Utopia escrita por dastysama


Capítulo 8
Capítulo 8 - Sapatilhas de Balé.




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O céu estava pintado de um azul escuro e havia várias nuvens da mesma cor ofuscando as estrelas e tentando esconder a Lua. Um vento gélido passava por eles e nem todo o cachecol do mundo poderia acabar com aquele frio cortante que vinha da nuca e descia pela espinha. Mesmo assim todos estavam decididos a sair um pouco e dar uma olhada na cidade que parecia mais morta do que habitada por alguém.

– Onde estão as baladas? – perguntou Tom não vendo nenhuma casa com luzes em neon, piscando sem parar.

– Tem uma na esquina – disse Biene apontando para o final de uma rua – Não é uma balada realmente, mas alguns casais vão ali para descontrair e dançar um pouco. Já fui uma vez e não vi nada demais, mas pelo menos lá vende algumas bebidas alcoólicas e energéticas.

 – Então estou dentro, quem está comigo? – perguntou Tom animadamente, enquanto todos confirmavam felizes – Pelo menos tem bebidas, só espero que tenha garotas!

Bill parou o carro em frente a uma casa de dois andares onde havia uma porta aberta do lado esquerdo que levava a uma escada e podia-se ouvir uma música fraca vindo de lá dentro. Ele realmente esperava que a tal balada fosse uma versão mais nova daquele cabaré dos seus sonhos, mas se ele não estivesse enganado, o cabaré não ficava em uma esquina. Apenas suspirou, ficou constrangido por ter pensado aquilo, afinal como dissera para si mesmo tudo era apenas um sonho.

Tom já estava abrindo o carro, Georg e Gustav o acompanharam subindo as escadas em direção a certa diversão noturna. A vontade de ficar no carro predominou e Biene percebeu o quão estranho Bill ficara de repente, mas não ficou com coragem de quebrar o silêncio, apenas esperou que ele dissesse alguma coisa, mas ele não disse.

– O que foi? – ela perguntou por fim, não sabendo se seguia seu primo ou ficava no carro – Não está se sentindo bem?

– Estou bem – disse ele dando um sorriso torto pelo espelho retrovisor – Só estou com medo de ir para essa festa, acho que nós todos podemos chamar atenção se surgimos lá todos juntos. Sei que aqui é uma cidade pequena, mas muita gente pode nos conhecer.

– Então vai voltar para casa? – ela perguntou e ele deu de ombros sem saber o que fazer – Podemos ir a outro lugar, por exemplo... a prisão abandonada! Nunca andei por lá, mas se ouvirmos alguma coisa, podemos esfregar na fuça deles que riram da gente.

– A prisão? – perguntou ele se virando pasmado – Não é perigoso andar por lá de noite?

– Acho que não, nunca ninguém morreu andando pela prisão – disse Biene dando de ombros – Podemos pegar lanternas na casa do Eleazar e darmos umas voltas, quando os garotos quiserem voltar, é só ligar para você.

Ele pensou em discutir, afinal não era nada legal ficar andando por áreas que ele desconhecia, sozinhos, apenas contando com lanternas. Mas Biene parecia estar decidida a fazer isso, mesmo que fosse sozinha, então ele não poderia deixá-la entrar nessa fria sem que tivesse alguma ajuda pelo menos para não se machucar. Então ligou a ignição do carro e seguiu as coordenadas dela para a casa do tal Eleazar.

Conforme eles iam chegando, Bill ia notando que conhecia certos lugares, como se já tivesse visto aquelas ruas. Então logo percebeu que a tal casa de Eleazar era uma mesma versão do antigo cabaré, só que bem mais velha e não tão bem cuidada quanto antes, além de que não tinha todos aqueles cartazes. Ele não conseguia acreditar no que via, sentiu seus músculos ficarem hirtos enquanto sua expressão era de puro pânico.

– Quer entrar ou prefere ficar aqui? – perguntou Biene já abrindo a porta do carro e descendo.

– Eu vou com você – disse ele, se apressando e descendo também. Parou bem em frente à casa e viu a varanda que já tinha visto antes, as escadas de madeira que rangeram quando ele subiu e até sentia aquele cheiro de incenso que havia nos seus sonhos. O cheiro doce de mulheres – A casa dele é bastante velha também, não é?

– Sim, a maioria das casas é antiga. Eleazar decidiu manter essa e a Casa da Colina o mais igual possível ao que eram antes.

– E essa casa era o que antes, você sabe? – perguntou Bill engolindo seco.

– Você vai rir – ela disse já rindo e pendendo a cabeça para o lado como sempre fazia – Era uma casa de prostituição e estava abandonada por muito tempo, mas Eleazar decidiu comprar, afinal não tem nada de errado nisso, tem? Mas deve ser estranho morar em um lugar onde no passado as pessoas viviam fazendo sexo ou havia mulheres por todos os lados. Eu até já me acostumei com essa idéia, Eleazar nem liga.

A boca de Bill secou quando seu temor se confirmou, mas decidiu não transparecer sua expressão, apenas seguiu Biene pela varanda. Ela bateu na porta umas duas vezes quando um velho alto e forte de cabelos grisalhos e olhos negros abriu a porta, vestido em um suéter marrom escuro.

– Olá, Eleazar! – disse ela toda feliz – Desculpa vir aqui a essa hora, mas é que meu amigo Bill e eu precisamos de umas lanternas e queríamos saber se você pode emprestar alguma?

Eleazar olhou de Biene e parou um instante em Bill, o analisando de cima a baixo, como se tivesse visto alguma assombração. Talvez o jeito feminino de Bill o assustasse ou quem sabe não estivesse acostumado a ver sua neta com caras bem estranhos, diga-se de passagem.

– Entre os dois – disse Eleazar se afastando da porta e dando passagem – Estou preparando um pouco de chá, vocês podem beber enquanto eu procuro as lanternas. Mas para que precisam delas?

– Vamos à prisão antiga dar uma olhada por lá – disse Biene se sentando em um dos sofás e Bill fazendo o mesmo. Ele olhava para todos os lados tentando analisar o local, como no sonho não deu tempo de ele entrar lá, não sabia muito que esperar – Queremos saber se é mal assombrada como dizem.

– É apenas uma lenda – disse Eleazar trazendo um bule de chá de porcelana, onde se via uma fumaça sair do bico, enchendo o local com um cheiro delicioso de canela. Ele colocou duas xícaras na mesinha e derramou um pouco de chá em cada uma – Falam que prenderam uma garota lá injustamente e que ela morreu, então seu espírito habita o lugar, cantando lindas melodias de noite.

– Por que ela foi presa injustamente? – perguntou Biene pegando uma xícara de chá e assoprando ela antes de tomar um gole.

– Não sei – disse ele dando de ombros – Quem sabe cometeu um simples delito como roubar algo ou quem sabe achavam que ela praticava magia. Não entendo muito essas coisas sobre igreja, mas quem sabe ela não a puniu?

– Matar bruxas não era algo tão comum no século XIX, tanto que em 1862 teve o lançamento do livro “A Feiticeira”, onde a autora explica sobre a sobrevivência dos cultos pagãos na Idade Média e Moderna. E a igreja não tinha tanta influência quanto antes.

– Ah... esqueci que você é professora de história – disse Eleazar piscando pasmo para Biene, depois se virando para Bill – E quem é você? Nunca o vi antes.

– Desculpe-me – disse Bill surpreso com a pergunta dele – Sou Bill Kaulitz, amigo do primo de Biene. Prometo que vou protegê-la o tempo todo.

Ele apenas olhou carrancudo para Bill e sumiu pelos quartos, talvez para procurar as lanternas. Biene continuou tomando seu chá em silêncio, sem conter o sorriso em seus lábios, pelo visto ela era uma das únicas que estava se divertindo, já que Bill continuava tenso como sempre. Ele começou a beber seu chá rapidamente, não queria fazer desfeita, ainda mais quando o avô de Biene não gostara muito dele.

– Aqui estão as lanternas – disse Eleazar trazendo duas grandes e colocando em cima da mesa. Depois olhando para a xícara vazia de Bill e Biene – Vamos ver o futuro de vocês.

Eleazar sentou-se em uma poltrona e olhou para o fundo da xícara aonde havia acumulado folhas de chá. Bill tentou olhar na dele para ver se identificava algo, mas para ele não havia nada demais.

– Há um circulo no seu. Significa amor, aliança. O círculo é um amor que roda sem nunca acabar – ele analisou a xícara por mais uns instantes, depois olhou na de Biene atentamente – Tem linhas curvas que significa que vai enfrentar dificuldades, não são coisas nada boas.

– Bem, acho que estou preparada para o que der e vier – disse Biene dando de ombros – Pelo menos o Bill se saiu melhor, tem amor no futuro dele!  E também perdão, afinal foi isso que eu vi nas borras de café, lembra que eu perguntei a você, Eleazar?

– Foi ele? – perguntou Eleazar olhando atônito para Bill – Muito estranho você, é meio complicado descobrir o seu futuro, é como tudo quisesse dizer mais coisas do que aparenta. E é bom que proteja Biene mesmo, se ela passar por dificuldades essa noite e você não socorrê-la, eu...

– Vovô! – gritou ela de repente, fazendo-o se assustar ao ouvi-la o chamando daquela forma – Nada de ruim vai acontecer e Bill não vai ter culpa nisso! Só vamos vasculhar a antiga prisão e ele é uma boa pessoa, eu acredito nisso.

Eleazar então ficou mais calmo de repente, talvez tudo começasse a se encaixar aos poucos. Lembrara-se da primeira vez que tinha visto Sabine, ela reclamava que não poderia mais fazer balé e levava suas sapatilhas para tudo que é lugar, até abandoná-las. A bailarina. Talvez o significado estivesse mais do que na cara.


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