Sofia já havia se acostumado a me ver, e um dia estávamos a sós como de costume no quarto dela, seus pais tentavam preencher o vazio da ausência deles com presentes, por tanto Sofia tinha inúmeras bonecas, seu quarto mais parecia uma loja de brinquedos que no meio se perdia uma cama.

- Miguelito – ela fazia um bico como se fosse uma francesa.

- Oi francesa do Paraguai – ri me virando de costas da sacada de seu quarto

-  Você bem que podia... – ela olhou para o canto.

- Não, eu não. – levantei as mãos como se quisesse demonstrar distancia.

- AAAAAAAH. Porque não ? Estou cansada de brincar só com elas, elas querem um Tio – ela fez aquele olhos graúdos brilharem.

- Mas eu sou um anjo, não uma anja... E são meninas que brincam de bonecas Sofia. – sentei perto da mesinha de chá que Sofia estava junto com suas bonecas.

- Que coisa mais feia e preconceituosa de se falar Miguelito. – ela segurou o riso.

- Ta bom vai, mas só vai dessa vez ok ? Como é que se brinca com as bonecas ? – serrei os olhos.

UHUL - Sofia deu um grito agudo, que chamou a atenção de dona Rosário.

- Que ta acontecendo aqui menina? Machucou-se? – Dona Rosário entrou no quarto correndo o máximo que seus pés cansados conseguiam. Ela não conseguia me ver, na verdade ninguém me via a não ser Sofia.

- Não Vovó, eu to bem – ela trancou a boca – prometo não gritar mais – ela passou o zíper na boca, trancou com chave e a jogou fora. Eu segurei o riso, aquelas cenas eram tão engraçadas.

- Eu einh, você quando pequena era mais normal – Dona Rosário chegou perto de Sofia e deu um cascudinho na sua cabeça, não com força, coisa de Avó mesmo... Afinal era isso que Dona Rosário era pra Sofia.

Quando ela saiu do quarto, Sofia tão pequena colocou as mãos na cintura e fez menção de braveza .

- A senhor Miguelito, Seu Gabriel saberá ! – Logo caiu no riso.

- Não se eu te esconder primeiro – e então eu corri em direção a Sofia, que correu pelo quarto, rindo, feliz como há muito tempo não se sentia. Eu também estava feliz como nunca me senti.

Abraçando-a eu olhei em seus olhos e disse

- Olha você não pode contar pra ninguém que um anjo brincou de boneca, ainda mais o anjo sendo eu. Miguel, o mais durão do céu. – ergui uma sobrancelha.

- Não vai dá. – ela fitou o chão.

- Por que não ? – estatelei os olhos.

- Já contei via telepatia para todos os anjos da guarda. – ela se solto do meu abraço e correu para a varanda, sentando-se no chão.

- SUA SAPECA – corri para a varanda também, me sentia uma criança ao lado de Sofia, era incrível como ela crescia, e eu crescia com ela. A conheci com 6, me mostrei com 8, brinquei de boneca com 9... Ela compartilhava tudo comigo, cada fase de sua vida. Sentei-me ao lado dela na varanda, enquanto o céu ainda azul claro deixava o sol iluminar a cidade.

- No céu também faz sol ? – ela perguntou enquanto olhava pra cima.

- Claro que faz, todos os dias. – sorri para o horizonte.

- Você não sente falta de lá ?

- Falta de onde Sofi ? – a encarei sem entender.

- Falta de ficar no céu com a sua família, você fica sempre aqui comigo, devia ter um dia de folga de mim – ela abaixou o rostinho que agora estava triste.

- Você é minha família Sofizinha – a empurrei de leve com o tronco. – e além do mais, quando eu sinto saudade dos outros anjos, eu penso neles, e sei que eles estão pensando em mim também, ai assim, matamos nossa saudade.

- Entendi... Você acha que meus pais fazem isso também ? – ela me olhou, e eu vi uma ponta de esperança no olhar.

- Claro, eles sempre fazem isso... – Ela encostou a cabeça no meu ombro, e dormiu um pouco sobre a luz do sol.

- Dorme Sofia, minha linda Sofia, que amanhã vamos fazer algo de diferente e divertido, vou te dar um presente. – Sorri comigo mesmo, enquanto velava o sono e os sonhos da minha pobre garotinha.