Capítulo 17: Sinais do Passado

Dias depois...

Lara dava voltas na cama. O sono não vinha e também não sentia a mínima vontade de adormecer. Quando Jack veio, finalmente dormiu nos braços deste, mas a meio da noite, uma angústia apertava o seu peito e acabou por se encolher na ponta da cama. Os seus começaram a pesar novamente e Lara só queria ter uma noite descansada.

Numa praia próxima do palácio, uma jovem entretinha-se lendo um livro e cantando baixinho, enquanto acariciava os cabelos do homem deitado no seu colo.

- Mayara? – O jovem homem ergueu-se e encarou esta. – Não pareces contente com o nosso casamento. – Disse com um assombro de tristeza nos olhos.

- Impressão tua. – Mayara acariciou o rosto deste sorrindo. Por dentro, estava sendo destruida de dia para dia. Sabia que algo ruim ia acontecer, mas não fazia a ideia do quê. O dom que os deuses lhe tinham dado era por vezes um autêntico pesadelo.

- Eu não vejo a hora... de te ter nos meus braços. – O seu noivo disse, deixando Mayara vermelha e ao mesmo tempo a tremer por dentro.

- É melhor irmos com calma. – Mayara baixou os olhos quando este afastou os seus longos cabelos para beijá-la.

- Longe de mim tentar algo contra a sua honra, princesa. – Este falou afastando-se, mas Mayara abraçou-o com força.

- Se algo me acontecer... promete que proteges a minha família. – Mayara pediu fechando os olhos.

- Porque dizes isso?

- Por favor, pelo nosso amor promete! – Mayara olhou este nos olhos.

- Com a minha própria vida. – Disse.

- Obrigado Darius. – Mayara sorriu beijando este em seguida.

Lara acordou com um grito sufocado na garganta. Aquilo que tinha sonhado, que tinha visto era demasiada informação para assimilar. Simplesmente não podia ser verdade.

- Mais um? – a pergunta de Jack fez Lara olhar para a figura hirta à sua frente. Jack desencostou-se da parede e sentou-se na beira da cama ao lado de Lara. – Esses sonhos já começam a chatear.

- Abraça-me. - Lara pediu mas não esperou Jack responder, abraçando-o o mais forte que pode. Só queria sentir o calor daquele pirata envolver o seu corpo.

- Love, tu estás a tremer. – Jack separou-se devagar e olhou Lara com ar assustado. – O que é que tu... viste? – Perguntou engolindo em seco.

Lara não respondeu. Nem poderia. Dizer o que viu a Jack era o mesmo que armar uma guerra dentro do navio.

- Eu preciso apanhar ar. – Lara levantou-se e saiu porta fora, apoiando-se no parapeito e fixando o negro das águas.

- Lara o melhor é falares. Faz sempre bem desabafar... – Jack apareceu por detrás de si, mas Lara travou-o.

- Jack, agora não. Eu só preciso que me deixem em paz. Por favor! – Lara suplicou e Jack calou-se, afastando-se.

Lara levou as mãos à cara. Só podia ter tido um sonho fictício. Era impossível que o Darius fosse... "Ai que raiva", pensou. O que é que Mayara lhe queria dizer?

- Discussão conjugal, Jack? – Barbossa desceu do timão com ar de gozo, mas levou com o olhar mortífero de Jack.

- Ela teve de novo aqueles sonhos esquisitos. – Jack disse com ar cansado. – Só me apetece entrar dentro deles e esganar essa tal Mayara. Não podia simplesmente deixar a Lara em paz?

- Se a esganasses estarias a matar a tua própria mulher. – Barbossa arregalou os olhos. – Afinal ela é a encarnação dessa tal princesa! – O capitão mais velho exclamou apontando para Lara.

Jack ficou olhando-a. Lara estava cada vez mais bela e de dia para dia o seu medo de perdê-la era maior. Não queria sequer lembrar o que se passou em Salania. Antes de a conhecer, Jack era apenas um pirata que amava o mar, o rum e o seu Pearl. Hoje continuava a amar essas três coisas, mas tinha conseguido os dois maiores tesouros da sua vida: Lara e Mary. E pela primeira vez na sua vida atribulada, daria a sua vida sem sequer pensar por aquelas duas pessoas.

- Eu vou pedir à Grace para lhe fazer um chã. – Barbossa saiu praguejando baixinho.

No dia seguinte...

Alicia alternava o olhar entre Mary e Lara. A curiosidade estava fazendo a sua garganta picar.

- Mary pára quieta! – Lara exclamou. – Assim não consigo fazer uma trança.

- Não quero. – Mary cruzou os braços fazendo o mesmo beicinho que Jack fazia quando amuava. – Gosto dele solto.

- E depois acabas com ele numa autêntica selva! – Lara exclamou de novo.

- Eu sou uma pirata. Piratas têm o cabelo grande. – Mary protestou.

Lara suspirou e olhou para Alicia. – Uma ajuda?

Alicia sorriu e numa fracção de segundos Mary soltou-se e correu para fora do quarto, não sem antes voltar para trás e botar a língua de fora.

- Essa garota está cada vez mais impossível. – Lara ergueu os braços.

- Filha de Jack Sparrow, minha cara. Quem te mandou escolher um pirata daqueles para marido? – Alicia riu enquanto seguia Lara para fora do quarto.

- Ah, o Jack caiu sem mais nem menos na minha vida. – Lara disse. – Foi quase aliciada!

- Pois. Aliciada. – Elizabeth aproximou-se fazendo uma careta. – Não quero nem saber o número de mulheres que o Jack seduziu por este mundo fora. E só tu é que te casaste com ele.

Lara botou a língua de fora para Elizabeth fazendo esta rir. – Também quem é que não fica com as pernas bambas só de ver o Jack! – Lara exclamou.

- Eu nunca fiquei assim a não ser com o Will. – Alicia limpou uma unha com o ar mais natural do mundo.

- Tu és um caso especial. – Lara observou.

- É verdade. O Will também não é de se deitar fora, mas só o Thomas é que me conquistou de corpo e alma. – Elizabeth disse, mirando este que se encontrava do outro lado do navio.

Alicia e Lara entreolharam-se, mas a última arregalou os olhos quando viu o sorriso maroto de Alicia. Sabia que esta ia perguntar algo que não devia.

- De certeza que foi só o Will e o Thomas que te puseram a suspirar? – Alicia perguntou, fazendo Lizzie encará-la.

- Alicia… - Lara tentou travar esta, mas sabia que de nada valia.

- Se está a falar do Jack, eu… - Elizabeth ia argumentar, mas Alicia travou-a.

- Eu estou a falar dele… - Alicia apontou o dedo na direcção de Norrington que estava concentrado num mapa há mais de uma hora.

- Sinceramente. – Elizabeth desencostou-se do parapeito e olhou brava para Alicia. – O James é como um irmão para mim.

- Tu às vezes és mesmo chata. – Lara disse, enquanto via Elizabeth se afastar.

- Eu apenas gosto de juntar o útil ao agradável. – Alicia explicou. – Só queria saber se ela alguma vez gostou dele. E por falar em querer saber… - Alicia mirou Lara. - … eu sei que algo se passou hoje à noite contigo. Deixas-te o Jack em pânico.

Lara sentiu algo quente aflorar à sua face. Quando tentava esquecer o assunto aí estava Alicia na sua maior especialidade: escavar passados.

- Não foi nada. – Lara baixou a cabeça e agarrou no colar que outrora Calipso lhe dera para sua protecção e da criança que carregava. – Eu senti-me mal. Acho que foi o balanço do mar.

Alicia colocou-se na sua frente, com ar sério e olhos semicerrados.

- Andas há 5 anos no mar. Tanto eu como tu já tivemos o enjoo de alto-mar. Que eu saiba, não estás grávida, por isso não havia motivo para enjoares. – Alicia aproximou-se mais de Lara. – Foram os sonhos, certo?

Lara susteve a respiração e encarou o horizonte. – Eu estou com fome. Vou ver se há algo na cozinha.

Lara deixou Alicia falando sozinha e desceu rapidamente as escadas até ao porão. Não queria falar sobre o que tinha sonhado. Um mar de hipóteses tinha assolado a sua mente durante o resto da noite e manhã seguinte. Tinha sonhado de novo com a vida de Mayara. Até aí nada de novo. Mas desta vez, esta encontrava-se acompanhada do noivo. Até aí também nada de estranho visto que esta se ia casar. O grande problema era o dito noivo. Lara viu bem a cara deste e era Darius chapado. Pior foi Mayara o ter chamado de Darius também.

As suposições que colocara pareciam-lhe extremamente ridículas. Mas só três encaixavam decentemente naquele imbróglio. Primeiro, o noivo de Mayara podia se chamar Darius e por causa desse factor Lara acabou sonhando com a aparência do Darius que conhecia. Segundo, este podia ser a reencarnação física do noivo desta e por isso podia ter associado o nome. A terceira hipótese era a mais louca: sonhar com Darius sem ter nada a ver com Mayara. Mas porque raio iria sonhar com ele?

Lara desceu até à cozinha e procurou uma maçã boa. Enquanto dava uma dentada e mastigava, tinha cada vez mais a suspeita que Darius poderia estar no mesmo barco que ela própria. Seria uma reencarnação como Lara e talvez não fizesse a mínima ideia desse facto.

Lembrou-se como se sentiu quando Éris lhe disse que era a reencarnação de uma princesa atlante. Primeiro o cepticismo, depois a estupefacção com o relato de Alicia e depois a verdade.

- Ai que nervos! – Lara levou as mãos à testa.

- Algum problema, senhora Lara? – A pergunta vinda sem saber de onde fez Lara levar um susto dos grandes. Darius estava parado à sua frente com uma cara de inocência que Lara prometeu para si, não dizer a ninguém sobre o que tinha sonhado.

- Ah… nada. Eu só vinha… pegar uma maçã. – Lara mostrou o fruto e sorriu amarelo.

- A sua expressão está estranha. – Darius comentou. – Como se algo perturba-se a sua paz interior.

Lara engoliu em seco. Se estivesse no futuro, Darius daria um excelente psicólogo e massagista. "Mas o que é que estás para aí a dizer?", a sua mente protestou, acordando-a.

- Sabe como é. Mulher pirata a bordo de um navio. Atrás de um tesouro e se expondo a mil perigos. E a juntar a tudo isso o facto de ser mãe não ajuda a uma posição relaxada aqui dentro.

- É, não deve ser fácil mesmo. – Darius sorriu timidamente e abaixou a cabeça. – E por falar em dever de mãe é melhor ir ter com o Jack. Algo se aproxima e pode não ser boa coisa.

- Como assim? – O semblante de Lara ficou ainda mais preocupado.

- Os capitães captaram um navio atrás de nós. Ainda não sabem se será um perigo, ou até algo valioso para nós.

- Aprenda uma coisa. – Lara riu enquanto se encaminhava para o tombadilho. – Tudo o que estiver atrás de nós normalmente é sinal de problema. O que veio fazer ao porão?

- Eu… vi quando você ficou brava com a senhora Alicia. – Darius disse. – Decidi ver se precisava de algo.

- Precisava sim. De sossego. – Lara disse, sentindo-se sem privacidade nenhuma.

- Desculpe se a incomodei. – Darius disse em tom arrependido e Lara desejou ter a boca cozida uns segundos antes.

- A culpa não foi sua. – Lara emendou. – Eu é que não ando muito bem.

Lara virou costas e subiu rapidamente. Os seus olhos captaram Jack e Barbossa, um de cada lado do navio, de binóculo apontado para a retaguarda do Pearl.

- Alguma pista sobre o navio? – Lara perguntou aproximando-se de Jack.

- Como é que sabes do navio, se nem sequer estavas aqui quando o avistamos? – Jack franziu o sobrolho.

- O Darius disse-me. – Lara esclareceu pegando no binóculo.

- Aquele… - Jack cerrou os punhos.

- Preferias que tivesse mentido? – Lara encarou este. – Não tenho segredos para ti, Jack.

- Claro que não, love. – Jack passou o braço pela sua cintura. – Mas ainda não disseste o que te fez entrar em pânico ontem à noite! – Exclamou sussurrando no ouvido da mulher.

- Não foi nada de mais. O mesmo de sempre. Mayara para cá, Mayara para acolá. – Lara suspirou. Sentia um nó ao ter de mentir para Jack, mas tinha de manter tudo em segredo até saber mais sobre Darius. E só uma pessoa poderia ajudá-la: Alicia. – O navio tem bandeira inglesa. – Disse passando o binóculo a Jack.

- Inglesa? – Jack arregalou os olhos.

- Raios! Como é que a Marinha nos descobriu aqui? – Barbossa berrou assustando a tripulação.

- É normal. Estamos em águas internacionais. – Thomas aproximou-se.

- Sim, mas desde Singapura que navegamos com mais cuidado, tentando evitar esses desgraçados. – Jack explicou.

- De certeza que eles estão surpresos como nós. – Alicia disse.

- Isso é verdade. Eles só nos seguiriam se soubessem a nossa rota. – Barbossa disse mas todos acabaram ficando hirtos quando um pensamento colectivo lhes passou pela mente. Os olhos desviaram-se para Elizabeth.

- Não olhem para mim como se tivesse culpa! – Exclamou possessa.

- Não és tu. – Jack disse. – Embora o suspeito tenha ligações contigo.

Elizabeth olhou para Thomas, mas no mesmo instante a ficha caiu. Num ápice colocou-se ao lado de James Norrington, arrastando toda a tripulação consigo.

- Passa-se alguma coisa? – James perguntou ao ver as caras bravas pregadas em si.

- Diz-me que não tens nada a ver com eles. – Lizzie apontou para o navio que os seguia.

- Eu… - James engoliu em seco, mas a sua antiga pose falou mais alto. – Foi eu sim. Lá em Singapura eu encontrei um conhecido meu, oficial da Real Marinha Britânica. Pedi-lhe para voltar a ingressar de novo.

- Então porque é que ainda aqui está? – Jack perguntou.

- Porque ele pediu-me uma prova de que ainda continuava leal ao meu país. – James disse com naturalidade.

- E você…? – Alicia perguntou já adivinhando a resposta.

- Entreguei a rota do Pearl para eles. É a única maneira de… - James não concluiu a frase porque Alicia voou para si só sendo travada por Lara e Thomas.

- Como é que foste capaz de o fazer… outra vez? – Elizabeth abanou a cabeça ainda não acreditando.

- Eu não sabia que tu vinhas connosco. Se eu soubesse… - James tentou se desculpar mas Elizabeth colocou uma mão no ar.

- Por mim? Se eu não estivesse aqui não o farias? James… há uma criança aqui. E eles acolheram-te! – Elizabeth exclamou.

- Exactamente. Eu salvei-o e você agradece assim. – Alicia resmungou.

- Pois vocês são piratas. E desculpe-me Elizabeth, mas também te tornaste uma. Perdoa-me se não o consigo ser. – James disse, virando costas e olhando o horizonte.

- FOI UM PIRATA QUE LHE SALVOU DA MORTE! – Alicia berrou, ignorando os pedidos de calma de Lara.

- Obrigado mas não lho pedi. – James evitava olhar para os presentes.

- É no que dar ter parasitas desses a bordo do navio. PREPAREM OS CANHÕES SUAS LESMAS! – Barbossa ordenou.

- E atirem esse cão para a prancha. – Jack disse fazendo Barbossa concordar.

- Jack, não podemos fazer isso! – Lara exclamou.

- Porque não? Ele é um traidor. Que se entenda com os tubarões! – Jack exclamou, escondendo a sua vontade em dar um tiro a Norrington.

- Ele pode não valer nada mas é um ser humano. – Lara defendeu.

- A Lara tem razão. Ser atirado à água não é castigo. O outro navio recolhe-o e aí fica são e salvo. – Grace disse.

- Muito bem. Amarrem-no ao mastro. De preferência lá em cima! – Alicia exclamou.

- Alicia, desde quando é que tratas as pessoas assim? – Lara perguntou indignada.

- Somos piratas não somos? – Alicia mostrou-se irritadíssima assustando a amiga.

- Parem com isso! – Elizabeth exclamou colocando as mãos na cara. – Se eles nos abordarem, lutaremos. No final, o James vai com eles quer percam ou ganhem. – Elizabeth disse olhando James com tristeza.

- Ela tem razão. Nas nossas mãos, o Norrington pode ser um trunfo. – Darius apoiou.

- Muito bem. Ele fica, mas vai directo para a cela. – Barbossa ordenou que Pintel e Raguetti levassem Norrington para o porão.

- Eu não queria isto, Elizabeth. – James disse com a cara mais nostálgica do mundo.

- Desculpa-me se não sou uma dama da corte. – Elizabeth virou costas e abraçou Thomas.

Continua…