por cima?

– Porque nós vamos descer! – Eu juro que vi aquele pássaro sorrir.

Antes que eu pudesse formular que “descer” era cair, eu já tinha caído onde o cano terminava. Por sorte uma terra fofa me serviu de impacto, enquanto Dave ainda voava calmamente ao meu encontro. Aquele lugar era ainda mais escuro, parecia uma floresta subterrânea. Tinham alguns vaga-lumes que piscavam em cor azul, mas estes logo morriam.

– Tem certeza que é por aqui?

– Não. – Dave falou, sua voz era irônica e temerosa, senti tanto medo que meu queixo podia ser ouvido batendo. Me abracei e continuei o caminho, onde a única luz eram dos vaga-lumes que morriam.

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Notas finais do capítulo

Como eu disse antes, está tudo baseado em um jogo. Então tudo o que viram aqui que lembra alguma outra história minha (e tem) é tuudo coincidência. Eu só achei que devia escrever sobre, eu adorei o jogo.
Eu adoraria também ver o que vocês acham que está acontecendo, mas não vou revelar nada ainda, é claro.
Thanks!