Linha Tênue escrita por Senhorita Amabel


Capítulo 1
Prólogo: Olhos Vermelhos




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Uma lágrima caiu, sozinha, e tão logo caiu, misturou-se ao lamaceiro de sangue e vômito em que Mikoto estava afogada; deixada à deriva após todas suas forças serem drenadas, os dedos se mantinham cravados contra si mesma num esforço para que as entranhas não fugissem pelo ventre aberto. O instinto de gritar por ajuda fora há muito sobrepujado pelo de estender sua vida ao máximo. 

Ao silvar do vento contra os contêineres, redemoinhos de terra e pó dançavam ante a luz da lua e penetravam seus pulmões tal qual brisa lúgubre que se impregnava em suas vísceras e destruía os órgãos um a um, desenrolando os atos de uma tragédia que se moviam para um clímax dramático.

Agarrando as entranhas com mais força, Mikoto já não sabia se os calafrios em seus ossos eram de frio ou medo, nem se o raspar do cascalho era das pedrinhas rolando ao efeito dos redemoinhos ou os passos do diabo que se movia lânguido em seu palco preenchido de sombras. 

Outra lágrima escorreu. As rachaduras e cortes em sua boca impediam-na de mover os lábios, inundando o paladar com sabor metálico que mais faziam alimentar lágrimas que turvaram sua visão.  

Tudo era vermelho. Duas manchas rubras rasgavam a noite, agarrando sua presa em um instante de silêncio absoluto que mais parecia uma eternidade.

— Eu sabia que você não poderia me derrotar, mas isso é muito pior do que eu esperava, terceira categoria.

Mikoto, afogada no lamaceiro, era incapaz de saber se ouvira de fato ou imaginara. Diante da incerteza, o instinto brotou outra vez, puxando para fora um grito que veio ao mundo como um gemido estrangulado, perdido em algum lugar entre o sangue e o ácido gástrico escorrendo pelo canto dos lábios.

— Agora, como eu deveria te matar? Te deixar aqui e esperar você morrer parece um saco. Mas você não vai ser capaz de atirar uma daquelas Railgun de novo. Oh, já sei, já sei.

Os olhos vermelhos sumiram e por um momento Mikoto quase sorriu aliviada, como se recebesse a benção dos céus que ela sequer acreditava.

A fantasia, contudo, morreu ao rugir do metal que apagou todas as cores do mundo.


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