Prelúdio escrita por CamillaVicter


Capítulo 6
Capítulo 6 - Retorno dos Mortos-Vivos


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo, gente! Aproveitem!



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Capítulo VI – Retorno dos Mortos-vivos

 

Os dias iam se arrastando. Longa e angustiantemente. O relógio parecia congelado. Eu não sabia mais que dia era. Nem mesmo o mês. Os dias pareciam ter quarenta horas. Mas ainda assim... Iam passando.

Mesmo para mim.

 

**********

 

As primeiras semanas depois daquele dia foram as piores.

Eu não comia. Nem dormia direito.

Eu freqüentava o colégio, como Mark me instruíra a fazer, para manter as aparências. Poucos dias depois da briga, a cidade inteira já estava a par do que tinha acontecido. Naquela cidadezinha minúscula, todos conheciam as desavenças entre meu pai e Mark (mesmo que não soubessem os segredos obscuros por trás disso). E por isso, todos passaram a olhar torto para mim. Eles me viam como uma traidora. E eu não podia discordar.

Para aumentar ainda mais a ferida em meu peito, Dimitri havia trocado de sala para ficar longe de mim. Stephanie, Klauss e Patrícia também. Eu suspeitava que eles só não haviam saído do colégio por ordem de Viktor. Isso exporia o nosso segredo. E como se não bastasse, os lobisomens também tinham trocado de sala. Mas para ficar mais perto de mim.

Cada passo meu fora do cativeiro era cuidadosamente vigiado por dois lobisomens e dois ogros.

Josh, que foi o primeiro a se pronunciar, era um deles. Ele gostava muito de uma briga para desperdiçar essa chance. E eu parecia ser um alvo para esse tipo de coisas. Milagrosamente, sua parceira Carmem não o acompanhou dessa vez.

Laís, a lobisomem que havia me acompanhado naquele trágico dia, também estava entre eles. Ela era filha do Marcel e irmã da Stephanie. Ela age como uma espécie de enfermeira dentro da vila dos lobisomens. Ela, assim como outros dez lobisomens e ogros, tinha sido escalada para ficar no meu cativeiro. Apesar de tudo, eu não a odiava como aos outros. Ela era sempre gentil e, mesmo que tivesse medo de admitir, preocupava-se comigo. Eu gostava dela.

Vinnícius, o ogro loiro que havia ajudado a me seqüestrar, também fazia parte da minha guarda. Dele eu gostava. Ele era um dos poucos que tentavam ser gentis comigo (longe de Mark e Lohainne de preferência). Geralmente ele fazia alguma piada para tentar me tirar da letargia.

Evellyn, uma ogra muito esquisita, também estava com eles. Ela era, definitivamente, estranha. Ela nunca ria. Nunca falava, exceto se fizessem uma pergunta direta (o que era difícil, pois suas atitudes retraídas costumavam afastar as pessoas, inclusive os professores).

Matthew havia se pronunciado para me acompanhar também, mas Lohainne vetou. Ela, assim como a maioria deles, tinha reparado na nossa aproximação, por mais que nós estivéssemos tentando disfarçar. Mas eles não tinham coragem de tirá-lo de lá. Matthew era um médico maravilhoso. O melhor que eles tinham. Expulsá-lo seria como... Cortar um braço. E Lohainne não queria perder um braço... Muito menos cortá-lo.

Matthew passava grande parte do dia no quartinho em que eu ficava presa. Ele me fazia companhia, conversando comigo sobre coisas banais. Geralmente, sua presença me aliviava e tornava fácil esquecer o que eu havia feito ou o que me esperava.

Mas nem isso conseguiu amenizar a minha culpa.

Por um bom tempo, eu fiquei apática. A dor em meu peito era tão grande que dificultava a respiração. Eu mal comia. Dormir, então, era raro. As poucas vezes em que meus olhos se fechavam, o rosto contorcido de dor de meu pai me aparecia. E eu acordava suando frio.

E assim, o tempo foi passando e eu achei difícil de acreditar no ditado que dizia que o tempo cura todas as feridas. Os meses foram passando...

Maio.

Junho.

Julho.

Agosto.

E o rasgo em meu peito se aprofundava cada vez mais. Eu via a hora em que a ferida me atravessaria. Que desfaria-me em pedaços.

O meu problema era que eu não estava ajudando em nada. Eu acreditava que eu merecia a dor. E por isso ela piorava.

Mas foi no fim de uma aula de quarta-feira que eu despertei.

Eu já saía da sala, com meu “esquadrão” logo atrás, quando o professor de biologia, Gilberto, me chamou.

— Christinne... — eu olhei, pasma, para trás. — Posso falar com você um minutinho?

— C-Claro, professor...

Eu olhei preocupada enquanto os meus acompanhantes saiam da sala lançando olhares ansiosos para mim. Eu sabia que eles estariam ouvindo tudo do lado de fora. Respirei fundo e parei de frente a mesa do professor. Não consegui imaginar o que ele poderia querer falar comigo. Eu era uma aluna razoável. Não incomodava nas aulas. Não era a melhor aluna, mas só tirava notas boas.

Apesar de que, nos últimos meses...

— Christinne, — ele começou. — eu vou direto ao assunto. Eu estou preocupado com você... Humm... Com o seu rendimento.

Eu olhei para ele confusa. Ele abriu o seu diário de turma e apontou para a linha que tinha o meu nome. Involuntariamente, meu queixo caiu ao ver que todas as notas estavam escritas de vermelho. Como eu não tinha percebido isso?

Ele percebeu o meu espanto.

— Christinne, eu quero que você seja sincera. — ele ficou de pé e encarou-me serenamente nos olhos. — Isso tem a ver com a sua briga com seu pai?

Sim, eu pensei, tem tudo a ver. Por um breve e insano momento, eu cogitei a idéia de contar a ele a verdade. Mas então, eu me lembrei do esquadrão que estava me esperando do lado de fora.

Armei a melhor expressão ultrajada que consegui.

—É claro que não, professor...

— Pois eu não acredito, Christinne! Eu estou seriamente pensando em encaminhá-la a um psicólogo. Eu sei que isso não é da minha conta, mas se você está com problemas com seu irmão Mark, eu acho que...

— Tem razão, professor! Isso não é da sua conta. — dessa vez eu realmente estava furiosa. Juntei meus livros e saí rispidamente dali.

Mas quando eu estava quase na porta, ele disse exatamente a única coisa que poderia me fazer congelar no chão.

— Seu irmão também está com problemas, Christinne!

Meus pés se prenderam automaticamente no chão. Devagar, sem acreditar em suas palavras, eu me virei para encará-lo novamente. Quando nossos olhos se encontraram, ele continuou.

— As notas do Dimitri caíram dramaticamente...

— Isso é impossível!

Realmente. Era totalmente inaceitável. Dimitri nunca errava nada. Seu boletim era impecável.

A dor em meu peito açoitou-me violentamente. Meu irmão estava com problemas. E a culpa era, obviamente, minha.

Foi a partir daí que eu voltei a me preocupar.

 

**********

 

Nós já estávamos do lado de fora do colégio, no estacionamento, e eu olhava em volta sem saber exatamente o que estava procurando. Quatro pares de olhos avaliavam-me autoritariamente.

Não levou muito tempo para que eu encontrasse justamente o par de olhos que eu realmente queria ver. Que eu realmente precisava ver. Os olhos verdes pareciam tão ávidos em me encontrar quanto os meus. Por um momento fugaz, eu pensei que Dimitri estava preocupado comigo. Eu me perguntei se o professor também tinha conversado com ele.

Mas logo a tristeza foi encoberta por um olhar de desprezo. Eu desviei os olhos enquanto sentia a minha respiração fraquejar quando a dor afogou-me novamente.

Minha família estava com problemas. Eles precisavam de mim. Eu me senti terrivelmente egoísta lembrando-me de como eu havia me entregado aos inimigos sem nem ao menos lutar.

Não importam as conseqüências, eu pensei, agora eu vou lutar. Agora eu vou tentar, de alguma maneira, libertar-me dos lobisomens. E voltar para a minha família.

Mas a pergunta é: será que eles vão me aceitar de volta? Mesmo depois do que eu fiz?

Meus pensamentos foram abafados por uma gargalhada. Eu levantei o rosto procurando a origem. Era Josh...

— Esse vampiro é um idiota!

Eu olhei para ele furiosa, sentindo o sangue subir à minha cabeça enquanto percebia que ele estivera me observando. Ele lançou-me um sorriso malicioso.

— Você sabia, Chris? — Josh provocava-me. — Seu precioso irmãozinho foi até a nossa vila ontem...

Eu encarei-o friamente. Seu sorriso alargou-se ao perceber que tinha ganhado a minha atenção. Permaneci em silêncio. Nós entramos no carro. Vinnícius lançou a Josh um olhar de aviso, como se o estivesse advertindo, e se sentou no lugar do motorista com Evellyn no banco do carona. Eu rapidamente procurei sentar-me na janela buscando ficar o mais longe possível de Josh, mas ele acomodou-se ao meu lado e continuou a provocação.

— Ele queria te ver... Engraçado, não é? Mesmo depois de tudo o que você falou, ele ainda queria que você voltasse para casa! Acho que você não é uma boa atriz, afinal. Ou ele é que é muito tolo mesmo...

Eu sentia a raiva subindo lentamente pelo meu corpo. Vinnícius ligou o carro e saiu do estacionamento.

— O que vocês disseram para ele? — perguntei entredentes.

Ele gargalhou outra vez, divertindo-se com a minha fúria.

— Nós falamos a verdade, ora! Dissemos que você não estava lá! — o lobisomem soltou mais uma gargalhada divertida. Eu parei de olhar para fora e fuzilei-o com os olhos. Ele continuou rindo. — E ele foi embora triste, triste...

Ele fez um beicinho debochando do meu irmão. Eu bufei irritada e voltei a olhar para fora.

— Eu juro que quando eu me transformar eu vou arrancar a cabeça de cada um de vocês... — eu ameacei.

— Rá! — exclamou Josh colocando a venda em meus olhos. — Até parece...

 

**********

 

Josh não teceu mais nenhum comentário maldoso pelo resto da viagem. E eu agradeci mentalmente por isso. Minha raiva era tanta que eu achava que era realmente capaz de arrancar a cabeça de alguém se me dessem motivos. E Josh estava abusando.

Mas nem mesmo a minha irritação conseguiu desviar os meus pensamentos. Josh tinha me dado o que pensar. Então havia esperança, afinal? Meu irmão tinha ido me buscar... Ele me queria de volta!

Uma onda de alegria, que eu já não sentia há muito tempo, invadiu-me por completo. Eu olhei para o meu reflexo no espelho e subitamente me lembrei do dia em que aquilo tudo tinha começado. Surpreendi-me ao perceber como a falta da minha família havia me feito mal.

O reflexo no espelho parecia-se com outra pessoa. Não eu. Minha pele, que já quase não via o sol, estava pálida, translúcida. Meus cabelos cacheados estavam em um embaraçado e malfeito rabo-de-cavalo. Meus lábios estavam tão claros que pareciam sumir no rosto. E os meus olhos verdes... Bom, esses definitivamente estavam perdidos. Eles estavam tão opacos que não se podia mais dizer que eram verdes. O brilho perdera-se dos meus olhos.

Saí do banheiro e sentei desanimada na cama. Lembrei-me da última vez em que tinha me olhado no espelho daquele jeito. Foi no dia em que Mark e os outros tinham nos encurralado. Eu lembrava-me perfeitamente da conversa que eu tinha tido com o meu irmão. Ele tinha dito que me amaria independente do que eu fizesse, do que eu me transformasse. Mas eu me transformei em um monstro, tão insensível quanto Mark... Será que a promessa ainda valia?

Eu suspirei sozinha no quarto. Já há algumas horas eles tinham trago o almoço para mim. Eu não sabia dizer exatamente que horas eram, mas eu sabia que não demoraria muito para Mark, a cientista Magda e o Dr. Matt entrarem por aquela porta e me levarem novamente.

Não precisei esperar muito.

— Vamos, Chris? — chamou Mark abrindo caminho para que eu passasse pela porta. Há muito ele já tinha abolido aquela falsa educação. Mesmo que eu me sentisse muito agradecida com isso, agora as coisas pareciam bem mais sombrias do que antes.

Eu caminhei com eles pelo, já conhecido, corredor branco. As paredes melancólicas pareciam me afundar no chão sempre que eu as atravessava. Era claustrofóbico.

Passamos por algumas portas fechadas antes de chegarmos aonde eles queriam. O cômodo parecia uma pequena enfermaria, mas eu a imaginava mais como uma sala de pesquisas. Era um lugar amplo e claro. Havia duas macas, uma em cada extremo do cômodo. Do lado de cada uma delas tinha uma grande janela, que agora estavam com as cortinas fechadas (provavelmente para que eu não visse o exterior). Entre as macas, encostado na parede, tinha um grande armário branco com portas de vidro cheio dos mais variados tipos de vidros de remédios. Do lado oposto ao armário, havia uma grande mesa de escritório com dois microscópios, um computador e um aparelho que eu não conseguia identificar o que era.

Eles me acompanharam até uma das macas e fizeram com que eu me sentasse nela. Mark e Magda começaram a conversar enquanto mexiam no computador. Eles pareciam entretidos, mas eu não conseguia entender o que eles conversavam.

Eu fiquei olhando enquanto Matthew mexia no meu braço. Ele estava aplicando um líquido viscoso e azulado em minha corrente sanguínea. Eu não me incomodei.

Aquilo já estava se tornando um ritual. Toda tarde, rotineiramente, eles me levavam até aquela sala e faziam um tipo diferente de exame a cada dia. Eu já estava acostumada. Eu nem me incomodava mais em perguntar a eles o porquê daquilo. Eles não iriam me responder.

Depois de uns quinze minutos, Matthew tirou umas cinco amostras do meu sangue, ajudou-me a descer da maca e, após fazer um sinal para Mark, acompanhou-me de volta até o meu quartinho.

Ele abriu a porta, cavalheiramente, para mim. Eu passei pela porta e virei-me para olhá-lo. Ele encarava-me de forma carinhosa.

— Eu volto... — ele sussurrou tão baixo que eu mesma quase não pude ouvir.

E antes que eu pudesse responder ele fechou a porta novamente. Eu ouvi o barulho da chave girando e trancando-me no quarto.

Eu também já havia me acostumado com o isolamento. Eu tinha passado quatro meses com a mesma rotina. O que mais eu podia fazer senão aceitá-la?

Minhas coisas estavam cuidadosamente organizadas em um cantinho. As malas que Stephanie tinha feito para mim ainda eram as mesmas. Com o tempo eu percebi que minhas coisas não estavam todas ali. Provavelmente, ela e Klauss só guardaram o que estava à vista. Imaginei se não foi por raiva de mim que as minhas roupas preferidas não estavam nas malas. Talvez.

Sentei-me na cama e encostei o corpo na parede confortavelmente. Peguei, na mesa ao meu lado, o livro que eu estava lendo antes de Mark me interromper. Agradeci mentalmente à Stephanie por ter colocado alguns livros meus junto com as minhas roupas. Parecia até que ela sabia que eu iria precisar deles...

Eu suspirei desanimada, lembrando da minha melhor amiga. Tentei imaginar o que ela me diria se estivesse ali naquele momento.

Provavelmente ela riria e debocharia de mim: Eu não acredito que você está lendo Frankenstein de novo, Chris! Não sei o que você vê nesse monstro sem coração... Muito menos em seu criador sem juízo! Sinceramente, Chris! Tem hora que você parece mais velha do que eu... Vai assistir a um filme... Liga o computador! Credo, Chris!

Eu ri sozinha ouvindo a voz dela na minha cabeça. Eu quase pude imaginá-la ao meu lado.

Tentei lembrar-me do meu irmão, agora...

Se eu o conhecia bem, ele repreenderia a Stephanie: Deixa a Chris em paz, garota! Ela não tem culpa se você não tem cultura! Frankenstein é um clássico!

E depois provavelmente ele e eu entraríamos em um gigantesco debate intelectual sobre o Dr. Viktor Frankenstein e sua monstruosa criatura, deixando Stephanie extremamente irritada. Isso acabaria fazendo com que os dois brigassem mais uma vez.

Eu ri de novo lembrando-me das intermináveis discussões em que eles dois sempre estavam metidos. Do jeito que eles brigavam, eu não duvidava muito que logo eles acabariam formando o casal mais bonito da vila. Talvez levasse um ou dois séculos, mas eles acabariam ficando juntos...

É... Eu sentia falta deles. Talvez mais do que eles de mim. A única coisa que me impedia de parar de respirar naquele momento era saber que, apesar de me odiarem furiosamente, eles estavam seguros. Eles não se meteram em uma guerra por minha causa.

Sim... Eu estava disposta a passar por qualquer coisa para que eles ficassem em segurança!

Eu sorri com esse pensamento e mergulhei atentamente na narrativa de Mary Shelley enquanto esperava que anoitecesse e que minha fiel companhia viesse até mim.

 

**********

 

Já deveriam ser por volta das dez horas da noite, quando a porta do quarto abriu devagar.

— Matt?

Eu sussurrei.

— Shh! — ele pediu. — Acho que a Laís ainda está acordada...

Eu levantei devagar e caminhei na ponta dos pés até a porta. Ele estava parado, olhando para o lado de fora pela porta entreaberta. Ele se virou para mim quando eu parei ao seu lado e sorriu. Aquele sorriso. Eu suspirei deliciada com a sua presença.

Matthew fechou a porta devagar, sem tirar os olhos de mim. Ele pegou a minha mão e me puxou de volta até a cama. Eu me sentei, de pernas cruzadas, de frente para ele. Ele ficou me admirando por alguns segundos antes de falar.

— Sabe, Chris... Eu acho que eu devia parar de vir até aqui! — ele disse.

Eu olhei incomodada para ele, levantando uma sobrancelha.

— Você quase não tem dormido direito...

— Ai, Matt! Que tolice... — eu resmunguei. — Você sabe que se não fosse por você eu nem estaria dormindo!

Ele deu um sorriso torto, mas eu não pude ver a mesma brincadeira nos seus olhos. Ele parecia preocupado, mesmo que não quisesse demonstrar.

— Tem razão! O que seria de você sem mim? — ele respondeu.

Eu ri com ele. Mas ainda assim, a pergunta ficou na minha cabeça. Se Matt não estivesse ali, comigo, eu não sei se teria agüentado tanto tempo. Todos os dias, depois que todos tinham ido dormir, ele vinha até o meu “quartinho” e me fazia companhia até a hora em que nossos olhos começassem a fechar involuntariamente. Exceto nas noites de lua cheia, é claro. Nesses dias, ele era obrigado a sair, junto dos outros lobisomens, e caçar na floresta transformado em lobo.

— O que você estava lendo? — ele perguntou pegando meu livro. — Frankenstein? Você gosta bastante de monstros, não é?

Ele olhou sugestivamente para a pequena pilha de livros no canto do quarto. Entre eles, eu pude destacar principalmente: Drácula... O médico e o monstro...

Eu ri enquanto observava Matthew folheando o livro, mas me interrompi imediatamente. Uma sensação angustiante de enjôo estava subindo pelo meu peito, minha garganta... Eu corri para o banheiro com Matthew em meus calcanhares.

Eu apoiei-me sobre a pia enquanto meu almoço descia pelo ralo. Matthew segurou meu cabelo, me dando apoio.

— Você está bem? — ele perguntou preocupado quando eu finalmente parei de vomitar e abri a torneira para lavar o rosto.

Eu respirei fundo algumas vezes testando se era seguro falar.

— Eu não sei... — eu disse com a voz fraca. — O que foi isso?

— Foi o exame de hoje. — ele disse fazendo uma careta. — Você reagiu mal...

Eu suspirei enquanto voltava para o quarto e tomava um grande gole de água da garrafa na mesa antes de me sentar outra vez na cama. Respirei bem devagar. Eu ainda estava suando frio.

— Você não vai me dizer o porquê de todos esses exames, vai? — perguntei, já imaginando a resposta.

Ele deu um suspiro cansado e olhou fundo em meus olhos. Tentei manter a concentração.

— Eu já te disse, Chris! Eu não posso! — ele disse. Era visível como ele não gostava daquela conversa. Seus olhos estavam tristes. Derrotados.

— Você não pode ou você não quer? — eu desafiei.

Ele gemeu sobrepujado. Eu me senti mal por estar provocando-o.

— Eu não posso! Eles me proibiram! Eles me enfeitiçaram...

Levei alguns segundos para assimilar o que ele tinha dito. Eu olhei para ele boquiaberta. A confusão deve ter tomado conta do meu rosto, pois ele começava a falar interminavelmente, mas eu não prestava atenção. Aquilo era impossível. Só as ninfas podiam enfeitiçar alguém.

— Como? — eu perguntei. — Isso é impossível! Como você pode ter sido enfeitiçado sem uma ninfa? — ele soluçava como se estivesse engasgado. Na verdade, ele queria dizer alguma coisa, mas não podia. Eu já tinha visto isso antes. Ele realmente estava enfeitiçado. — A não ser que...

A revelação tomou conta da minha mente. Eu lembrava-me do que Mark tinha dito no dia do meu seqüestro. Eles tinham um espião. Na verdade, era uma espiã. Uma ninfa. Quem?

— Quem? — eu perguntei.

Me arrependi depois. Matt parecia estar sufocando enquanto tentava responder as minhas perguntas. Eu senti pena e parei. Ele respirou fundo e ficou me olhando como se não tivesse certeza de que poderia falar.

— Desculpa, Chris! — ele disse amuado. — Eu realmente não posso falar...

— Tudo bem, Matt! Eu já entendi...

Ele deu um fraco sorriso. Mas eu percebi que ele não estava feliz, pois o sorriso não chegava até seus olhos. Ele parecia triste por não poder responder as minhas perguntas. Eu me senti mal por ele. Ele realmente se preocupava comigo. Eu não merecia um amigo tão bom...

— O que você está pensando? — perguntou ele. Matthew me olhava curiosamente como se quisesse ver além da minha expressão. Sempre que eu ficava muito pensativa, em silêncio, ele me fazia essa pergunta.

— Eu só estou pensando o quão amigo que você é! Eu não mereço tanto...

Ele deu um sorriso divertido e tocou levemente, com o indicador, a ponta do meu nariz.

— Você merece bem mais do que isso!

Eu abri a boca para retrucar, mas Matt pôs um dedo em meus lábios silenciando-me. A expressão dele era séria, alerta. Ele estava escutando algo fora do quarto. Eu encarei-o nervosa.

— É... Acho que a Laís ainda está acordada! É melhor eu voltar para o meu quarto...

Ele riu da expressão contrariada que eu fiz, mas não mudou a decisão. Ele empurrou o meu ombro suavemente, fazendo-me deitar. Antes que eu pudesse reagir, ele puxou o fino cobertor e cobriu-me delicadamente.

— Durma bem, Chris! Vou trazer um remédio para melhorar o seu enjôo.

Eu sorri.

— Obrigada! Boa noite, Matt!

Ele deu um beijo ternamente em minha testa e caminhou para a saída. Sem fazer barulho, ele abriu a porta e apagou a luz.

Na escuridão, só o que eu pude ver foi o brilho dos seus insondáveis olhos negros. Eu ainda pude ouvi-lo dizer, pensando que eu não o escutava, antes de fechar a porta.

— Você merece bem mais do que isso...


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Notas finais do capítulo

É isso! Agora, cadê os meus leitores? Tô pasma! O que aconteceu com vocês? Só vou postar o próximo capítulo se eu ver muitos e muitos reviews, hein? Bjuxx Até a próxima!