Na Ponta dos Pés escrita por Maybe Shine, Bibiana CD


Capítulo 3
Seu filho é uma gracinha


Notas iniciais do capítulo

Achamos que devem ter alguns erros, mas não vimos nenhum. Se os acharem avisem, por favor.
Esse cápitulo ficou grandão, mas esta bem engraçado e bom de ler. Esperamos que gostem. Foi reescrito algumas vezes, só para ficar melhor para vocês. Boa leitura!



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Fiquei parado de pé no telhado com os braços pendendo ao lado do corpo e a boca em forma de O. E acho que com a maior cara de idiota também.

O carro preto deu a volta e quando estava passando bem atrás do prédio da direção da Academia de Artes parou novamente. Um dos grandalhões fez sinal de Ok para a vice diretora e depois levantou os olhos pra gente.

Foi mais ou menos ai que meu coração deu um salto.

Olhei para a ruiva assustado. Ela estava com uma expressão bem séria, olhando pro grandão também. O que aconteceu em seguida foi estranho. E foram várias coisas que aconteceram ao mesmo tempo. A vice diretora deu a volta no prédio e logo estava lá com os alunos, gritando horrorizada, perguntado o que havia acontecido. E deu a maior confusão. Todo mundo falou ao mesmo tempo e a Sra. Anderson fingiu que nem sabia de nada, como se ela nem estivesse antes conversando com os sequestradores.

O carro preto saiu em disparada levando a Sra. Marple. Só que um dos grandalhões ficou para trás. Ele se aproximou do telhado com o queixo apontado para cima e segurou na perna da ruiva, que estava bem perto dele.

- Vocês não viram nada, vocês não ouviram nada, entendido? – perguntou ele com uma voz meio rouca. Pela careta que a ruiva fez ele devia estar a machucando.

- Vocês não viram nada! E não vão falar nada pra ninguém! – gritou. E cara, eu fiquei com medo. Sério, quem não ficaria? Porque ele estava usando um tom de voz bem ameaçador e apertava a perna mais e mais da garota. Mas então, para a minha total surpresa, a ruiva conseguiu desvencilhar a perna e deu um chute no grandalhão. Bem no meio da testa, deixando-o bastante surpreso, o que já foi suficiente para que ela saísse do seu alcance.

Garota esperta, pensei, deve ter aprendido bastante coisa assistindo caratê kid.

Ela abriu a boca para dizer alguma coisa, mas o grandão encapuzado fez um gesto com a mão e saiu correndo para o outro lado da rua. Um instante depois havia desaparecido entre as casas.

Poxa, acabei de lembrar uma coisa. Esqueci completamente de me apresentar.

Que coisa mais feia, da minha parte. Minha mãe vivi dizendo que sou muito tolo. Mas não é nada disso. Meu pai deve estar mais certo, ele balança a mão e revira os olhos. É o jeitinho carinhoso dele dizer que sou um caso perdido.

 

Meu nome é Edmund, foi nesse dia que presenciei um sequestro encima do telhado com uma ruiva que mudaria minha vida.

 

Se alguém chegasse e perguntasse como sou, diria que normal. Não tenho quatro braços ou um terceiro olho embaixo do dedinho mindinho do pé. Então acho que sou normal. Eu até estudo. Quero dizer, vou à escola e tudo mais. Nesse dia em especial estava de férias. Férias de inverno. E estava realmente frio. Desde que me lembro moro em Porto Alegre, aqui no Rio Grande do Sul, e acho um máximo à paisagem da sacada do meu quarto. Consigo ver todo o Guaíba. Não que seja assim tão legal, porque o Guaíba não é assim tão limpo, mas se você visse o por do sol, ah, daí entenderia. Danço ballet desde que tinha seis anos. Minha mãe já trabalhava na Academia de Artes dando suas aulas de música, e, pelo o que conta sempre no meu aniversario, eu adorava ficar tentando fazer umas piruetas e olhar as aulas de dança. Isso que fui uma criancinha amuada.

Nessa época meu pai ficava insistindo para eu fazer futebol. Acho que foi ai que toda decepção começou. Algumas pessoas me acham estranho, mas não é nada disso. Sou apenas um tantinho confuso, acreditem.

Mas onde eu estava mesmo? Ah sim, no telhado.

A ruiva soltou uma risada alta.

- O que é engraçado? – perguntei estranhando a reação dela.

- O cara nos ameaçando, não é o máximo?

Olhei sério para ela.

- Não.

- Bailarina, você é muito bizarro mesmo.

- Não, não sou! Aquilo foi um sequestro, um sequestro! Será que você não percebeu?

- Um sequestro? - ela fez uma cara de falso espanto, logo voltou a rir. – E daí se aquela magrela foi sequestrada? Logo vão pagar e soltam-na.

- É, mas... mas... Espera, você ainda esta com a minha sapatilha!

A ruiva olhou para a mão e pareceu ficar surpresa ao ver que a sapatilha estava ali, amassada entre seus dedos. Minha sapatilha, que havia sido comprada em Joinville estava lá, morrendo de inanição entre seus dedos magros.

Ela abriu um sorriso do mal e começou a jogar a sapatilha de uma mão para outra.

E, sabem, eu tinha que fazer alguma coisa.

Pulei em cima dela tentando pegar a sapatilha. A ruiva desviou pro lado, com um passinho. Acho que senti um friozinho percorrer minha espinha ao ver que estava indo em direção ao nada. Ou era isso, ou um peixe havia entrado no meu suéter.

Fui direto pro nada. Mas, espera ai. Eu tenho alergia a peixe. Sabe, meu rosto incha e fica todo vermelho, daí minhas bochechas ficam grandes e meus olhos pequenos e é muito hilário, e seria bem mais legal caso não fosse difícil respirar. Mas... onde eu estava mesmo? Certo, estava indo direto pro nada.

Depois de um segundo acabei caindo com tudo na parte do telhado em que antes estava a ruiva e a sapatilha roubada. Caí de cara, e foi um tombo e tanto. Só que não parou por ai. Fui escorregando pelas telhas, porque eu estava bem na beirada mesmo, sabe? E fui escorregando e procurando um lugar pra pegar, mas não achei e continuei escorregando e de repente já estava vendo a grama lá em baixo, e foi muito rápido mesmo, e dava para ver que eu ia me esborrachar na grama. A ruiva quase gritou. E eu já estava vendo toda minha vida passar diante dos olhos quando plafh! alguma coisa fez a queda parar. Parar bem no meio.

Fechei os olhos. Risadas, risadas e mais risadas. Era tudo que consegui ouvir.

- Oh Deus, oh! Me puxa de volta! Por favor!

Fiquei implorando, mas a ruiva só sabia de rir.

Comecei a balançar feito um pendulo humano.

Minha calça estava trancada em alguma parte da calha, a cabeça da ruiva aparecendo do lado do meu pé, ela segurou com as duas mãos a minha canela, mas não parou de rir.

Eu estava desesperado. Que vergonha de falar isso, mas eu estava. Ah, e como estava.

- Opa! – relaxei o pescoço e o que vi não foi nada bom. À minha frente estava uma das janelas da secretaria da Academia de Artes, e lá dentro conversando nervosamente com outras professoras estava minha mãe.

- Garota, me puxa logo! Me puxa logo! – implorei falando baixinho com a ruiva. Ela mordeu o lábio tentando parar de rir.

- Não consigo, você é gordo.

Olhei para dentro. Eu estava balançando de um lado para outro, de um lado para o outro. E minha mãe aparecia e desaparecia, aparecia e desaparecia. E eu implorava que aquilo terminasse logo, antes que meu café da manhã e almoço resolvessem me abandonar.

De repente as risadas da ruiva param. Olhei para baixo. Quero dizer, olhei para cima, mas como estava de cabeça para baixo era como olhar para baixo, entendem? Mas então, a ruiva não estava mais rindo. Ela estava com uma expressão assustada.

- Oh, meu pai.

- O que foi? – perguntei apreensivo e rezando para que minha mãe não decidisse dar um olhadela para o por do sol bem naquela hora.

- Vou cair, ai, vou cair – a ruiva ficou repetindo e vi que eu estava descendo e a ruiva escorregando, e metade do corpo dela já estava para fora do telhado e minha calça já havia rasgado e só o que me mantinha lá, feito um pendulo, eram as mãozinhas da ruiva.

- Não!

- Mas não da para aguentar! – murmurou a ruiva com os olhos aflitos mais os lábios sorrindo.

- Não me solte! Por favor, não solte!

- Não dá pra aguentar!

- Não!

E ela não soltou.

Ela caiu.

E eu também.

- Ai, doeu minha bunda – foi esse o jeitinho delicado da ruiva dizer que estava viva.

Lembro bem que a primeira coisa que percebi é que havíamos caído bem em cima de uma moita. A segunda foi que minha bunda não estava doendo, mas sim as costas. A terceira foi que eu e a ruiva estávamos completamente enrolados um no outro.

- Que barulho foi esse? – ouvi gritarem lá de dentro. Meu coração gelou.

Abriram a janela e o rosto da minha mãe saio para fora, confuso.

- Oi mãe.

- Ed – ela sussurrou espantada.

O rosto da ruiva saio sorridente do meio das folhas, alguns galhos esperados no cabelo.

- Ei – ela disse – seu filho é uma gracinha.

 

Minha mãe apertava o volante com tamanha força que os nós dos dedos ficavam brancos.

- Edmund, você estava com a Sam. A menina esta no seu primeiro dia de aula na Academia e você já a leva para os fundos da diretoria e, meu Deus, no meio de uma moita!

- Mãe! O que a senhora esta pensando? Já expliquei, nós caímos...

- Oh, Edmund, oh!

Quando ela diz “ Oh, Edmund, oh!” quer dizer mais ou menos “ Não dá para acreditar que meu filho se meta nessas coisas, e ainda mais inventar desculpas tão sem criatividade”. Mas nem fiquei tentando inventar desculpas, porque sabia que minha mãe estava meio tensa com o sequestro estranho da Sra. Marple.

Seguimos algum tempo em silêncio. Minha mãe já havia se queixado o suficiente, resolvi arriscar.

- Mãe?

Ela suspirou.

- O que foi, Ed?

- Bem... – olhei envergonhado para as mãos -  você disse que o nome dela era Sam?

- É, bem, seu nome é Samantha.

Alguns segundos de silêncio.

- E ela é nova na cidade?

- Sim, filho, ela se mudou semana passada para cá. Com o pai.

- E o que mais? – ela me lançou um olhar de esgueira, dava para ver um sorrisinho se insinuando na ponta dos lábios.

- Ela é minha aluna nas aulas de música. De canto também.

- O que ela toca? – tentei não parecer curioso demais. Não adiantou muito.

Minha mãe fez uma careta antes de responder.

- Bem, ela diz saber tocar apenas guitarra, mas o pai disse outra coisa. E cantar, digamos, não é seu forte.

Apertei os lábios evitando um sorriso. Era fácil imaginá-la no meio de um ensaio de coral cantarolando desafinada uma música do Green Day enquanto todos tentavam cantar Como é Grande Meu Amor Por Você.

 

Fiquei acordado um tempão antes de adormecer, olhando para o teto com um sorriso idiota e uma dúvida que não iam embora.

O que imaginava era aquele rosto magrelo, com uns lábios pequenininhos meio rosados e uns olhos verdes e meio assustadores por serem sínicos demais, densos demais. Tudo isso junto com aquele cabelo desarrumado laranja.

Era isso que estava vendo antes de pegar no sono. E era nisso que iria pensar antes de pegar no sono muitas noites ainda.

E tinha também a dúvida.

Apesar, o que diabos ela estava fazendo em cima do telhado?

 


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Notas finais do capítulo

E ai, merecemos reviews?