O BAFO DA MORTE

Nunca falar com ninguém, esse era meu destino.

Nunca lavei a boca, nunca vi creme dental, fio ou enxaguante.

Nunca soube o que era sorrir para alguém sem que me mandassem escovar os dentes com água sanitária.

Eu estava só na eternidade, acompanhado apenas das minhas cebolas.

Incrível como os humanos conseguem ser as criaturas mais fedorentas e mesmo assim eu era pior.

Minha missão era guiar os humanos até o outro mundo, eles seguiam a fumaça verde que saia dos meus sete dentes.

No tempo que passei naquele quarto de hospital, pude devorar quatorze cebolas e cinco dentes de alho.

O rapaz deitado na cama tinha os dentes tão estranhos, eram tão brancos que doía olhá-los, seria aquela a cor natural? Os meus costumavam ser um pouco pretos nas raízes e parecia um tecido de veludo, não que eu os olhasse porque o espelho costumava quebrar assim que eu o encarava, sempre vi apenas de relance.

Uma mulher chorava ao seu lado.

- Você não pode me deixar sozinha com as contas. Isso não é certo... Você tem que me sustentar na velhice... Isso não é certo!

Imagino que se pudesse choraria.

- Mãe... Que cheiro é esse de rato morto num esgoto podre?

Tampei a boca num ato instintivo, como ele descobrira a sobremesa do meu jantar? A ligação com o mundo do meio já começara, logo ele estava ao meu lado.

- É minha hora? – Perguntou ele

- É. – Respondi mostrando minha arma mortal.

Porque ele não se assustou ao ver meus tocos de dentes?

- Você não parece com medo. – Falei.

- Porque teria? Você é um anjo.

Eu? Um anjo?E onde estavam meus cachinhos e minhas asas? Eu era apenas uma espécie de monstro que os pais criam para obrigar as criancinhas a escovarem os dentes.

Ele se aproximou, me afastei prendendo a respiração, ele fedia.

- Quando eu assoprar na sua cara, sua alma vai ser levada, está preparado?

-Acho que não tenho escolha... – Falou ele.

Me aproximei devagar e, sem que me desse conta, soltei a respiração , pude ver seu rosto ficar verde, e seu nariz latejar para ser tampado.

- A catinga da morte é doce apesar de tudo. – Sussurrou enquanto virava para trás em forma de fumaça.

- Adeus...

Um grito agudo encheu o lugar

- NÃO! AINDA FALTAM 26 PRESTAÇÕES DO CARRO!

Eu, com minha catinga, levei aquele jovem.

Algo suave deslizava por meu rosto, uma casca incrivelmente grossa caiu da minha boca.

Olhei em um pequeno espelho  que sempre carregava na esperança de apreciar  minha beleza, meus dentes estavam como os do jovem.

Sorri e uma lágrima escorreu

- Obrigado... Jung YunHo.