Águia escrita por Ryoko_chan


Capítulo 1
Parte 1




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A Lua era apenas um fino feixe de luz naquela madrugada. Era tarde, e por isso ela já ameaçava ir embora, sem se importar com o arfar desesperado da bela Fianna que se encontrava deitada aos pés de uma arvore como corpo desnudo em contato com a terra, a pele envolta apenas pelo gelado ar do relento. Apesar do frio, sua face encontrava-se banhada e suor.

Mordia os lábios com absurda força, tentando conter um grito que por meses quis sair. Nove meses. Tentava continuar a respirar, tentava manter-se viva, enfiando as unhas na terra. O cheiro do sangue que lhe escorria pelas coxas se espalhava pela floresta, tão intenso que dava medo.

-Eu vou morrer... –A mulher falava febrilmente, apertando com o máximo de força a mão daquele que a acompanhava na solidão daquela floresta remota. O mesmo que lhe acompanhou na solidão do período de gestação.

O homem que a ajudava, um velho de cabelos grisalhos e barba comprida, sorriu bondosamente e falou com serenidade, ignorando o cheiro de sangue que estava prestes a sufocá-lo de tão intenso.

-Calma, minha querida, que esse menino já vai nascer... Você sabe, Beatrice, que os maiores guerreiros só nascem na presença de Luna, e esse com certeza vai sair antes que Ela se esconda...

Ela sorriu, apesar da dor, apesar da vontade de contrair suas feições em um grito horrível. Não podia gritar... Não queria chamar atenção, assim como não queria espantar todos os espíritos da floresta que se reuniam para testemunhar aquele nascimento.

-Ele vai ser um Theurge, assim como você, Leonel... –Falou com dificuldade, mostrando certo orgulho. –Quero que seja um grande Theurge, um encantador de espíritos como você...

-Ele será melhor que eu, querida... Agora respire e faça força, que ele já vai nascer.

Ela obedeceu. Fez força, respirou, e fez força novamente. Conteve mais um grito, e fez mais força. E então se entregou:

-Eu não vou conseguir, Leonel...  –Ela falou por fim em tom de desespero, deixando que as lágrimas se unissem ao seu suor na missão de molhar as rubras maçãs de sua face bonita. –Cuida do meu menino, Leonel! –A dor era demais, demais. Ela não conseguiria. Não tinha como.

-Deixa de besteira, mulher! Tu vai ter que cuidar desse menino por uns bons anos ainda! –O velho começou a desesperar também. Sentiu medo. Sabia que Beatrice era uma mulher forte, sabia que ela não era de fazer drama. Já se provara muitas vezes superior a muitos homens em batalha. Aguentara aquela maldita gestação toda sozinha, aguentara aquele trabalho de parto sem soltar um grito sequer. Aguentara o desprezo e o abandono.

Se ela dizia agora que não ia aguentar, era realmente algo para se preocupar.

-Cuida dele, Leonel... Não deixa que o pai dele saiba... Não deixa ninguém machucar o meu menino! –Ela implorava em seu choro desesperado, sua voz estava a cada segundo mais fraca, e a sua respiração ainda mais afoita. –Não quero que ele sofra, Leonel!

-Ele vai sofrer, Beatrice. Nós sabemos que ele vai sofrer, de uma maneira ou de outra... –Ele disse tristemente, pegando a mão dela entre as dele. –Mas ele vai ser um grande Garou, assim como a mãe. Isso eu te garanto.

Mais uma vez ela sorriu, e com os olhos ainda mais nublados em lágrimas do que antes, ela se despediu.

-Obrigada, meu amigo.

-Que teu espírito adentre Gaia, minha amiga.

E então ela gritou o grito mais desesperado que aquela floresta já escutara. O cheiro de sangue se fortaleceu, e em ultimo esforço parar tirar seu filho de dentro de si, Beatrice se foi sem conseguir.

E então ele uivou o uivo mais lúgubre que um Garou podia uivar. Um uivo que ecoou longe, levando compaixão até os mais remotos cantos daquela floresta.

Os espíritos tremeram, mas não se afastaram. Eles se apiedaram daquela mulher, aquela mulher que sofreu tanto para poder ter aquela criança impura. Ante tão grandioso sacrifício , eles se apiedaram e choraram. O vento corria em desespero, formando um assovio profundo e triste, e as árvores deixavam as gotas de orvalho caírem de suas folhas como se fossem lagrimas de pesar.

Diante daquilo, Luna pareceu reconhecer valor em seu novo vidente, e por isso recusou-se a desaparecer e dar lugar ao Sol. Gaia, da mesma maneira, viu em seu impuro rebento um valoroso guerreiro, e por isso, unindo-se a Luna, concedeu-lhe um presente.

Da junção da força de Gaia com a luz de Luna, uma sagrada adaga de prata surgiu, e através das silenciosas e poderosas asas de uma Água, foi entregue ao velho Filho de Gaia que se desesperava sem saber ao certo que fazer para tirar a criança do corpo já morto de Beatrice.

A Grande Águia deu um pio solene, e deixou aquela adaga aos cuidados de Leonel.

Ele pegou a arma com cuidado e respeito, compreendendo através dos olhos serenos daquela ave, o que deveria fazer. Ajoelhou-se diante de Betrice, os joelhos batendo contra a terra, e as mãos erguidas ao céus, deixando que a fraca luz da lua crescente banhasse aquela sagrada adaga. Gritou:

-Oh Gaia! Tu que és mãe, assim como essa Garou, guia minhas mãos para que eu faça o que for certo, e a vida se mostre esplendorosa ante tua fertilidade! E Luna! Tu que és irmã, ilumina meu coração para que eu possa amar a criança que tirou de mim aquela que eu considerava como parte de meu sangue!

E tendo feito seus pedidos, a adaga rompeu a pele e cortou o cordão umbilical, e a enorme criatura abandonou enfim o ventre de sua corajosa mãe. Não chorava, como um bebê faria - afinal, não era um bebê, mas sim um monstro. Uma abominação repleta de pêlos escuros e garras afiadas, e totalmente banhada em sangue. Grunhia como uma besta raivosa, assustando e afastando os outros animais ao redor ao redor.

Leonel pegou com cuidado aquele ser no colo, abraçando-o como Beatrice faria. Olhou-o com atenção, procurando pelo defeito que haveria de marcá-lo pelo resto da vida como o fruto de um pecado.

Logo notou, o Impuro era cego.

-Oh... Tua vida será difícil, minha criança... –Comentou melancolicamente, mas com um sorriso no rosto, enquanto acariciava a horrenda criatura.

Ergueu o pequeno crinos o máximo que pôde, sem se importar com o aterrorizante choro dele. Exibiu-o à Lua, e em seguida o deitou sobre a Terra. Mais uma vez ajoelhado, clamou pelos espíritos e convocou uma assembléia.

-Grandes espíritos da Noite, e grandes espíritos da Luz! Espíritos da Floresta e da Terra, e Lunos que percorrem o céu! Venham todos a mim a observem, você que partilharam de meu sofrimento em perder minha irmã, partilhem agora de minha alegria, pois neste momento eu batizo este Garou como um legítimo Filho de Gaia, sob o nome da grande Águia que lhe concedeu as dádivas da Mãe Terra e da Irmã Lua! Sob a patronagem do Grande Pai Mulo, e todos vocês, peço que olhos cegos dessa criança consigam sempre enxergar além, e que vejam o que nenhum mais é capaz de ver! E que Águia tenha como padrinho o vento para guiá-lo, e como madrinhas as árvores, para protegê-lo. Que ele cresça sempre cercados pelos espíritos bondosos, e que deles seja o eterno guardião. Que seja sempre justo e verdadeiro, que preze pela paz, e que jamais deixe a ira consumir seu coração. Pelo bem de nossa Mãe, e pela alma de Beatice! Que assim seja!

E assim foi, durante algum tempo...

 

 


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Notas finais do capítulo

Notas:
Nascimento do Águia... Devo escrever em breve sobre a infância e adolescência dele, mas deve demorar...
Espero que gostem =D