O Chofer do Apocalipse: Corrida Mortal escrita por Max Lake


Capítulo 3
O gato foi pego pela águia




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— Com licença, senhor Bone.

Gula, com um pacote de biscoito em mãos, interceptou Bone no pé da escada. O chofer do Apocalipse pensou em ignorá-la, mas era impossível com aquela carinha de criança órfã e perdida.

— O que foi?

— O gato foi pego pela águia.

— O quê?

Gula segurou a mão de Bone e o levou até a sala, onde encontrou a máscara da Peste pendurada na parede como um prêmio em exibição. No entanto, o gato, anteriormente deitado no sofá, havia desaparecido.

— Preguiça, o nosso gato. Ele foi pego pela águia. Você pode resgatar ele?

— Eu sou um chofer, não um resgatador de gatos — retrucou Bone.

Gula passou um papel para Bone, que o leu com certa surpresa. Era o mesmo bilhete passado por Eva e, entre os itens da Cidade dos Fantasmas e da Corrida Mortal, estava “Resgatar Preguiça das garras da águia” escrito em garranchos infantis.

— Nós te contratamos, então tem que realizar essas tarefas para ser recompensado, não é?

— Mas isso não estava aqui antes. Como você pegou isso de mim?

— Você deixou cair. Anda, vai resgatar o Preguiça!

Com um suspiro impaciente, Bone saiu da casa. A grande vantagem de estar no meio do nada era a possibilidade de ver todo o horizonte e, além da casa amarela dos Sete Pecados Capitais, uma árvore bem alta se fazia presente nas redondezas. Era possível vê-la mesmo a quilômetros de distância.

Seguiu até seu carro e, quando foi abrir a porta, percebeu Gula o acompanhando igual chiclete no sapato.

— Diacho, garota! Eu vou buscar seu gato!

— Eu vou também — disse ela, tranquila.

— Não precisa…

De pé junto e mãos na cintura, Gula gritou, quase cuspindo os grãos do biscoito:

— Como você vai resgatar o Preguiça? É só um esqueleto, nem tem asas! Eu posso e vou ajudar!

Sem permissão, Gula entrou no carro e pôs o cinto de segurança. Se tivesse olhos, Bone os reviraria agora. Sentou-se no banco do piloto.

Felizmente Gula era uma companhia silenciosa — apesar de estar mastigando alguma coisa, provavelmente outro biscoito — permitindo que Bone se perdesse em pensamentos. Sua memória viajou para a última edição da Corrida Mortal, cerca de 50 anos atrás.

Bone ainda cumpria os últimos anos de serviço para a Morte enquanto iniciava a carreira como chofer. Foi uma exigência da Morte que Bone fizesse parte de sua equipe como o piloto principal. Ele aceitou, mas com a condição de que sua dívida com a Madame Morte seria oficialmente perdoada. Como todas as opções de piloto eram inferiores ao Bone, ela aceitou.

A Corrida Mortal é um evento que ocorre a cada meio século em que os melhores e mais habilidosos pilotos do plano terrestre são desafiados numa corrida com armadilhas, obstáculos, trapaças, estratégias e nenhuma pausa para descanso. Vence aquele que cruzar o marco zero da Linha do Equador. Ganhar a última edição da Corrida Mortal rendeu a Bone o título de “O Melhor Piloto do Plano Terrestre” — posteriormente ele trocou ‘piloto’ por ‘chofer’, pois era bom para sua carreira.

— Senhor Bone.

A verdade era que Bone não tinha qualquer intenção de ‘defender’ o título de melhor piloto do plano terrestre. Por meio século os habitantes do que restou do planeta Terra já se acostumaram com o chofer do apocalipse como o melhor que existe, então não havia necessidade de ganhar outra vez. Ou será que havia?

— Senhor Bone, nós chegamos.

Bone continuou perdido em pensamentos e reflexões, só voltando à realidade quando Gula puxou o freio de mão, forçando a parada do carro. O susto foi enorme.

— Que diacho! Não toque no freio de mão enquanto dirijo, pirralha! — repreendeu Bone.

— Me desculpa, mas você não me ouvia! — gritou de volta, então apontou para frente. — Você ia bater de frente para a árvore!

Era um exagero. O melhor chofer do plano terrestre dirigia quase no automático, desviando de obstáculos sem perceber. Mesmo assim, Bone estava distraído e pensativo, ela tinha um motivo para puxar o freio de mão. Odiava dar razão aos outros.

— Tá! Desce e vai salvar o Preguiça!

— Melhor tirar o carro de perto. E vir pegar o Preguiça quando ele cair — avisou Gula ao sair do veículo.

Bone tinha uma leve impressão do que ela iria fazer. Deu a ré com o carro, deixando-o a uma distância que considerou segura, e caminhou de volta à árvore. Cruzou os braços enquanto Gula analisava o tronco.

— Vai fazer o que estou pensando?

— Não sei o que está pensando — retrucou ela.

“Touché”, pensou o esqueleto.

Bone observou em silêncio Gula abrindo a boca de dente de tubarão e, numa abocanhada só, devorar uma parte do tronco. Escalou a árvore à medida que devorava mais alguns pedaços. O chofer do apocalipse não estava impressionado — no mundo em que vivia, isso era só mais uma terça-feira comum.

A árvore começou a se inclinar mais para a esquerda, na mesma direção em que quase deixou seu carro estacionado. “A pestinha tava certa”, pensou Bone. Enquanto a velocidade de queda aumentou, Bone localizou Gula enfrentando uma águia que segurava um gato. A águia voou para fora da árvore carregando Gula na garra destra e Preguiça na garra canhota.

— Madeira! — gritou Bone ao ver a árvore beijando o chão. Passou por cima do tronco e acompanhou a sombra da águia com os dois ‘passageiros’ até que ela pousou perto do carro.

— Obrigada, dona águia — agradeceu Gula, segurando Preguiça que continuava dormindo. A águia fez um barulho e alçou voo outra vez. Gula virou-se para Bone. — Nos leve de volta, por favor.

— Sabe quantas árvores ainda existem no mundo? — perguntou Bone enquanto abria a porta de trás.

— Não sei. Sete? — arriscou ela, dando de ombros com total indiferença ao assunto.

— Se for, agora são seis.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! =)



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