Contagem regressiva para o fim do mundo escrita por elda


Capítulo 1
único




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Certa vez li um livro escrito por um indígena, nele ele contava sobre a preocupação do homem branco com a sustentabilidade do meio ambiente e de como achava isso engraçado, porque, pra ele, era como se finalmente o homem branco encarasse o fim iminente da sua raça, enquanto para os indígenas tal catástrofe se resumiria em um só dia qualquer; mais um dia na sua luta diária em se manter vivo, sobrevivente, como sempre fez desde o contato com o homem branco. 

Estávamos perto das férias do outono e já imaginava meu dia a dia sem a escola, imaginava cortando a grama de um jardim de alguém pra ganhar alguns trocados. Não é que eu goste de trabalhar ou precise de dinheiro, mas desde que minha cidade entrou em estado de sítio, não temos nada para fazer. Não há música, nem televisão. Não há vida noturna por causa do toque de recolher, e nem vida diurna porque há militares em todos os lugares. 

Nessa cidade não sentimos solidão, porque você nunca está sozinho. Mas isso não é num sentido bom. Contudo, após as aulas, Sanji me convenceu a desrespeitar o toque de recolher e fomos até um templo xintoísta que ficava no alto da cidade. Lá de cima vimos nossa cidade e um frio tomou o meu peito. Era tão pequena... eu pensei que nem precisaria de ataques aéreos para exterminá-la. 

Lembrei-me do livro, enquanto tentava controlar minha ansiedade e, como se tivesse percebido algo de errado em mim, Sanji me chamou. Eu olhei para ele: estava já com o cigarro aceso e sorria serenamente. 

— Você parece um indígena. 

Acabei dizendo o que pensei. 

— Ham?! Onde? Eu sou loiro galego, seu doido. 

Eu ri e me debrucei no parapeito do desfiladeiro, o vento tocava meu rosto, era frio e eu pensava que logo tudo estaria coberto de neve. — Obrigado. 

Sanji se aproximou de mim. — De quê? 

— Por ser calmo. Eu fico calmo. 

Meu ombro ficou pesado, Sanji deixou sua mão nele. Eu virei o rosto para vê-lo mais uma vez: — Não tem medo? 

Ele encarava o horizonte, o vento frio desmanchava seus cabelos, ele molhou os lábios já sem o cigarro. — Não acho tão ruim, agora não desperdiço mais meu tempo... 

Pisquei os olhos. — Não desperdiça? Ainda faz sentido frequentar a escola? Você acha que temos futuro? 

— Essa parada de nos obrigarem a ir à escola é paradoxal mesmo. — Riu. — Mas, olha agora, estou passando o tempo com a pessoa que eu mais amo ao meu lado. 

Senti meu rosto esquentar, a mão de Sanji ainda estava no meu ombro. 

— E pode ter certeza que isso vai acabar. — Completou. 

Nós ficamos em silêncio. 

— Sobrancelhas, não parta antes de mim. 


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