O Chofer do Apocalipse: Corrida Mortal escrita por Max Lake
— Com licença, senhor Bone.
Gula, com um pacote de biscoito em mãos, interceptou Bone no pé da escada. O chofer do Apocalipse pensou em ignorá-la, mas era impossível com aquela carinha de criança órfã e perdida.
— O que foi?
— O gato foi pego pela águia.
— O quê?
Gula segurou a mão de Bone e o levou até a sala, onde encontrou a máscara da Peste pendurada na parede como um prêmio em exibição. No entanto, o gato, anteriormente deitado no sofá, havia desaparecido.
— Preguiça, o nosso gato. Ele foi pego pela águia. Você pode resgatar ele?
— Eu sou um chofer, não um resgatador de gatos — retrucou Bone.
Gula passou um papel para Bone, que o leu com certa surpresa. Era o mesmo bilhete passado por Eva e, entre os itens da Cidade dos Fantasmas e da Corrida Mortal, estava “Resgatar Preguiça das garras da águia” escrito em garranchos infantis.
— Nós te contratamos, então tem que realizar essas tarefas para ser recompensado, não é?
— Mas isso não estava aqui antes. Como você pegou isso de mim?
— Você deixou cair. Anda, vai resgatar o Preguiça!
Com um suspiro impaciente, Bone saiu da casa. A grande vantagem de estar no meio do nada era a possibilidade de ver todo o horizonte e, além da casa amarela dos Sete Pecados Capitais, uma árvore bem alta se fazia presente nas redondezas. Era possível vê-la mesmo a quilômetros de distância.
Seguiu até seu carro e, quando foi abrir a porta, percebeu Gula o acompanhando igual chiclete no sapato.
— Diacho, garota! Eu vou buscar seu gato!
— Eu vou também — disse ela, tranquila.
— Não precisa…
De pé junto e mãos na cintura, Gula gritou, quase cuspindo os grãos do biscoito:
— Como você vai resgatar o Preguiça? É só um esqueleto, nem tem asas! Eu posso e vou ajudar!
Sem permissão, Gula entrou no carro e pôs o cinto de segurança. Se tivesse olhos, Bone os reviraria agora. Sentou-se no banco do piloto.
Felizmente Gula era uma companhia silenciosa — apesar de estar mastigando alguma coisa, provavelmente outro biscoito — permitindo que Bone se perdesse em pensamentos. Sua memória viajou para a última edição da Corrida Mortal, cerca de 50 anos atrás.
Bone ainda cumpria os últimos anos de serviço para a Morte enquanto iniciava a carreira como chofer. Foi uma exigência da Morte que Bone fizesse parte de sua equipe como o piloto principal. Ele aceitou, mas com a condição de que sua dívida com a Madame Morte seria oficialmente perdoada. Como todas as opções de piloto eram inferiores ao Bone, ela aceitou.
A Corrida Mortal é um evento que ocorre a cada meio século em que os melhores e mais habilidosos pilotos do plano terrestre são desafiados numa corrida com armadilhas, obstáculos, trapaças, estratégias e nenhuma pausa para descanso. Vence aquele que cruzar o marco zero da Linha do Equador. Ganhar a última edição da Corrida Mortal rendeu a Bone o título de “O Melhor Piloto do Plano Terrestre” — posteriormente ele trocou ‘piloto’ por ‘chofer’, pois era bom para sua carreira.
— Senhor Bone.
A verdade era que Bone não tinha qualquer intenção de ‘defender’ o título de melhor piloto do plano terrestre. Por meio século os habitantes do que restou do planeta Terra já se acostumaram com o chofer do apocalipse como o melhor que existe, então não havia necessidade de ganhar outra vez. Ou será que havia?
— Senhor Bone, nós chegamos.
Bone continuou perdido em pensamentos e reflexões, só voltando à realidade quando Gula puxou o freio de mão, forçando a parada do carro. O susto foi enorme.
— Que diacho! Não toque no freio de mão enquanto dirijo, pirralha! — repreendeu Bone.
— Me desculpa, mas você não me ouvia! — gritou de volta, então apontou para frente. — Você ia bater de frente para a árvore!
Era um exagero. O melhor chofer do plano terrestre dirigia quase no automático, desviando de obstáculos sem perceber. Mesmo assim, Bone estava distraído e pensativo, ela tinha um motivo para puxar o freio de mão. Odiava dar razão aos outros.
— Tá! Desce e vai salvar o Preguiça!
— Melhor tirar o carro de perto. E vir pegar o Preguiça quando ele cair — avisou Gula ao sair do veículo.
Bone tinha uma leve impressão do que ela iria fazer. Deu a ré com o carro, deixando-o a uma distância que considerou segura, e caminhou de volta à árvore. Cruzou os braços enquanto Gula analisava o tronco.
— Vai fazer o que estou pensando?
— Não sei o que está pensando — retrucou ela.
“Touché”, pensou o esqueleto.
Bone observou em silêncio Gula abrindo a boca de dente de tubarão e, numa abocanhada só, devorar uma parte do tronco. Escalou a árvore à medida que devorava mais alguns pedaços. O chofer do apocalipse não estava impressionado — no mundo em que vivia, isso era só mais uma terça-feira comum.
A árvore começou a se inclinar mais para a esquerda, na mesma direção em que quase deixou seu carro estacionado. “A pestinha tava certa”, pensou Bone. Enquanto a velocidade de queda aumentou, Bone localizou Gula enfrentando uma águia que segurava um gato. A águia voou para fora da árvore carregando Gula na garra destra e Preguiça na garra canhota.
— Madeira! — gritou Bone ao ver a árvore beijando o chão. Passou por cima do tronco e acompanhou a sombra da águia com os dois ‘passageiros’ até que ela pousou perto do carro.
— Obrigada, dona águia — agradeceu Gula, segurando Preguiça que continuava dormindo. A águia fez um barulho e alçou voo outra vez. Gula virou-se para Bone. — Nos leve de volta, por favor.
— Sabe quantas árvores ainda existem no mundo? — perguntou Bone enquanto abria a porta de trás.
— Não sei. Sete? — arriscou ela, dando de ombros com total indiferença ao assunto.
— Se for, agora são seis.
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Espero que tenham gostado! =)