Memórias de Verão escrita por akaisora


Capítulo 2
Capítulo 2 - Hiroyama e Kakeru.




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Durante bons tempos tive de aturar as mudanças de humor de Tora, tentava seguir as ordens que ele impunha, mas sempre ele voltava a trancar-me no mesmo quarto, deixando-me com medo. Pensei que com o tempo aqueles “castigos” não teriam mais efeitos em mim e que eu me acostumaria, eu fazia tudo para que Shinsei não se preocupasse, mas mesmo assim eu acabei desenvolvendo um pavor do escuro e de sangue. Pesadelos eram freqüentes, a vista de minha janela acabou se tornando minha maior aliada, eu a olhava quando desistia de rezar e tentava dormir, as coisas se complicavam e eu sabia que não iria mudar. Se Shinsei denunciasse Tora por me bater sem motivos e trancar-me por dias em um quarto escuro ele poderia muito bem acabar com a vida dela, se é que sobrava alguma coisa dela depois de tanta preocupação. Eu sabia que a saúde de minha mãe era frágil, eu não tinha saída senão permanecer quieta e esperar o tempo passar, perdi meu sono, eu havia ficado cada vez mais pálida por viver dia a dia com meus medos, minha saúde ficara fragilizada, eu não desejava mais que Tora mudasse, mas sim para que ele nos deixasse.
Já fazia uma semana que ele cismava de trancar-me em meu quarto, trazendo minhas refeições pela metade, chegara a um ponto em que eu estava mais pálida que um vampiro. Deitada em minha cama sabendo que ele não deixaria que eu visse Shinsei, provavelmente mentira para ela falando que eu estava bem. Sei também que ela nunca acreditaria nele, devia estar doente de tanto pensar em como me tirar dali. Mas infelizmente tinha medo que Tora enlouquecesse e nunca mais me libertasse. Foi quando disse para mim mesma que não havia mais o que fazer que tudo tinha de acabar. Deus, desde quando uma criança pensava assim? Desta forma tão triste? Olhando para o teto comecei a me questionar se em algum dia ele já tivera me amado de fato. Olhei para a janela, havia uma borboleta pousada, quis lembrar-me de quando eu andava pelo jardim. Fechei os olhos pensando se deus haveria me deixado. Ouvi a porta se abrir, pensei que era Tora, para verificar se eu tinha desmaiado. A luz do lado de fora era forte, vi que era um garoto de cabelos pretos, da minha altura. Acho que tinha uns 10 anos, a mesma idade que eu tinha. Passaram-se um ano, eu nem parara de pensar. Ele permaneceu a me encarar, talvez estivesse enojado pensando que eu era um doente terminal. Ele fechara a porta e andou lentamente até mim, pensei que era apenas uma alucinação. Quem mais entraria naquele quarto? Ele encarou-me com um sorriso extremamente verdadeiro, não parecia ser de pena ou de nojo.
- Olá, você é a Kawari Hinori?
Fiz que sim com a cabeça, ainda o encarando com meus olhos cansados. Ele segurou minha mão como se fosse um aperto de mão entre amigos.
- Meu nome é Kakeru Yasetsu.
- O que faz aqui...? – perguntei, me sentando.
- Meu tio, Hiroyama me trouxe para visitar Tora, mas está chato ouvir a conversa deles. – sorria.
- Não, não... Você não pode ficar aqui, meu pai não deixa ninguém entrar aqui. – alertei.
Ele riu sentando-se ao meu lado.
- Meu tio fala que algumas regras devem ser quebradas. – encarava-me com um leve sorriso, olhava para trás, era Tora. Encarava Kakeru com estranhesa.
- Kakeru, o que faz aqui?
- Tio Tora, a conversa de vocês estava chata, vim conhecer a Kawari. – falava me assustei ao ver como ele era direto, parecia não ter nenhum temor direcionado ao meu pai.
-Vejo que estava ansioso para conhecê-la, não é?
Kakeru o encarava como se ele fosse nada, vi apenas Shinsei e Hiroyama chegarem á porta.
- Meu deus Kawari! Como está pálida! – Hiroyama ia até mim, colocando a mão em minha testa, Shinsei lançava um olhar raivoso para cima de Tora. Ele apenas os olhou, arrumou o casaco e ia para seu quarto. Eu observava Hiroyama verificar se eu tinha febre, Shinsei sentada ao meu lado e Kakeru assobiando em forma de música.
- Shinsei, quantos dias ela está aqui?
- Não posso fazer nada, você já deve saber o meu medo. – ela olhava-me com um sentimento de culpa que a corroia.
- Tio, por que não cuida da Kawari? Afinal, está se formando em medicina.
- Kakeru... Está preocupado com o estado de saúde de Kawari?
O pequeno garoto apenas sorriu.
- Obrigada, Kakeru. – Shinsei falava.
- Pode cuidar dela, Hiro. Não é bom que a mídia saiba que ela está neste estado. – Tora falava, Hiroyama andava até ele, o encarando.
- Me dê à chave do quarto. Agora.
- Não confia em mim? – ria sarcasticamente, entregava a chave para Hiroyama que se mostrava extremamente sério, os dois saíam do quarto. Shinsei continuava ao meu lado, observando os dois irem.
- tia Shinsei. Pode ir conversar com o Hiro e o tio Tora, eu fico aqui com a Kawari.
Shinsei ficara surpresa com a maturidade de Kakeru, ele de fato havia percebido a realidade da família Hinori e sabia que ela queria mudar aquela situação de vez. Ela passou a mão em seus cabelos e saiu do quarto atrás de Tora e Hiro. Olhei para a porta, pensei se a vida a partir daquele momento mudaria ou se voltaria a ser o inferno que era antes. Kakeru olhou-me novamente, sentou ao meu lado. Não como Tora fazia com jeito superior e arrogante. Mas sim, de um jeito cauteloso, colocara a mão em minha cabeça.
- Não se preocupe, não sei o que acontece aqui. Mas não vai se repetir, pelo menos enquanto eu e o Hiro estivermos aqui.
-Não consigo entender o que meu pai pensa, parece que nem somos a família dele... Será que o problema sou eu? – começava a questionar a mim mesma.
- Não pense assim, nunca pense que você é o problema.
- então, por quê?
- O único que tem de se explicar aqui é o Tora, não você.
Eu o encarei com um nó na garganta.
- Eu não sou perfeita para ele gostar de mim...? O que eu tenho que fazer?
- Nada. Os defeitos fazem parte da perfeição de cada um, não tem que mudar para agradar ninguém. Principalmente quando essa pessoa a fere.
Pela primeira vez, me senti compreendida e acolhida completamente. Não pude conter as lágrimas, abracei Kakeru fortemente fechando os olhos.
- O que eu faço agora?
- Você já deve ter feito bastante coisa, agora você pode fazer o que quiser. Se quiser chorar, gritar...
- Por que está me ajudando...?
Ele riu, bagunçando meu cabelo.
- O Hiro uma vez me disse: “se em algum dia sentir que deve fazer algo, o faça. Não importa. Se sente que é seu dever, que assim seja”. Por isso, vou te ajudar. Por que acho certo, como o tio Hiro disse.
Assim, de uma forma tão simples Kakeru tornou-se o meu escudo e meu melhor e único amigo. Sempre me visitava para verificar se eu estava bem, não tinha medo de Tora. Mesmo que ele não visse que as poucas palavras que ele já me dissera eram como uma ponte de esperança que se erguiam sobre meus pés, eu nunca esqueceria sua amizade e de sua proteção. Eu o via como um anjo que me puxou de um abismo que haviam me empurrado, tratou de minhas feridas e, com isso, me fez ficar cada vez mais forte. Eu sabia que uma hora ou outra eu enfrentaria Tora, eu tinha de fazer isso. Como Kakeru me dissera: “se em algum dia sentir que deve fazer algo, o faça”. Eu sabia que se eu estivesse forte, sem medo. Meu pai logo atacaria Shinsei e isso eu não poderia deixar, eu tinha de ficar forte.
- Kawa! – Kakeru chamava-me do outro lado da janela, eu corri, abrindo a janela.
- Kakeru, matando aula de novo?
Ele deu o mesmo sorriso de sempre, já tínhamos 11 anos e Tora não ligava mais para as recentes visitas de Kakeru e recentemente minha mãe estava mais aliviada sabendo que, pelo menos com o meu “anjo da guarda” eu estava fora de perigo.
Ele entrava em meu quarto pela janela, sentando-se na cama.
- E Tora? Tem te trancado?
-Não, parece que ele anda ocupado demais para pensar na família.
- E a Shinsei?
- Ela está bem, parece que está mais calma... – sentei ao lado dele.
Ele olhou a vista da janela.
- Bem que o Tora poderia sumir.
- Também acho, mas é impossível. Não é?
- Quem vê nem acredita que ele é essa pessoa agressiva... Acredita que ele brigou feio com o Hiroyama?
- Por quê?
- Não sei, não consegui ouvir a conversa. Só sei que é sobre algo bem sério...
Continuamos conversando até ver a porta do quarto se abrir, Tora nos encarava com uma expressão estranha. Kakeru colocou o braço na minha frente para que eu não fizesse nada.
- Entrou pela janela de novo?
- Se fosse pela porta, não me deixaria entrar.
Tora o encarava começando a se irritar.
- Pára Kakeru... – pedi.
- Acha que pode chegar entrando pelas janelas como se morasse aqui? Isso é invasão de domicílio.
Olhei os dois, segurei no braço de kakeru fazendo um sinal negativo com a cabeça.
- Vai ligar para a polícia?
- Quem sabe, não é moleque?
- Pensei que criminosos não ligassem para a polícia.
- Kakeru, já chega! – implorei.
Tora andava até ele, levantei ficando na frente de Kakeru.
- Não. Ele não.
- Ele é importante, não é? Tirou-te deste quarto, é lógico que o deixaria entrar até pelo telhado.
- Tenha certeza que confio nele muito mais do que em você. – falei, o encarando.
Tora levantou a mão.
- Se a bater eu ligo para a polícia. Lembre-se que bater em menores é crime. – Kakeru falava o encarando fixamente.
- Pode até ser, mas não se esqueça que seu tiozinho nunca vai estar á todo lugar te protegendo. – dava as costas saindo do quarto.
- Kawari, você tem que ir á polícia.
Eu abracei Kakeru
- Não posso, ele atacaria minha mãe, eu não sei o que eu faria sem ela!
- Mas, vai continuar assim?!
- Olhe, fique um tempo sem vir aqui, foi ameaçado... Não posso deixar que ele acabe com você como quase fez comigo!
Kakeru abraçava-me forte.
- Não vai acontecer nada comigo, Kawari. Nada, entendeu?
- Não posso deixar, você e a Shinsei são as únicas pessoas que tenho.
- A frase do Tio Hiroyama, lembra? “se em algum dia sentir que deve fazer algo, o faça. Não importa. Se sente que é seu dever, que assim seja”. Eu sei que é meu dever te proteger, pelo menos até não precisar mais.
- E se eu te decepcionar?
- Você nunca será uma decepção, nunca foi. Basta que você seja você mesma, só assim encontrará as respostas que tanto procura.
- A única pergunta que tenho em mente agora é “como posso achar a paz?”.
Kakeru afastou-se me encarando.
- Você já tem a resposta.
- Qual é a resposta então?
- A paz é parte de você, quando você aprender a confiar em si mesma, verá que a paz está em você.
Eu sorri levemente.
- E qual é a sua pergunta?
- “Em que parte da jornada poderá encontrar a paz?”.
Assim eu percebi que era realmente dependente de Shinsei e Kakeru. Não poderia viver sem ver o rosto deles, saber de minhas perguntas não me dava todas as respostas. Só achava mais perguntas do que antes. Como posso achar a paz que está em mim se sinto que é meu dever tirar Shinsei das mãos cruéis de Tora? De certa forma em nossa vida o que importa é a jornada, por que depois que atingimos nossos objetivos, o que faremos? Esperar outro objetivo ou apenas recordar o conjunto de bons e maus momentos que acumulamos em nossa jornada? Cheguei a pensar que só o objetivo era o que importava, eu queria paz. Mas eu estava enganando a mim mesma, o que eu queria era salvar as pessoas que me importavam. E depois de alcançar meus objetivos? O que eu faria? Encontrar a paz me bastaria? Se a pergunta de Kakeru era sobre minha jornada, de quando em minha jornada eu poderia achar a minha paz... Então eu faço parte da jornada dele e ele faz da minha, por que em algum dia conseguirei agradecer a tudo que ele havia feito. Minha jornada não teria sentido se ele não alcançasse os objetivos dele. Eu torcia por ele, não me importava quanto tempo ele demoraria a alcançá-los, eu prometi a mim mesma que estaria ali, esperando para que ele chegasse á sua vitória.
Acordei ainda pensando em tudo que Kakeru havia dito tudo era realmente muito filosófico. Acordei com uma sensação ruim, que algo aconteceria de ruim. Acordei e fui até a cozinha, meu pai estava lá, lendo seu jornal com o maior bom humor que eu já havia visto. Encarei vendo que eu estava parada na frente dele, eu sabia que ele tinha feito algo. Dei uma volta por ele, estava bem vestido como se tivesse um compromisso importante, voltei a ficar na frente dele.
- O que você fez Tora?
- Nada, já vem me culpando? – ria, lendo o jornal.
- Você não estaria com esse bom humor por nada, fale de uma vez o que fez.
- Não posso estar feliz, filha? – ria de modo sarcástico.
Eu peguei a xícara de café dele e joguei na cara dele.
- O que fez com Kakeru? Sei que estava com raiva por que ele não tem medo de você.
Ele levantou rapidamente, com raiva.
- Kakeru é um vírus que se apossou desta casa!
- Não adianta levantar e gritar. Não tenho medo de você!
Ele ria.
- Não?
- Fale logo!
-Tudo bem. Pena que ele seja a única pessoa importante pra você, não é? Nem tem um laço de sangue... – falava com um sorriso.
Fiquei paralisada.
- O que fez com a minha mãe?!
- Parece que ela realmente estava preocupada com você durante os castigos que lhe apliquei. Tão preocupada que foi pro hospital, úlcera gástrica.
Corri até a porta até ouvir Tora me chamar.
- Vai ter uma surpresa quando voltar, querida filha.
Saí não dando ouvidos, corri até o hospital sem hesitar. Shinsei estava realmente internada por causa de uma úlcera gástrica, fiquei lá pela tarde. Ela estava descansando, eu achava até melhor que ela ficasse ali, bem longe de Tora. Ao anoitecer, recebi um bilhete do médico, dizendo que meu pai havia entregado. Era um bilhete de Kakeru.

“ Kawari,
Não sei como dizer, mas você não me verá nunca mais. Estou indo embora com Hiroyama, ele fizera um trato com Tora de que se fossemos embora ele também iria as deixando em paz. Não fique brava, sabe como é importante pra mim que você e a tia Shinsei fiquem bem e isso só é possível longe de Tora. Você sabe disso. Não quero vê-la machucada, é melhor assim. Eu tive que fazer isso, para encontrar a paz é necessário sacrifício. Desculpe, não vou cumprir minha promessa de sempre protegê-la, mas lembre-se que sempre estarei com você. Achei que era a coisa certa, só assim eu poderia achar a resposta para minha pergunta. A paz de minha jornada depende da sua felicidade, mesmo com sacrifícios, eu só posso continuar se você prometer encontrar sua paz.
Desculpe,
Kakeru”

Ao ler senti como se eu tivesse voltado ao abismo, senti como se tivesse sido abandonada. Ele era Kakeru Yasetsu. Meu amigo, meu protetor e a pessoa que teve de fazer sacrifícios para a minha felicidade. Lembro de ter dormido no quarto de hospital e de ter chorado como nunca havia, como se meu mundo tivesse perdido as cores e como se eu fosse um pássaro que cortaram as asas. Como poderia continuar minha jornada se era ele que me sustentava? Foi quando olhei para a minha mãe, deitada naquela cama de um quarto de hospital. Não poderia ser egoísta pensando que eu sou a pessoa que mais sofre sendo que ela precisa de mim assim como eu precisei de Kakeru, a força que ele me deu não teria de ser em vão, as palavras dele não poderiam ser só mais palavras, eu não podia mais andar para trás de forma hesitante, se eu a tivesse eu encontraria a minha própria força. E isso eu sei, era o meu objetivo. Sobreviver, viver e reencontrar Kakeru para agradecê-lo por ter me protegido até ali e de se sacrificar para salvar a minha mãe e á mim. Agora eu sabia o resto da frase de Hiroyama:


“se em algum dia sentir que deve fazer algo, o faça. Não importa. Se sente que é seu dever, que assim seja. Mesmo que eu machuque, que valha a pena os sorrisos e as palavras. Elas te darão a força para salvar a pessoa que quer proteger. Não se preocupe muito com os objetivos. Seu dever é fazer o que acha certo, mesmo que sofra com isso. No final, o que importa não é vencer e conseguir atingir o objetivo de sua jornada... Por que quando estiver no fim de sua jornada, verá que o que importa é a própria jornada. Por que você fez o que é certo e tenho certeza, você será recompensado com a maior das felicidades por causa disso”

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Notas finais do capítulo

A história também está no meu blog: http://natsunoomoidedesukoto.blogspot.com

Boa leitura!



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