Utopia escrita por dastysama


Capítulo 21
Capítulo 21 - A Musa




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O quarto tinha aquele cheiro de incenso, preenchendo os pulmões das pessoas com o aroma doce. O lugar parecia bastante quente, talvez por causa dos candelabros com velas que havia em vários móveis. Johanna estava sentada em um divã, com um casaco de pele de lebre, branco, envolvendo seu corpo, onde apenas se via seus ombros. Suas cascatas de cabelos negros pendiam de um lado enquanto seus olhos se fixaram em algo.

Will aparecera sorrateiramente ali, não queria incomodá-la, não quando percebeu do que se tratava. Havia um homem, não um amante, mas era um pintor. Ele olhava para Johanna e depois pincelava uma tela grande, onde do lugar onde Will estava, dava para ver que se tratava de um auto-retrato quase acabado. Ele podia estar meio bravo por o artista estar tão perto dela daquela forma, mas o jeito que ele pintava, com certeza era bastante digno.

Ele simplesmente decidiu que iria ficar ali, quieto, apenas observando. Não queria atrapalhar o pintor, muito menos Johanna que parecia um pouco tensa, mas tentava parecer impassível. Mas não importava o quanto o quadro chamava atenção, lá estava a verdadeira arte e nenhum pintor do mundo conseguiria recriar ela da forma perfeita como Will a olhava.

– O que você está fazendo aqui? – disse alguém puxando Will pelo ombro e o tirando dali enquanto sussurrava. Tratava-se de Jörg, que o olhava estupefato.

– Nada, realmente. Só queria ver Johanna...

– Olha aqui, você pode ser amigo de Thomas, mas eu não o conheço. Sei que você é um Baumgärtner e se tem alguma intenção com Johanna, sei que não é uma das melhores. Aquele dia que você ficou com ela no quarto, agradeço por ter o mínimo de condolência e não ter feito nada. Mas já é passado e não quero mais vê-lo com ela.

– Me desculpe, mas não pretendo fazer nada, além de que não tenho a mínima intenção de qualquer coisa que tenha a ver com uma prostituta – Will disse da forma mais cortante que pode, fazendo Jörg se encolher um pouco – Mas por que a protege tanto? Não vai me dizer que se apaixonou por ela?

– Por que ao contrário de vocês, aristocratas, eu levo em consideração a situação dela atual. Além do irmão dela ser meu melhor amigo, estou fazendo um favor a ele e jurei que não deixar ninguém tocar nela, isso inclui você. Então peço que se retire.

– E qual é a situação atual dela, então?

– Isso não o interessa, já falei para sair...

– Qual a situação dela? Só vou sair se me contar – Will disse decidido, mantendo seu olhar frio como sempre. Por mais que Jörg fosse mais forte que ele, Will ainda assim era bem mais alto. Seria uma briga daquelas.

– Ela não vive de heranças, tem contas e dívidas a pagar, e só conta com ela mesma e o irmão. Por isso estou os ajudando, entendeu?

– Quanto você quer pelo quadro? – Will disse apontando para a sala onde se encontrava Johanna – Quantos táleros você quer pelo quadro de Johanna? Eu pago e você dá metade para ela já que se importa tanto.

– O que? – Jörg exclamou pasmado – Você quer comprar o quadro? Por quê?

– Sim, eu quero. Eu lhe dou vinte mil táleros, assim você pode ajudar Johanna e seu amigo. Eu posso ser um Baumgärtner, mas sei quando uma dama precisa de ajuda e se você diz que não me importo, é por que não me conhece.

– Você falou que não tinha mínima intenção com ela, por que quer ajudá-la então?

– Por que uma vez uma mulher precisou da minha ajuda, mas eu não pude fazer nada – Will disse sentindo uma dor em seu âmago – Sei que não tenho nenhum laço afetivo com Johanna, mas nada me impede de ajudá-la. Ela não merece ficar em um lugar desses, Jörg. Eu conversei com ela, a garota é culta, não pode ficar presa a uma má reputação. Vou comprar o quadro e ajudá-la.

– Esses quadros não estão à venda por que ganhamos de pintores que ficam admirados pela beleza das mulheres daqui. Mas agora é uma situação totalmente diferente e eu aceito sua proposta, você pode comprar o quadro.

– Mas se eu não quiser? – uma voz fina soou pelo corredor e Will e Jörg se viraram. Lá estava Johanna em volta do casaco de pele de lebre, olhando fixamente para os dois com aqueles olhos inquisidores. Era como se aqueles imensos olhos pudessem saber o segredo mais profundo deles só com um vislumbre – Obrigada pela oferta, Will. Mas não quero viver de doações suas.

– Não são doações – Will disse surpreso e ao mesmo tempo furioso pela insolência dela. Ele estava sendo gentil e ela recusava sua gentileza? – Quero ajudá-la de verdade.

– Sério? Por que existem diversas mulheres aqui que precisam de muito mais ajuda que eu. Algumas são tratadas como objetos outras têm filhos pelo mundo que nunca vão descobrir quem é sua mãe, por que foram abandonados na porta de igrejas e orfanatos. Se quiser ajudar alguém, Senhor Baumgärtner, ajude alguma delas, não eu.

– Pensei que tinha problemas com dinheiro, não estou fazendo isso de mal grado nem com más intenções, eu...

– Posso ser uma prostituta, Senhor Baumgärtner, mas tenho honra o suficiente para não aceitar dinheiro por capricho seu. Eu sei que esse não é o melhor trabalho, mas é o mínimo que posso fazer por mim e minha família e já fico feliz por conseguir o pouco que ganho. Não quero seu dó, afinal por mais que pareça que não estou bem, fico suficientemente feliz por estar viva e com saúde.

– Santa insolência! A senhorita deve ter um sério problema – Will disse a olhando desdenhosamente como sempre fazia quando tentava mostrar quem realmente estava no poder – Não estou aqui te ajudando por achá-la uma pobre coitada, estou garantindo uma vida melhor para você e ao seu irmão. Você não merece ficar nesse lugar.

– Talvez Senhor, se você se importasse mais com sua vida e o que você tem a sua volta, já estaria me ajudando de alguma forma. Não vou ganhar esse dinheiro que não mereço, se quiser comprar o quadro, compre, mas pague para o pintor. Ele que ficou horas a fio se dedicando, eu apenas fiquei parada. E saiba que já sofri assédios antes e não preciso de alguém para me proteger, sei me virar muito bem sozinha.

– Um obrigado seria muito mais gratificante, mas pelo visto você se daria muito bem com aquele homem. Claro que conseguiria escapar dele, eu estava vendo o quão competente você estava sendo – ele disse sarcasticamente – Pouco me importa a opinião de uma garota como você, vou comprar o quadro sim, se quiser ficar com o dinheiro, fique. Jörg, me traga o quadro.

– O que? – Jörg exclamou, sem saber o que fazer quando Will se direcionou a ele.

– Traga o quadro agora, vou comprá-lo. Se quiser dê o dinheiro ao pintor, fique com você, distribua na rua. Eu não dou à mínima.

Jörg não sabia se fazia o que ele mandava ou o colocava para fora. Mas contrariar um Baumgärtner era praticamente morrer, eles sempre foram ferozes e vingativos, não iam aceitar uma desavença. Então apenas foi em direção ao quarto onde Johanna estava para pegar o quadro e entregar nas mãos daquele cruel homem.

Enquanto isso, Will apenas se encostou à parede de braços cruzados, olhando para Johanna, que lançava olhares tão cortantes quanto o dele. Pelo visto ela não havia gostado nada do que ele fizera, na verdade, talvez ela nunca fosse aprovar nada que Will fizesse só por que sua reputação de aristocrata não era das melhores. Talvez isso viesse dos seus descendentes Húngaros, já tinha ouvido falar que eles eram um pouco homicidas. Talvez só um pouco.

– Por que quer comprar o quadro? – Johanna perguntou, se aproximando dele estupefata – Por que insiste nessa ideia imbecil?

– Será que se eu dissesse que sou um apreciador da arte, você acreditaria? – Will disse levantando a sobrancelha, olhando de forma divertida para ela, como se estivesse realmente gostando de irritá-la.

– Um apreciador de arte? Está comprando um quadro de uma meretriz, para mim isso não é arte.

– É verdade – ele disse dando de ombros – A verdadeira arte está na minha frente, não há detalhes no quadro que façam jus a verdadeira musa inspiradora. Apenas me deixe ter um pouco dos resquícios de sua companhia, mesmo que sejam na forma de um quadro.

Um lampejo passou pelos olhos acinzentados dela, enquanto ambos sentiam a proximidade um do outro, como se a distância que os separassem estava cada vez menor. Will tirou uma mecha que caia sobre o rosto de Johanna e colocou atrás de sua orelha, enquanto descia sua mão pelo pescoço dela até sua clavícula provocando uma série de arrepios nela.

– Aqui está! – Jörg disse aparecendo do nada, deixando os dois sobressaltados – Coloquei em uma caixa por que ainda está secando. Além de que talvez você não queria chamar atenção.

– Obrigado – Will disse pegando a caixa enorme e fina, e logo em seguida tirando um saquinho do seu paletó – Acho que aqui tem vinte mil táleres. Fique com eles.

– Mas isso é muito...

Antes que Jörg pudesse terminar a frase, Will já tinha ido.


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