Lives escrita por Rella
Capítulo 13
O corpo largo e pesado se contraiu e entrou em espasmos.
- Pressão baixando!
- Mais sangue! – Gritou Sarah.
Na sala branca e impecavelmente esterilizada, todos assistiam ao monitor. Os fios de vida se comprimiam, e o peito aberto abaixo das luzes intensas tentava sobreviver. O coração fraco nas mãos de Peterson morria.
Vamos, vamos! Ainda podemos conseguir!
Logo ela descobriria o quanto estava enganada.
- Batimentos cessando. Assistolia, nenhum ritmo.
- Morta. – Alguém falou. – Ela está morta.
- Sarah, tome esse calmante. – Ofereceu Kinsey. – Relaxe, sim?
- É normal se perder um paciente. As pessoas morrem. – Honey tentou consolá-la.
Os olhos apertados de Sarah mostravam o quanto sentia chateada. Pegou o copo de Kinsey e num gole ingeriu o calmante.
- Queria me dopar agora, queria dormir um dia inteiro. E espalmou as mãos no cabelo num ato desesperado.
- Não há nada que possamos fazer. – Falou Honey à Kinsey. – Daqui a três dias, no máximo, isso passa. Pode crer. Eu conheço a Sarah.
- Eu deveria a ter salvado. – Murmurou. – Era a minha obrigação.
Honey se agachou próximo a ela, tentando olhar seu rosto cabisbaixo.
- Se ela se foi, é porquê tinha que ser assim, Sarah. Não podemos controlar a morte, não somos deuses.
- Engraçado... – Falou Kinsey. – Pensei que nós fossemos eles.
- Ah, Kinsey! Dê o fora! Deixa que eu cuido dela.
- Deus! – Exclamou Sarah. – Como direi isso à família?
- Enquanto carregar esse jaleco branco no corpo, não tem a obrigação de consolar ninguém. Deve apenas dizer. – Tossiu devido à garganta ressecada. Já estava quase uma hora conversando com Sarah. – Temos que ser assim, Sarah, frios, insensíveis. Não podemos nos apegar a paciente algum... Senão como viveremos?
Houve uma pausa. Peterson limpava as lágrimas.
- Sei que tem razão. Mas nunca deixei um paciente morrer.
- Sempre há uma primeira vez. A morte ronda a todos e só ataca no momento certo. E esse era o momento da Sra. Kartws. Não há nada em nosso alcance quando isso acontece, porque tem que ser assim.
Peterson se ergueu.
- Vou lavar meu rosto e comer algo para enfrentar a família Kartws.
Honey sorriu.
- Isso. Faça isso. Qualquer coisa eu estarei aqui.
O resto do dia fora mais uma vez extremamente extenuante. Em partes fora bom para dissipar o acontecimento da manhã, enquanto conversava ou até ria com seus pacientes.
Faltavam cinco para a meia-noite quando enfim pôde ser dispensada. Entrou no elevador se arrastando. O corpo nunca pesara tanto como neste dia. Pelo menos era o que conseguia se lembrar.
Os cabelos desgrenhados e seu ser embriagado em sono só imploravam pelo colchão. Poderia ser até o chão que ele agradeceria.
Carl entrara logo atrás, parecendo cansado, mas nada comparável. Não o via fazia quase um mês, pois estava em lua de mel com Cinthia em algum lugar. Seu cérebro estava muito esgotado para se lembrar de detalhes.
- Santo Deus! – Exclamou Carl. – Anotou a placa do caminhão que te atropelou?
- Pareço tão mal assim?
- Pior! Conseguirá chegar em casa? – Perguntou ele, descrente.
- Claro. – Sorriu logo após bocejar.
Ele duvidou.
Meteu a mão no bolso da calça procurando a chave. E antes que a inserisse no carro, escutou a voz de Sam chamá-la, um tanto distante. Virou-se e ele vinha se desfazendo do jaleco.
Ele está mais bonito hoje, ou é impressão minha?
Fitou-o por inteiro enquanto ele se achegava.
Droga! Por que estou me perguntando isso?
- Quer uma carona, Sam?
Ele riu.
- É claro que não. Eu vim com o meu carro hoje. E é você quem vai de carona. Seria louco se te deixasse dirigir assim. É capaz de cometer um acidente e ainda morrer.
Tenho que admitir que ele não esta errado. Tudo para não dizer que ele estava certo.
Sarah cochilou durante todo o trajeto até seu apartamento.
- Saco! Já bati e chamei mil vezes!- Vociferou. – Susie não está em casa novamente! – Bufou enfurecida.
Apoiou-se na parede e deslizou até o chão, e ali ficou com os joelhos comprimidos ao peito feito uma garotinha.
- Deve estar no carro.
- Sam, já procuramos não sei quantas vezes minha bolsa lá! E eu já disse que deve estar no hospital.
Sam deu alguns passos à esmo pelo corredor e voltou-se a Sarah.
- Quando que ela chega? Isso é, se tiver noção. – Balbuciou desesperançado.
- Bem, como agora são 1:00m, no máximo às 3:00m ela deve estar de volta.
Sam pareceu perplexo.
- Três? – Ele quase gritou.
- Sim. – Respondeu Sarah, desiludida.
- O que essa garota faz na rua essa hora?
- É o que ainda vou descobrir.
Ele juntou-se a ela no chão frio e fitou-a.
- Não posso ficar aqui até as três e não posso deixá-la aqui sozinha.
Sarah o olhou esperando que apresentasse uma solução “cabível”.
Quer arrombar a porta do meu apartamento? Isso?
- Fique em minha casa hoje. Nós damos um jeito. Eu durmo na sala e você fica com o meu quarto.
Não soou como uma boa idéia. Mas encarou a realidade que em poucas horas deveria voltar À ativa e estar disposta. Não encontrou outra opção senão aceitar.
- Aqui. – Sam lhe entregou uma camiseta. – Se quiser usá-la para dormir... - Olhou para as roupas de Sarah. – Acho que ficará mais confortável.
Sarah pegou-a e examinou-a. Cairia-lhe bem.
- Obrigada.
Esperou que Sam se retirasse para se trocar.
- Prometo que não virei aqui a menos que me chame, se precisar... – Falou firme.
Sarah achou graça de todo aquele cavalheirismo. Não que ele não fosse gentil, mas já estava exagerando. Pegou-o pelo braço e o levou até a porta.
- Só irei dormir, Sam. Não há perigo algum nisso. – Explicou, dócil. – Obrigada mais uma vez, e bom dia, já que a noite se foi há algumas horas.
Deu uma risadinha descontraída e fechou a porta. Trocou-se e mergulhou na cama. Quatro horas depois estava de pé a custo. Vestiu as roupas de antes e ajeitou os cabelos num coque para que Sam não se assustasse com sua figura matutina. Passou pela sala e ele não estava. Escutou o cair da água no chão. Vinha do banheiro.
Prepararei o café, decidiu. Era o mínimo.
- Armário vazio?- Perguntou a si mesma, incrédula.
Abriu a geladeira encontrando ao fundo duas latas de cerveja e um alface velho. Suspirou, desiludida. Sam apareceu, e para sua surpresa de forma inusitada. Pele e cabelos úmidos trajando uma toalha felpuda e branca. Peterson deu um sobressalto e fingiu procurar algo no armário. Suas mãos não suavam. Sentiu que ele se aproximava juntamente com o que temia. Esquivou indo novamente a geladeira. Ele se apoiou no armário, cruzando os braços e reprovando tudo aquilo.
- Esqueça. – Ele falou. – Não encontrará nada mais que ar nessa cozinha.
Sarah procurou não olhá-lo diretamente; Disfarçou voltando-se à suas unhas num ato que pareceu desdenho.
- Percebi.
- Como só venho para dormir, até esqueço de fazer umas comprinhas. – Confessou. – Também... Com que tempo? – Riu. – Podemos comer fora.
- Melhor não... Já lhe tomei muito o tempo, e acredito que até a paciência. Mas agradeço o convite.
Ela rumou para a sala, ligou a TV e se assentou num puff. Mirou-o.
- Posso lhe pedir só uma coisa?
Sam meneou a cabeça positivamente.
- Me leve pra casa?
Ele achou linda a expressão dócil que Sarah fizera, sem perceber. Aproximou-se e se agachou para olhá-la nos olhos.
- É claro que levo. – Seus olhos namoravam os de Sarah. Tocou-lhe o rosto ajeitando a mecha atrás da orelha. – Levo sim.
Por mais que a vontade lhe corroesse, não ousaria magoá-la mais uma vez. Queria beijá-la, mas não o faria por respeito. Controlava-se, mas era inegavelmente difícil. Tê-la assim em sua frente, era provocante.
Sarah sentiu algo lhe percorrer a espinha. A distância não era segura.
- Sabe... – Murmurou. – Preciso ver como está Susie, trocar de roupa... Tudo antes de ir ao hospital... – Se explicou.
Ela arqueou-se um palmo para trás. Queria entender o porquê, mas era tudo confuso, pensamentos que não lhe corriam na mente agora estavam lá, perturbando. Não houve escapatória, seus lábios se tocaram tímidos, e logo sôfregos.
Não souberam como, mas seus corpos os guiaram até a cama. Começaram a se despir com uma intensa urgência. Entregaram-se. Então, quando se completaram, por algum motivo desconhecido ela suplicou por... Michael?
Sam se afastou, incrédulo, tomando os lençóis envolto do corpo. Foi à janela ingerindo o ar da cidade, furioso.
- Michael. Ótimo! – Ironizou. Virou-se à Sarah. – Quem é Michael? Quem é esse agora?
- Um cara ligou pra você hoje de manhãzinha. – Falou Susie. – Quando lhe perguntei o nome, ele desligou.
Susie olhava Sarah vestir a calça branca e pegar o crachá do hospital, apressada. Tinha uma cara péssima.
- Onde esteve? – Inquiriu.
Não obteve resposta.
- Está com um humor...
- Sou eu quem faz as perguntas, mocinha. – Disse Sarah, seca. – Ainda teremos uma séria conversa. Não deveria estar em aula?
- Como queria que eu fosse preocupada com você?
- Ah, preocupada? – Desdenhou. – Devia ter se preocupado ontem à noite, também. Agora me dê o passe de ônibus.
- Pra quê?
- Deixei minha bolsa e todo o resto no hospital. Ande! Estou atrasada!
Esse ônibus balança muito, pensou Sarah.
O sol já estava a pino, calorento. Tinha a cabeça encostada no vidro quente. Pensava mil coisas, mas nada fazia sentido. Queria esquecer a última noite subseqüente da manhã, desejou nem ter nascido. Nunca se sentira assim, tão atordoada, confusa, talvez encurralada.
Tentou se lembrar de Matthew, mas a sua figura se desvanecia. A sensação do beijo era o que mais recordava, era o que tinha de melhor, agora não passava de apenas mais um.
- Que cara, hein, amiga.
- Ah, Honey, hoje eu não estou pra ninguém.
- Conta.
- Não tenho nada para contar.
Honey a encarou.
- Tá! Fiquei com Sam essa manhã. – Confessou.
A expressão de Honey alegrou-se, tomou até as olheiras de uma noite mal dormida.
- Mas... – Falou Sarah.
- “Mas” o quê? – Perguntou Honey, desconfiada.
- Você não iria entender. Nem eu entendo. Esqueça.
Peterson encontrou sua bolsa no mesmo local em que deixara. Abriu, checou, tudo em ordem.
Ligou o celular se surpreendendo com as ligações perdidas.
- Seis?
O número não estava em sua lista. Retornou.
If they say: Why, why?
Tell 'em that it's human nature
Why, why does he do me that way?
I like living this way
I like loving this way
Aplausos.
- Meu Deus! – Exclamou Kenny. – Está incrível! Está incrível!
- Michael! – Alguém gritou. – Seu celular está tocando há uns minutos. – Se achegou e exibiu o aparelho.
- Oh, estou ensaiando, não posso atender.
- Michael, atenda. – Aconselhou Kenny. – Pode ser importante.
Jackson parou e pensou. Continuou:
- Veja quem é, por favor.
- Dra. Peterson.
O astro não conteve o sorriso. Pareceu aliviado.
- Eu atendo.
- “Dra. Peterson”... Vou fingir que acredito. – Brincou um de seus dançarinos. – Também queria uma “doutora” para cuidar de minha saúde.
Jackson riu e fingiu bronqueá-lo. Silêncio.
- Sim?
Pausa.
- Quem fala é Michael. Michael Jackson.
A ligação caiu.
- Desligou... Ela desligou.
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