Homem-Aranha - Um rosado dia dos namorados escrita por Lino Linadoon


Capítulo 1
Um presente


Notas iniciais do capítulo

OK, explicando essa merda:
?” Originalmente feito para ser postado no dia de São Valentim, aka o dia dos namorados americano.
?” por algum motivo eu escrevi em português, então faz mais sentido postar hoje.
?” como a história acontece nos EUA, ela acontece no dia de São Valentim.
?” sim isso é tudo confuso, não, eu não ligo. Planejando traduzir.



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Dia de São Valentim.

   Curt não ligava para aquele dia, a última vez que ele o tinha celebrado tinha sido alguns anos atrás, quando ainda estava casado com sua ex. Com o passar do tempo, aquele se tornou mais um dia sem importância que passava ignorado enquanto o doutor se focava em sua vida e em seu trabalho.

   Ou pelo menos as coisas eram assim, até o Homem-Aranha aparecer.

   Honestamente, Curt nunca pretendeu se envolver com o vigilante mascarado, ele nem sequer morava no estado ou na cidade em que o herói residia na época! Mas certas “coisas” acabaram acontecendo - mais precisamente, uma experiência científica mal fadada - e desde então Connors acabou conhecendo o Homem-Aranha bem mais do que ele esperava conhecer. Ele sempre seria grato pelo que o herói fez por ele, salvando tanto a ele quanto o resto do mundo do Lagarto - ou, em outras palavras, dele mesmo - e prometeu sempre ajudar o herói caso ele precisasse de alguma coisa.

   Ele não estava esperando um dia cumprir tal promessa, mas cada vez que o Homem-Aranha visitava seu apartamento, Curt se sentia obrigado a fazer tudo em seu alcance para ajudar o herói. 

   No começo o Homem-Aranha só aparecia quando precisava fazer uso dos conhecimentos no campo de estudo do doutor, até um dia fatídico em que o vigilante entrou cambaleante por uma das janelas do escritório de Curt, quase incapaz de ficar em pé, coberto de sangue e precisando de sérios cuidados médicos, algo com o que Curt podia ajudá-lo - mesmo que pouco - graças à seu velho trabalho como cirurgião.

   Desde então se tornou comum ter o Homem-Aranha no laboratório pessoal de Connors sempre que o herói precisava de ajuda com alguns ferimentos sérios e, embora o doutor tenha se sentido um pouco nervoso de tê-lo ali a princípio, ele acabou se acostumando a ter o vigilante por perto.

   Com o passar do tempo, as visitas do herói começaram a se tornar mais frequentes, até mesmo quando ele não tinha machucados para serem tratados, parando só para trocar um simples “olá” e “como vai você?” com o doutor antes de seguir em seu caminho; embora algumas vezes ele ficasse ali por algumas horas, com os dois conversando até altas horas da noite.

   Curt apreciava a presença do Homem-aranha.

   Ainda que ele admita que o vigilante pode ser bem irritante de vez em quando - houve tantos momentos em que tudo o que Connors queria era chutá-lo para fora de seu apartamento - mas, na maior parte das vezes, ele não se incomodava em tê-lo ali. O Homem-Aranha parecia ser uma boa pessoa, alguém que queria ajudar e que sempre parecia colocar o bem dos outros acima do seu próprio bem, o que era algo admirável; e tão admirável quanto aquilo, era a inteligência que ele demonstrava, a julgar pelas coisas que sabia e tinha a dizer.

   O Homem-Aranha era um mistério… Connors vez ou outra se perguntava como ele tinha desenvolvido uma amizade tão boa com aquele homem, cujo nome verdadeiro ele ainda desconhecia. Ele era uma criatura curiosa e Curt se sentia cada vez mais curioso quando aprendia algo novo sobre ele.

   Havia pouco que o doutor sabia sobre o Homem-Aranha além de sua missão heróica. É claro que o vigilante tinha uma vida civil e uma identidade por trás da máscara, algo que ele ocasionalmente mencionava, sempre tomando cuidado para não deixar escapar qualquer coisa que o identificasse. Tudo o que Curt sabia era que ele ainda estudava e fazia uns bicos por aí; ele nem sequer sabia a idade do herói, embora acreditasse que ele devia estar em seus vinte anos, a julgar pelo modo como agia e falava, além de estar na universidade - ainda assim, a estatura surpreendentemente baixa do rapaz ainda fazia o doutor pensar.

   Curt às vezes se sentia desconfortável ao pensar que sabia tão pouco sobre seu amigo. Os dois já se conheciam há quase cinco anos e, ainda assim, Connors nem sabia qual era o nome real daquele homem, ou sequer tinha visto sua face.

   Curt tinha pensado várias vezes em quem devia estar atrás da máscara, mas ele tentava não falar sobre aquilo. Ele sabia que o Homem-Aranha tinha bons motivos para manter seus segredos, tanto para proteger a si mesmo quanto a outros.

   No final das contas, aquilo não era de sua conta, ele tinha sua própria vida para cuidar, assim como o outro. 

   O que era claro hoje mais do que em qualquer outro momento, uma vez que Connors não tinha visto o Homem-Aranha naquele dia, quatorze de Fevereiro.

   Ele não sabia se o Homem-Aranha tinha alguém especial, então não podia ter certeza de que ele estava aproveitando o dia ou se estava ocupado com alguma outra coisa, talvez projetos universitários ou seu trabalho como vigilante. Curt não se impediu de rir ao pensar que o herói mascarado, talvez, estivesse passando aquele dia fazendo o mesmo que ele: trabalhando.

   Até que…

   Ele ouviu um leve batucar já bem conhecido na janela e se virou, vendo um borrão azul e vermelho pulando para longe. 

   Curt sorriu. 

   Lá estava o Homem-Aranha, parando para dar um “oi” - sempre que estava ocupado demais, mas se encontrava naquela área, o herói batucava os dedos no vidro de uma das janelas, acenando para o doutor quando era visto e então continuando em seu caminho sem dizer coisa alguma.

   Connors estava prestes a voltar para seu trabalho quando notou algo preso no vidro.

   Curt se aproximou e riu ao ver o que era. Ele abriu a janela e pegou o que tinha sido deixado ali, a teia arrebentou com facilidade, claramente feita para ser delicada o bastante para que o doutor não demorasse muito com ela.

   Ele examinou o que o Homem-Aranha tinha deixado para ele. Um buquê - se é que podia ser chamado daquilo - de três gladiolos e uma caixa no formato de um coração - ele não precisava de um doutorado para saber que ela escondia bombons - e, preso à ele, estava um cartão.

   Curt o abriu, arrebentando alguns dos fios delicados de teia, e leu:

Eu sei que você não liga para esse dia, mas você totalmente merece algo especial. Feliz Dia de São Valentim! Te amo, doutor!

   Curt encarou as últimas palavras.

   Agora, essa não era a primeira vez que o Homem-Aranha trazia presentes para o doutor. O primeiro tinha sido um presente de Natal no mesmo ano que o herói tinha aparecido no apartamento de Curt com a perna cortada e sangrando, cerca de três anos atrás. Numa noite fria, o herói simplesmente apareceu, lhe desejou um “feliz natal” enquanto entregava o embrulho e se lançou janela afora. Quando Connors abriu o presente, ele encontrou um livro que tinha mencionado para o outro um certo dia.

   Nos Natais seguintes, o Homem-Aranha voltou a aparecer com presentes e Connors reciprocou o gesto cada vez, já tendo uma boa ideia dos interesses do vigilante graças à suas conversas. E Curt não ficou nada surpreso quando começou a receber presentes também na data do seu aniversário - algo que, infelizmente, ele não podia retribuir, por causa da confidencialidade do outro.

   Curt tinha se acostumado tanto com aquilo, que ele nem achou estranho quando Homem-Aranha lhe trouxe algo no dia de São Valentim - embora o herói tivesse demorado duas semanas para entregar o presente devido a alguns vilões causando confusão naquele mês.

   Mas não tinha sido exatamente uma surpresa, Curt tinha que admitir. Homem-Aranha tinha mencionado o dia antes do fim de Janeiro daquele ano, perguntando ao doutor se ele iria passar o dia com alguém; a pergunta foi repentina e Curt sentiu seu coração apertar levemente ao pensar em Martha, então tudo o que ele fez foi repetir a pergunta para o herói, que só deu de ombros, dizendo que não tinha certeza. Connors não pensou muito no assunto, embora memórias do passado tivessem retornado, até o herói aparecer em seu laboratório com uma pequena caixa de chocolates.

   “Olha, eu só achei que você merecia algo do tipo.” Ele disse, soando nervoso - Curt tinha aprendido já bem cedo que o herói tinha uma personalidade mais modesta do que a que ele mostrava para o resto da cidade. “Como agradecimento, sabe? Por tudo.”

   Curt aceitou a caixa - algo pequeno, claramente barato - e agradeceu, decididamente dizendo que só ficaria com o presente se o outro aceitasse comer alguns chocolates também. O Homem-Aranha parecia feliz com tal acordo, embora tivesse protestado porque “não, é um presente pra você, doutor, não, eu não deveria”. Essa tinha sido a terceira vez que Curt tinha visto a parte inferior do rosto do Homem-Aranha. Ele definitivamente parecia jovem, mas não muito.

   Connors não estava esperando mais um presente esse ano, mas cá estava ele segurando outra caixa de chocolates. Mas dessa vez não era só uma caixinha barata que carregava consigo uma mensagem de “obrigado”, mas uma caixa de bombons em formato de coração, um pequeno punhado de flores e um cartão. Um cartão que dizia “te amo”.

   O Homem-Aranha gostava de deixar mensagens, ele era conhecido por suas notinhas - o departamento de polícia de Nova Iorque com certeza devia ter uma pilha de notas dizendo “cortesia do seu amigo da vizinhança, o Homem Aranha” em algum lugar. O herói ocasionalmente deixava notas quando o doutor não estava em casa, quando ele trazia alguma coisa para o doutor dar uma olhada, e, algumas vezes, deixava uma nota sem nenhuma importância só porque ele podia. Ele tinha um celular e podia muito bem mandar uma mensagem, mas pelo jeito era difícil perder o hábito de deixar post-its em tudo quanto é lugar.

   E Curt já tinha ouvido o Homem-Aranha dizer “eu te amo” algumas vezes, mas não de modo sério. Como num dia em que, depois de desmaiar por perda de sangue e ser cuidado pelo doutor enquanto estava apagado, Homem-Aranha acordou com o cheiro da comida que Curt tinha preparado e disse com uma risada “ah, eu te amo, doutor”. Curt riu, gentilmente tocando o ombro não machucado do herói antes de o deixar comer em paz. De vez em quando Homem-Aranha dizia aquilo quando Curt fazia algo por ele, mesmo depois dele dizer que não era necessário, e o doutor sabia que aquela era só uma expressão exagerada de gratidão, que não devia ser levada à sério.

   Mas isso parecia ser algo completamente diferente.

   Talvez porque era Dia de São Valentim, talvez fosse por causa das flores, ou a caixa em formato de coração, mas aquele “te amo” parecia ser muito mais do que só um modo exagerado de dizer “obrigado”. Era como se ele realmente quisesse dizer…

   Não, não, com certeza não era isso. É claro que não! Curt estava pensando demais nisso. Como se o Homem-Aranha fosse ter algum interesse nele daquele modo!

   Mas, ainda assim, Curt se pegou pensando, em como o herói deixava presentes para ele e as mensagens que vinham com eles. Normalmente o Homem-Aranha parava para conversar antes de entregar o presente e finalmente continuar em seu caminho. E, de fato, cada conversa acabava meio sem jeito, mas era compreensível, especialmente na última vez que o herói tinha deixado um presente num dia normalmente reservado para namorados e amantes.

   Será…? Seria isso o que o Homem-Aranha queria demonstrar com aqueles presentes?

   Connors se lembrava de um dia, há algum tempo atrás, em que os dois estavam conversando sobre temas variados, quando relacionamentos românticos acabaram sendo abordados. O Homem-Aranha se tornou acanhado e nervoso ao falar daquilo, admitindo de modo tímido, mas com confiança na aceitação do doutor, que ele tinha interesse tanto em homens quanto mulheres, e que estava interessado no momento em alguém: um homem.

   Teria Curt sido cego aos sentimentos do outro em relação a ele?

   Não, aquilo era ridículo. E de qualquer modo, o Homem-Aranha sempre deixava presentes em outros dias, por que aquilo seria especial?

   Mas e se fosse especial…?

   Curt não sabia o que pensar.

   Homem-Aranha… Gostava dele. Bem, isso já era claro fazia alguns anos, mas gostar dele daquele modo…?

   Curt não tinha problema em saber que um homem tinha interesse nele, não, seria hipocrisia de sua parte se sentir assim sendo ele mesmo bisexual - uma faceta sua que ele demorou muito em aceitar, e cuja nomenclatura ele usou pela primeira vez para se descrever durante a conversa com o Homem-Aranha, tanto que ele ainda não estava acostumado a usá-la.

   Não, o que realmente soava como loucura para Connors era pensar que o Homem-Aranha estava interessado nele .

   Por que…?

   Curt não era exatamente o tipo de pessoa que chamava a atenção, antes de conhecer Martha ele nunca sequer tinha namorado. E depois de perder seu braço… Bem, podemos dizer que a confiança em seu valor se tornou ainda menor que antes.

   Homem-Aranha era claramente um rapaz jovem, por que ele iria se interessar por um homem divorciado com mais de quarenta anos? Honestamente, ele nem gostava de pensar naquilo…

   Ao invés disso, Curt se pegou perguntando se ele gostava do outro daquele modo…?

   Bem…

   Ele corou levemente, pensando em como se sentia culpado cada vez que via o rapaz sem a camisa do uniforme, tendo de forçar seus olhos a desviar quando eles se encontravam encarando os músculos do herói por tempo demais. Era um fato facilmente aceito por todos que viam Homem-Aranha com sua roupa apertada que ele era fisicamente atraente.

   Mas Curt conhecia o Homem-Aranha melhor que o resto das pessoas que viam o herói à distância. Ele podia não saber o nome verdadeiro ou o rosto por trás da máscara, mas Curt já sabia que, embora o Homem-Aranha pudesse ser bem teimoso, arrogante e egoísta de vez em quando, ele também era uma pessoa gentil, que gostava de ajudar aos outros e não gostava de tomar muito espaço quando possível.

   Ele era inteligente e divertido - sim, Curt tinha de admitir que estava desenvolvendo um tipo de afeto pelas piadas sem graça do herói - e ele sempre tinha algo para perguntar e ouvia as palavras do doutor com tremenda atenção. Connors gostava de ter o Homem-Aranha por perto, ele apreciava a personalidade do vigilante tanto quanto sua aparência - ou pelo menos o pouco que Connors já tinha visto.

   Mas nada disso tinha significado romântico, não, é claro que não. Depois de tanto tempo, era de se esperar que os dois se dessem bem, que um gostasse da presença do outro. Não é?

   O Homem-Aranha tinha virado a vida de Curt de ponta cabeça, mas não de um modo ruim… Tudo bem, talvez um pouco… Mas depois de tanto tempo, o que Curt mais sentia em relação ao herói era gratidão. Ele tinha perdido as contas de quantas vezes o Homem-Aranha tinha prontamente se apresentado para ajudá-lo, sejá lá o que for o problema; não só o curar daquela maldição que ainda corria por suas veias graças à suas próprias ações, mas também coisas menores que qualquer outra pessoa poderia tê-lo ajudado; além de coisas maiores, como quando um antigo colega de trabalho, Dr. Stegron, conseguiu colocar as mãos em sua pesquisa. Não importava o que fosse, Homem-Aranha sempre estava pronto para ajudar.

   Pensando desse modo, todas as interações com o herói ganharam uma nova conotação que ele nunca sequer tinha cogitado antes… E, sim, ele tinha que admitir que se sentia um tanto lisonjeado em pensar que Homem-Aranha teria interesse nele, mas…

   Não, não, Curt estava sendo bobo. Era tudo um mal-entendido, só podia ser isso. Ele estava colocando motivo onde não havia nenhum a não ser o de fazer algo especial para o dia!

   Connors suspirou.

   Depois de Martha ele nunca mais procurou se aventurar em relações românticas - fora que não era exatamente fácil namorar com sua idade… Era tudo o que ele mais precisava: ter uma crise no meio da semana. Ele quase se sentia como um adolescente bobo preocupado com interesses românticos! Por deus, ele era um homem de quarenta e três anos!

   Ainda assim, enquanto procurava um vaso livre para os gladíolos, Curt não conseguiu parar de pensar no que aquilo significava para o Homem-Aranha e o que tudo significava para ele mesmo.

—o-

   Um batucar familiar puxou o doutor de seus pensamentos.

   Curt respirou fundo e se virou para a conhecida figura azul e vermelha em sua janela.

   “Daê, doutor.” Homem-Aranha acenou casualmente.

   “Homem-Aranha.” Ele assentiu para o herói, que tomou aquilo como permissão para abrir a janela e deslizar para dentro do escritório.

   Curt notou o modo como Homem-Aranha inclinou a cabeça um pouco para o lado e ele não precisava ver os olhos do vigilante para saber que eles tinham focado no vaso com os três gladíolos que o doutor havia colocado em sua mesa. 

   “Gostou do presente?” Ele perguntou, tentando soar tão casual quanto antes, mas era claro que havia um ar tenso e nervoso tanto em sua voz quanto em sua postura.

   O doutor prestou atenção, examinando o Homem-Aranha como examinaria um microrganismo num microscópio. Ele não tinha parado de pensar tanto no presente quanto no herói desde aquela manhã, na motivação por trás de tudo, se a mensagem queria dizer mais do que podia parecer, e o que ele pensava - e sentia - sobre tudo aquilo.

   Depois de conhecer o Homem-Aranha por cinco anos, Connors tinha uma ideia de como ler o herói sem precisar vê-lo sem máscara - sem contar que ele era bem fisicamente expressivo, o que ajudava muito. Sim, havia muitos momentos em que ele desejava que o herói removesse a máscara para facilitar a vida dos dois, mas ele tinha se contentado com o que podia ver.

   Era claro que o herói estava nervoso de um modo que nunca esteve antes ao entregar um presente para o doutor, o que era interessante e - talvez - confirmasse que, de fato, havia algo mais por trás daquele gesto.

   Connors ainda não tinha chegado a uma decisão sobre seus sentimentos em relação ao herói, decidindo que ele precisava de mais tempo para ter certeza. Tempo e… Experimentação.

   “Gostei sim, obrigado.” Connors assentiu com um sorriso, sem desviar os olhos do vigilante. “Mesmo dizendo que não precisava…” Ele não conseguiu deixar de adicionar, como costumava fazer.

   O Homem-Aranha fez um movimento vago com a mão, soltando um baixo “psh” abafado pela máscara. Curt já tinha visto o herói fazer aquilo várias vezes, especialmente quando recebia algum tipo de elogio, seja para si mesmo ou para as coisas que fazia; e o doutor se pegou sorrindo diante da reação familiar.

   “Tá, e eu disse, doutor, que eu gosto de fazer isso.” Ele disse e então hesitou, como se não soubesse que palavras usar. “Uh… Pra mostrar, sabe, o quanto eu… Aprecio… O senhor…?” Ele terminou como se fosse uma pergunta, não uma afirmação, soando incerto.

   Curt também se sentiu incerto ao ouvir aquilo, mas ao mesmo tempo teve de segurar uma risada. “Apreciar”, era isso mesmo que o herói queria transparecer?

   “Eu aprecio você também, Homem-Aranha.” Ele disse em resposta e mais uma vez ele quis tanto poder ver o rosto do outro, saber o que se passava pela mente dele, só para poder entender se o modo como ele tinha assentido com a cabeça significava alguma coisa. “Eu tenho um presente também.” Ele mencionou, ainda sem tirar os olhos do herói.

   Se fosse possível, Curt acreditava que as lentes da máscara teriam se aberto mais após suas palavras, só pelo modo como o Homem-Aranha reagiu, ficando com a postura mais atenta.

   “O quê?” O vigilante disse e de repente seu corpo se encolheu um pouco, daquele jeito que costumava fazer quando estava nervoso ou envergonhado. “Doutor…”

   “Não ouse.” Connors interrompeu. Ele finalmente desviou os olhos do Homem-Aranha pegando a caixa que tinha deixado ao lado do vaso, só para ter certeza de que ele se lembraria de a entregar para o herói - não que ele esperasse esquecer. “Aqui.” Curt se levantou, estendendo a caixa de doces para o outro. “Eu acho que o Homem-Aranha também merece ‘algo especial’.”

   E ele estava falando a verdade. Cada dia que passava, Connors se perguntava como ele podia retribuir tudo o que o Homem-Aranha já tinha feito por ele. Céus, ele sabia que, se não fosse pelo vigilante, ele já estaria morto! E sim, ele já tinha tirado o Homem-Aranha de situações similares, mas nada parecia ser o bastante…

   O Homem-Aranha desviou as lentes do doutor para a caixa que ele segurava, sua postura ainda nervosa, ansiosa.

   “... Obrigado…” Ele disse por fim, tomando a caixa das mãos de Connors de modo lento, como se fosse a coisa mais delicada do mundo. E Curt notou como ele pareceu manter as mãos distantes das suas, como que com medo de tocá-lo.

   Isso não era exatamente algo que Connors estava esperando…

   Homem-Aranha examinou a caixa em suas mãos e por um momento Curt se sentiu um pouco envergonhado. Ele já sabia que o herói não tinha exatamente muito dinheiro para gastar - de acordo com o que ele tinha ouvido do próprio - mas ainda assim a marca dos bombom que ele tinha trazido para Connors não era de se ignorar. 

   “Eu não tive tempo para comprar algo melhor do que isso…” Ele começou a dizer, mas foi interrompido.

   “Ei, doutor, doce é doce.” E dessa vez ele soava mais como o Homem-Aranha que o resto da cidade conhecia, Curt podia até ouvir o sorriso em sua voz e não conseguiu deixar de sorrir também. “O que importa é a intenção, né?”

   “Sim…” O doutor assentiu. “É claro.”

   Sim, o que importava era a intenção. Então que significado realmente tinham as intenções do herói com aquela caixa de bombons, as flores e uma mensagem de amor…?

   “Aliás, então você já experimentou os seus? Eles são da mesma loja que eu comprei ano passado.” O Homem-Aranha perguntou. “Você disse que tinha gostado.”

   “Eu gostei.” Curt assentiu com um sorriso. Ele nunca foi um grande amante de doces, mas ele não era do tipo que ignoraria totalmente uma caixa de bombons, especialmente quando era um presente; ele só sabia que a caixa iria durar por um bom tempo em seu apartamento, então quem sabe ele poderia dividir mais com o rapaz, caso ele quisesse… “Caramelo?”

   “É, eu não sabia o que você iria preferir, mas é…”

   O Homem-Aranha abriu sua caixa de bombons, inclinando a base das costas contra a mesa do doutor como costumava fazer, antes de estender a caixa para o outro. Curt quis dizer não, mas ele sabia que o outro não iria aceitar aquilo como resposta, então pegou um dos pequenos bombons redondos, observando enquanto o Homem-Aranha erguia sua máscara até o nariz, antes de jogar um bombom na boca.

   Os dois comeram em um silêncio… Diferente.

   Não era desconfortável ou tenso, mas também não era o silêncio confortável que eles muitas vezes dividiam no escritório do doutor. Era como se cada um estivesse esperando que o outro falasse alguma coisa… E, honestamente, Connors queria falar, principalmente sobre tudo aquilo, para finalmente compreender a intenção do herói, e ter certeza de que ele não estava se iludindo ou exagerando as coisas.

   “Planejando passar o dia com alguém?” Curt finalmente perguntou.

   O Homem-Aranha parou de mastigar por um momento, demorando um pouco para responder.

   “De novo, a resposta é não.” Ele disse e riu levemente.

   “E aquele rapaz que você mencionou?” Curt persistiu, curioso para saber o que ele ia dizer. E ele não pôde deixar de se sentir um pouco ansioso ao pensar na resposta que receberia.

   “Ah.” O Homem-Aranha murmurou e Connors notou o rosado que tomou mais das bochechas pálidas dele. “Ah, você se lembra disso…?” O herói murmurou, sem parecer saber como reação àquilo. Mas então ele sorriu, um sorriso torto e que o doutor reconhecia como depreciativo. “Ha, não. Não acho que ele vai querer passar o dia comigo. Eu meio que já encho a bola dele o bastante todos os outros dias, sabe?” Ele deu de ombros, jogando mais um bombom na boca e falando de boca cheia: “Ele deve estar cansado de mim…”

   O olhar de Connors se suavizou.

   Se essa tal pessoa era ele, Curt não pôde deixar de se sentir ao mesmo tempo desapontado com o pensamento do rapaz, mas também sentia algo estranhamente reconfortante, sabendo que aquilo queria dizer, em poucas palavras, que ele queria passar tempo com Curt. Sim, às vezes ele se incomodava e se irritava com o herói, mas ele nunca afastaria o Homem-Aranha. Mas quem nunca se incomodava com um amigo ou com… Alguém que gostava…?

   “Eu duvido.” Connors se pegou dizendo.

   O Homem-Aranha parou de mastigar o bombom por um momento, erguendo os visores brancos para o doutor, antes de voltar a mastigar um pouco mais rápido.

   “Ha.” Ele soltou o ar em uma risada baixa que não parecia lá muito animada. “Eu acho que você não pode julgar esse tipo de coisa, doutor…” E então deu de ombros, antes de jogar outro bombom na boca.

   Curt sorriu um pouco com o tom do Homem-Aranha, era um tom que ele conhecia bem, depreciativo, que fingia ser bem humorado.

   Ainda assim, ele sentiu seu estômago cair. Talvez ele estivesse errado, talvez ele estivesse se iludindo com tudo aquilo. Era mais provável que o interesse de Homem-Aranha fosse outro homem, não ele.

   Os pensamentos de Connors foram interrompidos pelo som baixo do vigilante fez ao jogar mais um bombom na boca. Pelo jeito ele tinha escolhido bem o chocolate. O herói sorriu enquanto mastigava e Curt não pôde deixar de sorrir também.

   E ele notou a mancha de chocolate deixada no canto dos lábios desse…

   “Tem um…” Ele ergueu a mão, apertando o polegar no canto da boca do Homem-Aranha, aos poucos afastando a pequena mancha marrom de chocolate até a pele pálida do rapaz ficar limpa.

   Connors notou, imediatamente, o modo como o herói tinha congelado em baixo de seu toque, seu corpo de repente tenso como um elástico esticado ao ponto de arrebentar. E, embora ele não pudesse ver os olhos escondidos pelas lentes da máscara, ele sentia que eles estavam o encarando.

   Aquela reação queria dizer uma de duas coisas: ou que o toque era uma surpresa ou que não era bem vindo. Infelizmente, não havia muito que Connors pudesse ver para ajudá-lo a compreender qual era o mais possível; de qualquer modo, aquele canto de sua mente que dizia que ele estava se iludindo falou mais forte do que qualquer outra coisa.

   Ele afastou a mão, sem querer que o contato continuasse caso fosse a segunda opção.

   “Talvez você devesse sair e aproveitar o resto do dia.” Ele disse, sorrindo para o herói, estudando como este reagiu.

   O Homem-Aranha ficou calado por um momento, terminando de mastigar o que tinha na boca. E Curt notou como seu corpo ficou menos tenso, mas havia algo novo em sua postura agora, algo que quase parecia emanar… Decepção. Talvez frustração?

   Curt sentiu seu coração pular uma batida e se sentiu bobo por isso.

   “Difícil aproveitar sozinho.” O vigilante disse simplesmente, e seu tom era diferente, quase contrito e como se ele estivesse tentando dizer alguma coisa, mas sem saber que palavras usar.

   Como se estivesse pedindo alguma coisa para Connors.

   “É sim.” Curt assentiu.

   Mas Connors não sabia como responder àquele pedido.

   Houve uma pausa em que nenhum dos dois se moveu, até que o Homem-Aranha pegou outro bombom e o jogou na boca, mastigando silenciosamente de um modo quase resignado. Connors se sentiu perdido, sem saber o que fazer e se sentiu horrível por isso.

   “Ei, doutor…?”

   “Sim?” Connors perguntou, mas não recebeu resposta. O herói tinha desviado sua atenção para as janelas, a mão segurando a borda da máscara, ainda permitindo ao doutor ver metade do rosto dele; seus lábios estavam apertados em uma linha fina.

   Por um momento, Curt se perguntou se Homem-Aranha iria levantar a máscara completamente e ele se sentiu nervoso por algum motivo, como se ele fosse a pessoa prestes a revelar sua identidade.

   Mas nada aconteceu.

   “Homem-Aranha?” Ele chamou a atenção do mais novo.

   “Foi mal.” O vigilante falou, agindo como se nada tivesse acontecido. Ele ainda segurava a parte de baixo da máscara com uma mão quando se voltou para o doutor. “O dever chama.”

   Houve um silêncio curto entre os dois e Curt pôde ouvir o som distante de uma sirene policial.

   “É claro.” Connors assentiu, sorrindo para o outro. “Cuidado lá fora.”

   “Quando é que eu não tomo cuidado?” Homem-Aranha brincou e era possível ouvir o sorriso em sua voz.

   “Sem comentários.” O doutor disse simplesmente, feliz ao ouvir o outro rir. Uma risada de verdade dessa vez, nada envergonhada como as outras, e mais uma vez Curt notou como ele adorava aquele som.

   O Homem-Aranha se dirigiu até a janela, com o doutor o acompanhando, e lá ele se empoleirou, mas não saiu. Connors esperou pacientemente; ele não precisava ler a linguagem corporal do herói para saber que ele queria dizer ou fazer alguma coisa e por isso estava se demorando, então ele deu ao outro tempo e espaço para processar o que tinha em mente.

   Enquanto isso, ele tomou o momento para pensar também.

   Não, ele não tinha decidido como se sentia em relação ao herói, nem tinha certeza se queria se decidir tão cedo, especialmente sem saber se o Homem-Aranha realmente sentia alguma coisa para com ele além de amizade. Aquilo não era o tipo de coisa que se decidia em um dia, ele teria de pensar em remoer aqueles pensamentos por um tempo… Assim como o Homem-Aranha devia fazer.

   “Droga…” Ele sibilou baixinho, retirando o doutor de seus pensamentos. “Eu vou me arrepender disso.”

   “O quê?” Curt perguntou, sem entender o que o outro queria dizer.

   E então, sem dizer nada, o Homem-Aranha se inclinou para cima, se esticando para alcançar Connors, que era muito mais alto que ele, e diminuindo a distância entre os dois. E seus lábios se encontraram.

   Curt sentiu seu corpo inteiro parar e talvez seu cérebro também. E era como se um raio tivesse estralado por seu corpo.

   Os lábios do herói estavam um pouco rachados, talvez por causa do vento frio da estação, mas ainda eram suaves e tão delicados contra os lábios de Curt. Eles apertaram contra sua boca fechada de um modo sem jeito, mas decidido.

   O contato só durou por alguns segundos antes que o Homem-Aranha se afastasse.

   “Ah…” Ele murmurou, escondendo o rosto totalmente mais uma vez, mas não rápido o bastante para impedir o doutor de ver o vermelho que tinha colorido suas bochechas. “Feliz Dia de São Valentim, Curt!” E, dizendo aquilo, ele lançou uma teia para longe e se lançou para além da janela, desaparecendo ao longe, nada mais que um borrão azul e vermelho.

   Connors continuou ali, o vendo ir, ainda com a sensação daqueles lábios nos seus.


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