Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 58
vida 5 capítulo 7




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– Deeeean.

O murmúrio quase inaudível escapa da boca de Sam, que se mexe na cama, aprisionado em um sonho ruim. Um sonho ruim em que o garoto de olhos verdes ganha uma aparência assustadora e exibe um sorriso cruel.

No sonho, Sam observa, com horror, o menino-monstro de olhos verdes inclinar-se sobre o corpo caído do garoto de olhos verdes tão parecido com ele próprio; e arrancar, com os dentes, grandes nacos de carne. O garoto devorado vivo estende a mão na direção de Sam, com um olhar suplicante e um grito mudo. Ele, Sam, observa, com lágrimas escorrendo, mas sem esboçar nenhum movimento.

O murmúrio coincidiu com uma mudança brusca no ritmo do batimento cardíaco de Sam. Antes, cadenciado e tranqüilo, agora acelerado e irregular. A mudança não passou despercebida pelos sentidos do ghoul, pondo-o em alerta. Uma fresta por onde a consciência de Dean conseguiu ressurgir.

Sam se debate agitado. Agitado, mas ainda adormecido. Ainda indefeso. Ainda carne. Dean vê através dos olhos do ghoul, mas ainda como um observador. Como alguém que está com o cigarro na boca, o fósforo na mão e pensa que deveria parar de fumar e o fará – amanhã.

– Nããão. Nããão.

Novamente, são apenas murmúrios. Mas não tão inaudíveis assim. Dean se concentra naquelas palavras e no seu significado para resistir a seus próprios atos. Retardar os passos, afastar o olhar, dirigir os sentidos para outro lugar qualquer. Não. É errado. É o Sam. SAMMY. Não posso. Não devo. Não quero. NÃO QUERO.

O ghoul se agacha na borda da cama, a centímetros do pescoço de Sam. Sam começa a transpirar por conta do sonho e o cheiro do suor é deliciosamente embriagante para o ghoul. Como resistir a um banquete quando se está morrendo de fome e de sede? Porque resistir? Dean se esforça para pensar em Sam como uma pessoa, como seu irmão e não como comida. Concentra-se no abraço que recebera horas antes, caloroso e acolhedor. Na sua esperança de receber outro abraço como aquele, num futuro cada vez mais improvável.

Quem visse o ghoul mais e mais próximo pensaria que Dean estava perdendo a batalha. Mas, se não fosse a resistência de Dean, o ghoul, como uma hiena do inferno, já teria destroçado o homem indefeso.

O sonho prossegue e, nele, Sam vê o menino-monstro deixar para trás o pouco que restou do corpo do garoto de olhos verdes e se aproximar dele, Sam. À medida que se aproxima, abrindo os braços como quem convida a um abraço, mais e mais parecido com o garoto de olhos verdes ele se torna. O rosto adorável do menino faz Sam se ajoelhar e estender os braços, oferecendo um abraço.

O menino de olhos verde pára diante de Sam e sorri. Sam vê o sorriso do menino se transformar em uma assustadora exibição de afiados dentes pontiagudos. O coração de Sam bate mais e mais acelerado à medida que o sonho se aproxima de seu clímax. O menino-monstro avança e crava com força os dentes na sua garganta. No sonho, Sam não tem tempo nem meios de gritar com a garganta dilacerada. Já no quarto de motel, um grito ecoa com o terror evidenciado no tom.

– Não, Dean. NãÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOo.

Sam acorda sobressaltado, suando frio, com os efeitos do álcool já dissipados pela adrenalina injetada em seu sangue pelo pesadelo. Levanta o tronco, pondo-se sentado na cama com as pernas estendidas e ainda encobertas pelo cobertor. E dá de cara com a realização de seu pesadelo. O grito assustou o ghoul e o fez instintivamente exibir os dentes de forma a intimidar o oponente, como faz um gato acuado. Os olhos verdes se destacam no rosto de traços animais do monstro.

O susto faz Sam se lançar para trás, contra o espaldar da cama. Sua mente ainda buscava uma forma de reação, quando a porta é derrubada com estrondo por Adam. O ghoul se afasta lentamente de Sam e se volta para Adam e Owen que entram no diminuto quarto. Ao ver a criatura, Owen se detém e dá um passo atrás.

Dean se sente novamente em pleno controle do corpo do ghoul. Suas feições suavizam enquanto ele tenta evitar o confronto direto com o irmão.

– Adam, não é o que você está pensando. Eu nunca faria nenhum mal ao Sam.

Adam só não entrou atirando porque não estava armado. Tudo que tinha era a faca de caça que mantinha presa ao cano alto da bota. O grosso do arsenal estava no porta-malas do Impala, indisponível no momento. Não ia perder tempo dialogando com o monstro. Nada do que dissesse ia fazer qualquer diferença. Mesmo que o ghoul retivesse memórias e sentimentos do garoto morto, ainda seria o monstro que o assassinara. Matara dois, agora era completar o serviço.

Owen Foley não conhecia Dean Milligan pessoalmente, mas a foto do garoto órfão saíra estampada na primeira página de todos os jornais da região e até nos noticiários de TV. Era ele, sem dúvida. Podia reconhecer seus traços mesmo em sua forma de monstro.

Todos os jornais relataram o estado em que o corpo do pai do garoto fora encontrado, com maior ou menor ênfase nos detalhes mórbidos. Ele, Owen, não precisava imaginar nada. Vira o que restara do corpo de Mark Levine. Na ocasião, acreditara que fora algum tipo de animal. O que mais podia pensar? Que fora um monstro que podia se passar por gente. Quem acreditaria que tal criatura pudesse existir se não a visse com seus próprios olhos? Ele estava vendo e ainda achava difícil acreditar.

Dean vê determinação nos olhos de Adam. Nunca o convenceria de quem realmente é.

Os olhos de Sam mostravam decepção. Mas vê que ele está assimilando e aceitando os fatos como são. Em poucos segundos voltaria a ser o caçador que foi treinado para ser.

Os olhos de Owen passaram do espanto inicial para a total compreensão dos fatos. Owen. Podia reconhecê-lo dos encontros em outras realidades. Mas esse Owen era diferente dos outros que conheceu. Era mais duro, mais sofrido. E em seus olhos tampouco existia medo. Precisava se preocupar também com ele.

O amuleto. Estava em desvantagem, mas podia não ter outra chance. Precisava tirá-lo de Adam, que já estava com a faca de caça empunhada, pronto para um combate corpo a corpo. Não tinha escolha. Precisava enfrentá-lo.

Dean já descobrira que fisicamente era muito mais forte que sua estatura de menino sugeria. Agarra a única cadeira do quarto e a lança com violência contra Adam. Mais especificamente contra o braço que está empunhando a faca, tirando-o da postura de ataque. Mas não espera a cadeira acertar o alvo. Lança-se contra Adam num salto que, sem sombra de dúvida, é instintivo para o ghoul. Uma espécie de salto mortal em que se lança para a frente, toca com as mãos no chão e se projeta de costas, com os pés na direção do adversário. Ele, Dean, não pensaria nesta forma de ataque.

Dean cai sobre Adam atingindo-o no tórax com os pés e buscando seu pescoço com os braços. O ghoul buscaria morder o pescoço do oponente, mas Dean apenas enfia a mão sob a gola da camisa de Adam e arranca o amuleto. O contato com a prata queima sua pele, obrigando-o a soltá-lo. Adam bate violentamente contra a parede e fica momentaneamente atordoado. Dean perde alguns segundos para se certificar que ele está bem. Mas também para pegar de volta o amuleto, depois de envolver a mão com o tecido da camisa.

Dean se prepara para fugir, mas vê que Owen está bloqueando a porta com seu corpo, numa postura de zagueiro de football. Dean não pode deixar de pensar que ele não sobreviveria um minuto contra um verdadeiro ghoul. Bastaria se lançar diretamente contra ele e ambos despencariam no estacionamento. Owen dificilmente sobreviveria à queda.

Dean se posiciona diretamente na frente de Owen e espera que ele avance. Agarra-o então pelo braço e gira o corpo, lançando Owen contra Sam, que finalmente deixara o imobilismo e vinha em sua direção. Um novo salto mortal sobre o guarda-corpo da varanda e está no estacionamento.

Dean acreditava que já estava a salvo, quando é pego de surpresa pelo ataque de Ashley. Ela, mais que Owen, era uma pessoa diferente nesta realidade. Nada da líder de torcida patricinha preocupada em ser a mais popular e exibir o namorado mais desejado. Era decidida e combativa. O ataque com gás de pimenta cega Dean e queima como fogo suas sensíveis mucosas das narinas e da garganta. Com dificuldade de respirar, ele investe contra Ashley e a empurra para trás, derrubando-a.

Seus ouvidos nem precisavam ser tão sensíveis para perceber a aproximação de Sam e de Owen. Owen grita um xingamento quando vê Ashley ser derrubada e se detém para ter certeza que ela está bem. Dean foge, tentando alcançar o Impala, perseguido por Sam.

Seus olhos, narinas e garganta ainda ardem terrivelmente, mas nada dói tanto quanto ouvir Sam dizer com ódio:

– Não vai escapar de mim, monstro. Vou matá-lo nem que seja a última coisa que eu faça.


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