- Primeiro dia. Que ótimo!

 

Pra mim isso já não era mais novidade, quando você se muda desde os dez anos, você se acostuma e aprende a não criar laços em lugar nenhum nem com ninguém, mas uma coisa que até hoje não mudou pra mim,  e que ainda me incomoda muito é ser a garota nova na escola e de outro país, tem coisa mais chata que isso? Porque se tem, eu desconheço totalmente!

 

O por que disso? Mamãe está sempre viajando por causa do trabalho dela, e numa dessas viagens conheceu papai, ai se casaram tão rápido que devem ter batido algum recorde. Nasci logo em seguida, eles moraram juntos por alguns anos mas como minha mãe não gostava de ficar em um único lugar por muito tempo, eles logo se separaram, e desde então estou me mudando que nem uma cigana.

 

Fazia um tempo razoável que pensava em mudar essa minha vida agitada. Eu sabia como fazer, não tinha tanta coragem, mas se queria ser feliz do jeito que sonhava viver, teria de encarar a fera chamada mãe.

 

- Mãe eu vou morar com o meu pai.

 

A cara de atônita da minha mãe foi a pior. Estava quase desistindo de continuar a conversa quando ela perguntou:

 

- Por que?

 

- Eu cansei de ficar me mudando toda hora, de escola, de cidade, de país...

 

- Não tem como eu fazer você mudar de idéia?- suplicou ela

 

- Não mãe. Desculpa, já falei com o papai só queria te avisar- menti

 

- Vou sentir tanto a sua falta...

 

- Eu também, mas olha... você vai ter o Carlos!

 

Obs: Carlos é o padrasto ridículo que minha mãe arranjou pra mim. O cara é ligadão na minha mãe e disposto a viajar com ela. O que a deixa totalmente apaixonada, com direito a corações estourando no céu e um anjo com uma harpa.

 

- Eu sei. Mas você é a minha filha...

 

- Sempre que você quiser pode ir me visitar – sorri e abri meus braços pro abraço que me era tão familiar

 

- Serio? – retribuiu ela o sorriso

 

- Claro. Por que mentiria ?

 

- Então tudo bem, mas você promete também que vai me ligar ou mandar email todos os dias? – disse ela me apertando mais em seus braços

 

- Prometo mãe. Agora vou começar a arrumar as minhas coisas e ligar pro papai pra avisar a sua decisão, tá bom?

 

- Ok!

 

Logo que me vi capaz de respirar fui em direção ao meu quarto, pensando no tamanho da falta que sentiria de minha mãezinha. Ela podia ser um pouco agitada, podia ser totalmente louca e descontrolada, mas era a pessoa a qual eu daria a minha vida.

***

 

Esperei que o verão chegasse, de modo que não atrapalharia o ano letivo. Ainda lembro da cara de cão abandonado de minha mãe quando fui dar meu adeus definitivo. Lá estava eu no meio da sala tentando levantar uma louca de joelhos, que tentava me fazer mudar de idéia.

 

Sorri e sacudi a cabeça tentando focar no que acontecia agora.

 

Estava a procura de meu pai no meio da multidão do aeroporto, e logo o encontro sentado num banco. Grito pelo seu nome e aceno quando os olhos dele se voltam para mim.

 

- Minha filha, que saudades, como foi o vôo?

 

- Foi tudo bem – não deixo de sorrir e reparo o quão velho ele fico em um ano que não o vi.

 

- Tem mesmo certeza de que quer morar comigo? – disse ele ao levantar uma sobrancelha

 

- Cansei daquela vida agitada.

 

- Será que estou revivendo a época da separação, que foi quando eu disse isso pra sua mãe...?  – a risada jovial dele me fez repensar e tirar uns 5 anos daquela velhice que havia dito – Vamos pra casa...

 

Papai pegou minha pequena bagagem e me indicou o caminho que deveríamos seguir. Estávamos indo ao estacionamento, será que papai tinha aprendido a dirigir e comprou um carro? Não... Papai era um péssimo motorista e já tinha sido reprovado em pelo menos duas auto-escolas.

 

- Pronto senhor? – um homem perguntou pegando a bagagem da mão de meu pai.

 

Virei meu rosto para olhar pro estranho mais lindo que já havia visto em toda a minha vida boba e sacana. Deus, dá uma olhada nesse cabelo castanho. Os olhos caramelos, a boca com o contorno mais perfeito, o nariz mas bem feito...

 

- Vamos querida?- papai perguntou tirando-me de meus devaneios

 

- Desde quando você tem motorista pai?

 

- Os tempos mudaram, e eu precisava me locomover sem ser em um taxi.

O meu pai disse alguma coisa? Sei lá, olha esse gato... Será que ele mora na casa do papai? Será que eu tenho chance? Será que ele tem namorada? Será que se eu perguntar alguma coisa pra ele, ele me responderá e eu ouvirei sua linda e suave voz novamente? Fale fulano, fale comigo...

- Senhor?

 

ELE FALOU! Isso que estou ouvindo é um sino de uma igreja? Coro de ‘aleluia’?

 

- Sim Granger – respondeu meu pai

 

- Não quer mostrar a sua filha um pouco de Londres antes de ir para casa?

 

Ele não é fofo? Oi fofinho, oi cuti-cuti, oi senhor boca quero te beijar, oi oi oi !

 

- Tem total razão, você nos leva onde preferir.

 

- Granger? – perguntei um pouco envergonhada. E curiosa !

 

- Se quiser pode me chamar de Oliver.

 

- E se você quiser, pode me chamar de Claire.

 

Meu pai me olhou enfezado e transmitiu um ‘ pare de ser atrevida’.

 

- Como quiser senhorita.

 

- Claire – repeti e ele sorriu de volta

Ele nos levou aos mais bonitos locais de Londres. A torre do Londres (Tower of London) , ao Millenium Bridge até mesmo ao The Globe Theatre. Mesmo se não estivesse gostando, eu balançaria a cabeça e diria que eu estava amando, tudo pra ver aquele deus londrino feliz.

 

Chegamos  a um prédio super bonito  de arquitetura antiga, parecidíssimo com a maioria dos prédios aqui de Londres. Me surpreendi quando vi que papai morava agora no terraço. Entrei dentro da casa e não poupei comentários.

 

- É lindo! Deve ter custado uma grana pai. Onde é meu quarto? Nossa, olha esse sofá !

 

- Você sabe que eu não preciso me preocupar com isso – respondeu ele tentando ser modesto e não conseguindo.

 

- É eu sei, só que não era assim com a mamãe. Vai demorar pra me acostumar com tudo isso.

 

Ele me lançou um olhar compreensivo e chamou por um nome que eu não entendi. Foi então que entrou uma mulher com um corpo escultural, cabelos curtos e loiros e o beijou... NA BOCA !

 

- Querido que bom que você chegou – epa, que voz melosa é essa. E que beijo foi aquele?

 

- Minha filha essa é a Hillary, minha...

 

- ESPOSA! – respondeu ela sorrindo nojentamente e vindo em minha direção pra um daqueles “conhecimentos”. Aqui não mocréia!

 

Mas o que diabos estava acontecendo? Papai se casou e não me falou? Papai mentiu todo o tempo? Papai queria mesmo que eu morasse com ele?

 

- Prazer Claire, seu pai me falou muito sobre você, estava ansiosa pra conhecê-la, espero que sejamos grandes amigas.

 

Tá tudo bem que meu pai não é tão velho, ele até me teve bem cedo e a mulher dele até tenta ser legal, mas que isso... Ele me traiu, e eu sou filha dele. Acho que eu tinha direito de ser informada quanto ao casamento dele.

 

- Oi. – digo secamente e eles percebem isso

 

- Maria, mostre a minha filha o quarto dela.

 

- Claro senhor.

 

A senhorita de cabelos grisalhos me acompanhou até o meu quarto e me olhava de canto de olho. Eu estava tão atônita com o lance do ‘esposa’ que eu não tentei ser agradável com a velhinha.

 

- Ela não gostou de mim... – ouvi a nojentinha dizer

 

- Dê um tempo pra ela se acostumar querida, tenho certeza que ela vai gostar de você. –agora meu pai traidor falando.

 

Olho pra senhorinha e lhe retribuo o sorriso gentil. Pelo menos uma pessoa agradável na casa. Mas e o tal.. Oliver? Mora aqui?

- Senhora...?

 

- Sim?

 

- Oliver mora aqui?- perguntei sem jeito.

 

- Meu sobrinho? – sorriu ela – Mora no quarto de hóspedes comigo... Vejo que gostou dele senhorita.

 

- Ele parece ser um cara legal- respondi e entrei em meu quarto.

 

Quarto? Aquilo era um palácio. Um cômodo que tinha mais coisas de adolescentes do que a galeria do rock. Ele era dez vezes maior do que o meu antigo, no centro uma cama enorme do tipo que se vê em filmes, existia varias janelas que davam vista para a rua movimentada.

 

O meu quarto era perfeito, eu precisa de amigas pra mostrá-lo a elas. Amigas... Dá até vontade de rir. Quando será que eu vou fazer uma amizade que fique comigo pro resto da vida?

 

Olho para a senhora chamada Maria e me lembro de ser um pouco respeitosa.

 

- Desculpe a indelicadeza, meu nome é Claire, e pode me chamar pelo nome.

 

- Prazer Claire – disse ela sorrindo - Gostaria que eu trouxesse alguma coisa?

 

- Só as minhas malas por favor.

 

- Claro. Só um instante.

 

Quando já estava sozinha no quarto corro pro closet. MEU CLOSET. O closet que eu faria questão de encher com roupas de marcas. Quem diria que eu ia ter um closet? Acho que vou amar morar aqui...

 

Quando volto ao quarto pra me acomodar um pouco na minha luxuosa cama, vejo que minhas malas já estão ali. Senhora boazinha... Sobrinho lindinho... Madrasta estranho e incógnita... Pai mentiroso e misterioso... Vida de luxo e novidades!

 

- Bem vinda de volta à vida Claire !