Queridos pais,

Sim, estou mandando uma cópia para cada um de vocês, e sim, é datilografada, não vou deixar minhas mãozinhas com calos, por suas causas.

Estou escrevendo minha ultima carta, isso mesmo, vocês não lêem nenhuma mesmo, e claro, vou ser super legal com esta daqui. Cansei de ser a bonequinha perfeita, aquela para quem vocês só ligam quando precisam, sim, aquela sonsa que vai com o rabinho entre as pernas atender vocês.

Aquela mesma sonsa que viu vocês há sete anos, sim, eu mesma. Prazer, eu sou uma panaca, filha de dois panacas maiores.

Ah, desculpe mamãe, mas eu realmente não estou nem ai para sua opinião, desculpe, não sou tão perfeita. Você não estava aqui do meu lado para que eu fosse do bem.

Não que eu seja má. Sabe, às vezes, eu realmente adoro estar em internato, tenho os melhores amigos do mundo aqui.

Mas, sabe, é tão bom saber que vocês não lêem minhas cartas. Sim, ai eu posso dizer tudo o que eu quero, sem magoar vocês, é, eu ainda amo vocês.

Mas por muito pouco tempo. Eu não irei mais abaixar a cabeça para tudo o que vocês querem, eu sou humana, eu tenho sentimentos aqui dentro.

Eu cansei de ser uma boneca perfeita, que se abaixa a suas vontades, sem pestanejar, eu cansei de fingir ser algo que eu não sou, eu cansei de ter meus desejos destruídos. Tudo por causa de vocês.

Eu queria ser má, eu queria não me importar com os outros, eu queria colocar minhas frustrações a cima da vontade dos homens. Mas eu não posso. Porque eu não sou assim.

Eu não quero ser assim.

Eu estou amando mamãe, sabe o que é isso? Sabe de quantas vezes eu chamei seu nome à noite com medo das coisas ao meu redor? Não, porque para vocês eu sou um brinquedo, aperte o botão e eu sou sua mais perfeita obra. Pois bem, não é assim.

Eu vejo meus colegas, eu vejo meus amigos, todos eles felizes, porque tem uma família, eu invejei, eu invejei a capacidade deles em amar as pessoas, em confiar nelas. Eu queria não ter tomado este golpe, eu queria poder confiar inteiramente nas pessoas, mas isto é impossível.

Por culpa suas, da ganância de vocês. Vocês não se importam vocês não me amam.

Às vezes eu penso que vocês nunca me amaram de verdade, eu devo ter nascido fora do plano, vocês não me queriam de verdade. Eu fui um plano imperfeito.

Eu trouxe riscos a vocês, eu poderia manchar a reputação impecável de vocês, eu poderia arruinar tudo.

Eu mando esta carta como uma despedida a vocês, esqueçam que eu nasci que uma vez eu fui filha de vocês.

Acho que vocês nunca se amaram. Acho que apenas se aturaram por negócios, acho que com o divórcio vocês acharam que poderiam se livrar de mim também. Mas eu trouxe problemas.

Imagino, que, de todas as cartas que eu mandei, nenhuma foi aberta, foram usadas como fonte de fogo em suas lareiras, minhas palavras queimando, o fogo consumindo, cada letra minha. Arrependo-me de cada carta não lida. Arrependo-me por vocês.

Sabe, eu realmente quero que vocês sejam felizes, eu ainda amo vocês.

Não se preocupem mais, mas não é como se fossem ler minhas cartas, preocupados demais com vocês mesmos. Em seus mundinhos infelizes e vazios, sinto pena de vocês. Sinto pena de mim mesma, é vergonhoso. Mas é a verdade.

Beijos, da filha que vocês não precisaram lembrar que tem. E feliz ano-novo.

Anne Sharker.

As lágrimas caíram silenciosas no rosto da mulher loira ali sentada. E a ponta de seus dedos acariciaram a foto de uma doce garotinha. Meu Deus, o que fizera? Juntou à carta a pequena pilha em sua gaveta. Todas as cartas juntadas há sete anos. Amarradas com um pequeno laço roxo. Ela matara a filha, por uma coisa inútil. Mas ela tinha uma única chance. E ela usaria aquela chance.