Sete Vidas escrita por SWD


Capítulo 149
sete vidas epílogo vida 5 capítulo 18




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HADES

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Palemon gritava, como se seus gritos pudessem abafar as vozes em sua mente. Ele não era o único. Outros também gritavam. Mas, se nada mudasse, sua agonia logo teria sérias conseqüências para todos. A Argo começava a se desmontar em pleno ar, peça por peça. O construto havia sido criado e era mantido pela imaginação e pela poderosa força de vontade de Palemon. A mente de Palemon era poderosa. Mas, mesmo assim, ele começava a perder a batalha.

Um fiapo da atenção de Palemon já seria suficiente para manter a Argo íntegra, mas esse fiapo estava sendo esgarçado até seu limite e faltava pouco para que se rompesse. Partes inteiras do barco já haviam se separado e começavam a desaparecer. O próprio piso do convés, na forma de longas pranchas de madeira começava a se abrir e a se desnivelar. Formavam-se vãos entre as pranchas e as mais afastadas do timão já haviam se soltado completamente, sendo levadas para longe. O mastro e a vela já haviam se soltado da estrutura e o casco já não existia.

Eufemo teria despencado no vazio se Gabriel não tivesse girado seu corpo para que ele ficasse atravessado transversalmente às pranchas. Gabriel era quem estava em melhores condições. Mas isso não significava que estivesse bem. Aquele lugar era a antítese de tudo que ele representava. Era um arcanjo e estava no reino dos mortos. Estava sendo afetado pela forte energia negativa que emanava do Aqueronte. As emoções desencontradas que o atingiam em ondas tinham nele efeito mais físico do que mental ou espiritual. Náuseas, tontura, calafrios, ondas de calor, dificuldade de respirar. Seu corpo espiritual experimentava sensações que nunca sentira em seu corpo físico emprestado.

Gabriel sentiu sua vista escurecer, mas não podia desmaiar. Agora quem corria perigo era Autólico. Toda a parte do convés onde ele se encontrava estava se desfazendo. Enquanto corre na direção dele, pensa nos passos seguintes. O melhor a fazer era tirar a todos do barco. Imediatamente. Voar com eles para longe da influência do Aqueronte. Mas não teria como salvar a todos. Estavam em agonia e se debatiam como loucos. Com sorte poderia salvar dois deles. No máximo, três. Jasão teria que ser salvo é claro. Tudo dependia dele. E como já tinha Autólico nos braços ..

Com muita dificuldade, Gabriel tinha passado o braço pela cintura de Jasão e se preparava para alçar vôo com ele e com Autólico quando vê Idmon se levantar e seguir cambaleante na direção de Palemon. Como todos, o bruxo estava confrontando seus fantasmas e estes, embora fossem poucos, foram em vida extremamente poderosos. E o que tiveram de poder, tiveram de arrogância e crueldade. Idmon os enfrentara e vencera mesmo com seu corpo debilitado por milênios de envelhecimento. Muitas destas batalhas aconteceram com os adversários separados por todo um continente. Idmon estava acostumado a ataques mentais. Vencera-os quando estavam vivos. Não ia se deixar derrotar pelos espectros de inimigos ressentidos.

Idmon segura com firmeza a cabeça de Palemon, usando as duas mãos, e encosta a própria testa na testa do armeiro coxo. Começa, então, a recitar um antigo feitiço assírio, como se fosse um mantra. Palemon sente o volume das vozes sendo reduzido até emudecerem. Ele pisca os olhos e respira fundo como se tivesse submergido no Aqueronte e só agora pudesse voltar a respirar. E se dá conta que, embora as vozes em sua cabeça tenham silenciado, os gritos de seus companheiros ainda preenchem o ambiente.

Palemon olha em volta e vê o quase nada que sobrara da nave. Praticamente só havia apoios, e, assim mesmo, precários, sob os corpos de seus amigos. Todo o resto se desfizera. Mesmo com a cacofonia infernal em seus ouvidos, ele conseguira manter todos os companheiros no ar com o filete de concentração que lhe restara. Ou quase todos, já que Gabriel usava suas enormes asas brancas para se manter no ar carregando Autólico e Jasão.

Palemon não tenta reconstruir a nave, apenas o piso do convés bastava no momento. O importante era que saíssem rápido da influência do Aqueronte. Palemon faz um agradecimento mudo a Idmon e pede que se apresse a ajudar os outros. Idmon corre na direção de Eufemo. Mas, antes de chegue próximo a ele, uma nova ameaça. Zetes, descontrolado, começa a assumir a forma de um tornado em pleno convés.

O ar começa a ganhar movimento circular ameaçando arrancar a todos do convés, mas a intensidade dos ventos cresce mais rapidamente na periferia e logo o convés volta a ser o lugar mais seguro. É lá que está o olho do tornado, um ponto de calmaria e ar rarefeito. No centro de tudo era possível ver a figura de Zetes, embora ele estivesse transparente e sua natureza etérea estivesse evidente.

Gabriel fora o primeiro a ser capturado pelo vórtex que se formava. E, com ele, Jasão e Autólico. As forças desiguais sobre suas asas faziam que seu movimento na superfície do tornado fosse irregular. Ele estava sendo jogado para todos os lados. Essas mesmas forças agiam para arrancar os dois homens de seus braços. A sensação era é de estar com os membros e as asas amarrados a cavalos que alguém fizera avançar em direções diferentes. Estava sendo rasgado em pedaços.

Gabriel, sem alternativa, larga Jasão e Autólico e vê quando os dois são levados para longe, entregues à fúria dos ventos. Primeiro precisava salvar a si mesmo. Só assim poderia ajudá-los. E, para o que tinha em mente, precisava que ganhassem distância.

Gabriel usa seu grito ultrassônico contra a forma etérea de Zetes, dispersando-o. O efeito é quase imediato. O tornado perde intensidade. Os ventos arrefecem. Gabriel se apressa a alcançar Jasão e Autólico antes que os ventos enfraqueçam a ponto de deixá-los cair.

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O grito ultrassônico abafa momentaneamente os pavorosos guinchos das harpias que estavam enlouquecendo Zetes e dá a ele novamente controle sobre seu corpo. Zetes, já na forma de vento, se afasta do Aqueronte e de sua influência. Mas, atordoado pelo bombardeio sonoro a que fora submetido, ele desaba às margens do rio de fogo do submundo, o Flegetonte.

A exaustão física e emocional que toma conta do corpo espiritual de Zetes o faz adormecer. E, nada mais perigoso para um ser vivo que cair sob a influência do Flegetonte. Se permanecesse ali por tempo suficiente, o Flegetonte acabaria por extinguir a chama da vida em sua alma, transformando-o num espectro sem vontades e sem objetivos.

O Flegetonte sonda o subconsciente de Zetes em busca de seus desejos não realizados e os inflama. Lá encontra um desejo infantil que Zetes descartara há muito tempo, exatamente porque o reconhecera como infantil e sem sentido. O desejo que estava na origem dele ser tão competitivo em relação ao irmão. Zetes era orgulhoso de sua linhagem e seu desejo mais íntimo sempre foi ser reconhecido por todos como o maior de todos os ventos. O maior dos anemoi.

Em seu sonho, Zetes está no extremo norte do planeta, cercado de branco e sob um céu límpido de um azul profundo. Ele olha em torno e move o corpo de forma a fazê-lo acompanhar o giro da cabeça. Aquele era um momento de plena felicidade, de completa realização. O sorriso logo se transforma em riso solto. Estava feliz por estar ali. Feliz por ser quem era. Feliz por poder mostrar a todos o seu poder. Ganharia o respeito de Bóreas, seu pai. Ganharia o respeito de Calaïs, seu irmão, a pessoa mais importante de sua vida.

No sonho, ele abre os braços e aumenta a velocidade com que gira o corpo. Ia fazer o que nenhum vento jamais fizera. Ia comandar todos os seus irmãos. Ia fazê-los soprarem todos na mesma direção. Na direção contrária ao movimento da Terra. Até inverter o sentido de rotação do planeta.

E assim eles fazem. Por todo o mundo, os ventos começam a soprar. Não mais como aragem ou brisa. Brisas tornam-se ventos. Ventos tornam-se ventanias. Tempestades formam-se em alto-mar e causam destruição na costa atlântica. O siroco levanta gigantescas nuvens de areia do Saara. Furiosos ventos de monções assolam as costas da Indochina e do subcontinente indiano. Furacões causam destruição no Caribe. Tornados destroem o centro-oeste americano. Ventos gelados vindos da Sibéria invadem a Europa. As mortes se multiplicam. Centenas. Milhares. Milhões. Árvores são arrancadas. Construções humanas são destruídas. Não só as frágeis e precárias. Orgulhos da arquitetura se partem e desabam.

O sorriso de Zetes vai morrendo quando vê a destruição que acompanha seu sonho de poder. Não era isso que pretendia. Não queria machucar ninguém. Só queria ser admirado. Só queria ser amado.

– Ele não está acordando.

– A primeira coisa a fazer é tirá-lo daqui. Estão sentindo. É o Flegetonte mexendo com as nossas emoções. Precisamos seguir em frente.

– O Flegetonte. Depois o Letes. E finalmente o Inferno. Se foi difícil até agora, depois só vai piorar.

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DALLAS

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– Porque ir com tanta antecedência? Já é tão raro você poder vir aqui ver a gente. Você sabe que a mãe sente sua falta.

– Mack, é importante. É superimportante para mim.

– Mas, não garantiram que você ficava pelo menos mais uma temporada. Vai abrir mão de algo certo? Que já deu uma visibilidade enorme pra você? Não fizeram uma matéria com você na revista?

– Não é a mesma coisa, Mack. Pela primeira vez, eu posso ser o protagonista. Já pensou? É a chance da minha carreira deslanchar.

– Mesmo assim. O teste é só daqui a três semanas.

– Eu quero me preparar bem. Eu preciso arrasar.

– Você não conhece ninguém em Vancouver.

– Eu sei. Mas, estou otimista. E quem sabe não é lá que vou conhecer o grande amor da minha vida?


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Notas finais do capítulo

28.04.2012