Eu fitava o vazio inquietamente enquanto os ponteiros passeavam pelo eixo do relógio vagarosamente. Seria algo difícil demais de se cumprir, eu estava certa disso.

Levantei-me sem vontade alguma da cadeira de ferro enferrujada abandonada no canto direito da sala cinza e respirei fundo ao passar pela porta.

Dois pares olhos fitavam-me apreensivos, eu sabia que aquilo não era certo, mas tinha de fazer de qualquer modo. Não poderia dar pra trás agora...

Sentei-me numa cadeira pouco menos enferrujada que a anterior e olhei intensamente para os pares de olhos negros e terrivelmente intimidantes que não deixavam escapar sequer meu ato de respirar.

-Eu vim me entregar... –disse enfim com um nó em meio a minha garganta. Seria idiota demais entregar-se por algo que não fez pelo amor de sua vida? Eu acho que não. –Eu... Eu matei o Joe. –disse com dificuldade, minha voz falhava a cada silaba, mas tinha que continuar com o show, senão perceberiam que eu mentia.

Eu sentia como minhas mãos tremiam e eu começava a suar frio, isto era inevitável quando ficava nervosa demais e não tinha idéia do que fazer para que isso parasse de vez. Acabaria com a minha farsa!

Rudes e gigantescas mãos enlaçaram as minhas para logo prendê-las com frias algemas e empurrar-me de um modo nada gentil para aquele que seria meu lugar por um bom tempo.

Respirei fundo quando minha pele tocou o chão frio e imundo daquela cela e via as sombras das barras frias de metal em meu corpo que me impediam de ser livre como deveria. Tive vontade de chorar naquele mesmo instante, mas eu estava fazendo uma coisa boa, não estava?

Agora eu não sabia de mais nada, no mesmo instante em que eu tinha vontade de gritar aos policiais de que tudo aquilo tinha sido uma mentira estúpida para salvar meu namorado delinqüente que não mede seus atos, o coração batia mais forte, e me sentia uma pessoa extremamente estúpida e egoísta por ao menos cogitar a idéia de entregá-lo.

Porque tudo tem de ser sempre assim, tão complicado?

Ah, se Max tivesse ao menos por uma vez pensado no que fazia, se ele tivesse ao menos medido os pros e os contras de cada passo que dava até chegar ao baú da cabeceira de sua cama e agarrar aquela maldita calibre 38 que pertencera a seu ausente pai.

Se... Porque estou fazendo suposições agora que tudo já está feito? Como dizem, não adianta chorar pelo leite derramado... Não é? Mas nunca disseram o quão difícil seria ignorar os fatos ocorridos e dar de cara com o que nos espera de verdade.

Passei semanas presa naquele lugar imundo. Meus pais não conversavam mais comigo, meu irmão e amigos me odiavam por tal ato, que não tinham sequer idéia de que eu não havia cometido. E dá pra acreditar que, em momento algum aquele ser pelo qual eu sacrifiquei minha liberdade veio ver como eu estava?

Pois então, assim foi.

Passaram-se algumas semanas mais. Já fazia mais de um mês que eu estava vivendo presa naquele lugar maldito sem poder ao menos olhar um pouco para o céu e me queixar do sol que está quente demais e esta me deixando vermelha.

Quem diria que eu sentiria falta de ficar vermelha pelo sol?

Uma grossa lagrima desceu pelos meus olhos e morreu em meus lábios, pude sentir seu gosto salgado vagarosamente.

Respirei fundo e olhei para a parede, era a única coisa que tinha para fazer por aqui. Eu não podia sair, não podia conversar, não podia fazer absolutamente nada, apenas... Olhar para a parede.

Eu comecei a sentir um ódio tão grande de mim mesma para ter feito aquilo! Se não tivesse me entregado no lugar de Max eu poderia estar livre agora e fazer o que eu quisesse.

Porque quando nos apaixonamos ficamos tão idiotas?

Eu perdi a minha vida por um amor... Um amor que, pelo que pude notar, não era correspondido, porque senão... Que outro motivo teria para que ele não tivesse vindo momento algum me ver?

Só podia significar algo: Ele não me amava.

Meu coração doía quando pensava nisto, mas eu tinha que aceitar a realidade. Sonhar com que Max era um príncipe e que a qualquer momento ele chegaria num cavalo branco e uma lança para acabar com aqueles policiais e me salvar para fugirmos juntos seria viajar demais.

E lá estava eu, chorando mais uma vez, até que fui obrigada a cessar meu choro quando um dos policiais entrou com aquela mesma feição carrancuda e assustadora com um envelope em mãos. Ele não disse nada, apenas estendeu-o a mim, e eu peguei sem dizer nada também, e, quando o abri, não acreditei no que lia...

Querida Julie,

Você sempre foi a pessoa mais maravilhosa que eu já conhecera em toda minha curta vida, pena que não percebi isto antes... Sei que nesse instante você me odeia, e eu não esperava menos que isso depois de meu desaparecimento. Não me leve a mal... Você era boa demais para mim, e eu estava acabando com você! Eu tinha de te deixar livre para que você vivesse como deveria ser, e não como está agora. O fato de você ter se entregado em meu lugar foi um ato tão... Tão maravilhoso e idiota! E eu me sinto tão culpado por te meter nessa confusão! Você não merecia! E então, eu decidi que não quero mais te ver sofrer... Eu te quero feliz, sorrindo, vivendo sua vida e esquecendo-se completamente de mim, entendeu? Eu já me entreguei a policia, expliquei-lhes tudo e logo, logo você estará livre. Não tente me procurar, não ouse perguntar aos policiais para onde eu estou indo, eu não quero mais saber de você perto de mim... Eu não sou, e jamais conseguirei ser bom o suficiente para você.

Ainda que eu acredite que isso não valha de nada e que você irá me mandar para o inferno por te fazer sofrer tanto... Eu te amo.

Max.

Eu chorei descontroladamente no momento em que li a ultima palavra. Eu queria odiá-lo, mas não conseguia de jeito algum.

Eu o amava com todas as minhas forças... E ele me amava também. Isto poderia servir de consolo por algum tempo, ou isto eu espero. Não irei procurá-lo, respeitarei sua posição, só não posso prometer que o esquecerei e que serei feliz assim, pois continuarei a amá-lo.