Roda-gigante escrita por 01


Capítulo 1
Único, eu acredito.




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Ninguém fica infeliz num parque de diversões. Ao menos não deveria. A noite era linda, gelada, mas linda. Eu via crianças completamente meladas com doces, casais dividindo maçãs do amor, adolescentes rindo de um colega azarado, famílias inteiras brincando... Era uma noite incrível. Mesmo para mim. Todos pareciam radiantes. Menos ela.

Sentada naquele banquinho, do outro lado do chafariz... Parecia tão perdida! Vez ou outra beliscava seu algodão doce cor-de-rosa, vez ou outra sorria estranhamente, como se silenciosamente risse de si mesma. Balançava a cabeça negativamente, sorria mais uma vez. Mas parecia perdida, triste. Ninguém deveria ficar triste num parque de diversões. Ninguém.

Queria me aproximar dela, mas não conseguia. Ela parecia uns seis ou sete anos mais nova que eu. Deveria ter seus dezesseis. Os cabelos castanho-claros não poderiam ter sido melhor tecidos por Deus, e os olhos perdidos, azuis... Ah, eles eram os olhos mais... Eu não conseguiria nem em outra vida explicar tamanha beleza. Ambos estávamos sozinhos. Eu poderia conquistá-la, fazer dela minha garota. Era fácil. Eu sempre fui um imã para garotas, principalmente as mais novas. Mas não era difícil ver que ela era diferente. Ela não era só uma adolescente, não era só uma garota, só uma mulher. Ela, entre todos os outros seres humanos no parque, parecia ter um coração. Não o coração músculo, não o coração órgão. Um verdadeiro coração. Aquele ponto no nosso peito que parece estar sendo esmagado quando alguém nos fere, não fisicamente.

Eu nunca fui muito sentimentalista. Mas, talvez por sorte, não cheguei a ser tão oco e fútil quanto 98% da sociedade mundial. Nunca liguei para todas aquelas roupas e tênis de marca que enchiam meu guarda-roupa, e as garotas que eu namorava, que eu “ficava”, Deus, eram todas tão vazias! Eu brincava com elas, eu era cruel, sim... Mas eu jamais seria capaz de ferir a garota do parque. Ela não. Ela era, definitivamente diferente.

Eu precisava me aproximar. Quantas pessoas como ela eu encontraria? Mas eu não podia. E se estivesse enganado? Minhas pernas pareciam fracas, como nunca antes. Eu sentia uma enorme vontade de andar até lá, sentar ao seu lado e conhecê-la realmente, mas eu não podia, eu não podia! O que eu diria? “Olá, eu estive te observando, você parece especial, qual é o seu nome?”. Definitivamente, seria patético. Fiquei onde estava. Em pé, observando-a, de vez em quando permitindo-me desviar o olhar para a roda-gigante. Eu poderia tentar fazer com que fosse menos óbvio que eu tinha interesse na garota. Mas já era tarde de mais. Até um cego perceberia.

Seu algodão-doce acabou, ela levantou-se para jogar o palito na lixeira. A lixeira ao meu lado. Sufoquei. Poderia eu sair correndo e nunca mais vê-la, mas seria uma covardia à qual eu nunca me perdoaria por ter cometido. Poderia ficar e tentar controlar minha imensa vontade de puxar assunto, ou de simplesmente esbarrar nela “sem querer” só para ouvir sua voz.

Eu devia estar enlouquecendo. Mas ela continuava se aproximando, e aproximando, e quanto mais eu tentava não olhar para ela, mais eu olhava. Seu olhar era realmente perdido, mas tão lindo! Não era vazio, não era mesquinho. Ela definitivamente tinha um coração. E quando ela parou ao meu lado e jogou na lixeira o palito, eu comecei a rir! Ela me olhou de um jeito engraçado e começou a rir também, só Deus sabe por quê.

Dois estranhos rindo juntos num parque de diversões. Queria eu viver aquele momento a todo o instante. E quando eu consegui parar de rir e ela também, ela me observou por um tempo e deu um sorriso. Um sorriso diferente do anterior, que parecia de vergonha. Era um sorriso de alegria, de extrema satisfação.

Surpreendentemente ela pegou um papel que tinha no bolso, e um lápis bem pequeno, obviamente muito usado, muitas vezes apontado. Voltou à seu banco, apoiou o papel no murinho do chafariz e escreveu alguma coisa. Guardou apenas o lápis, olhou para a roda-gigante por um tempo, e sorriu. Levantou-se, caminhou até mim. Ela falaria comigo? Será que acha que sou louco?

Não disse nada. Suas mãos geladas tocaram a minha mão esquerda, quente. Em minha mão ela pôs o papel meio amassado. Levou meus dedos até a palma em seguida, com um sorriso doce, o mesmo sorriso de alegria que minutos antes havia florescido em seu rosto divino. Voltou ao seu banco. O olhar ainda ela perdido, mas ela ainda sorria aquele sorriso, o meu preferido.

Abri a mão segurei melhor o papel e li as letras confusas. A caligrafia não era a mais perfeita, mas era linda, à sua maneira.

“Tenho um pouco de medo de morrer de novo. Pessoas são difíceis, não é? Uma volta na roda-gigante? Eu deixo você pagar.

 

Ps. Eu sei que andou me observando. Até um cego perceberia.”

Um sorriso involuntariamente se abriu no meu rosto e me aproximei dela. Nenhuma palavra foi dita por toda a noite, mas tudo o que eu mais desejei na vida com ela eu tive. Por algumas horas.


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