Eu acordei com o cantar dos passarinhos em minha janela, a noite anterior ainda era uma tormenta, embora não fosse a primeira vez em que eu passava por aquele tipo de situação com Roger, sempre que ele bebia ele invadia o meu quarto e aquilo estava se tornando algo rotineiro e eu tinha medo de algum dia tia Maeve não aparecesse.

Terminei minha higiene pessoal e após me vestir me preparei para o que viria, aquela seria mais uma daquelas manhãs onde o café da manhã seria algo indigesto, mesmo sendo preparado por mim.

Ao entrar na cozinha eu me deparei com o início do meu castigo, haviam louças sujas por todos os lados, suspirei iniciando a limpeza dos pratos enquanto preparava o café, não demorou para que os gritos de minha tia ecoassem pela casa.

— Elizabeth!

Maeve gritou repetidamente, organizei o café da manhã na bandeja e sai apressada da cozinha, eram raras as vezes que tia Maeve me chamava pelo meu nome, quando ela fazia isso era por que as coisas estavam bem piores do que já eram. Apesar de não haver diferença entre ser chamada de Liza ou Elizabeth se tratando dela.

Ao chegar na sala de jantar eu me aproximei da mesa onde minha tia e Mel estavam à minha espera – Porque tanta demora para se preparar um café da manhã? Perguntou Maeve.

— A cozinha estava desorganizada e...

— Se você gastasse seu tempo livre cuidando das suas obrigações ao invés de dar em cima dos maridos alheios não ficaria sobrecarregada – Disse minha prima.

Olhei para Mel e por um momento imaginei como seria se eu jogasse café quente sobre ela, mas me contive.

— Algum problema? Mel perguntou tomando um gole do seu café.

Neguei com a cabeça – Eu preciso ir comprar cerejas, o barco com frutas chega em alguns minutos e...

— Sim, eu já entendi – Maeve me interrompeu – Vamos receber a visita de um de meus sócios, é melhor que não esteja presente e espero que não apareça nas próximas quatro horas.

Eu assenti, como se eu tivesse interesse em conhecer os “sócios” da minha tia, embora eu sempre me perguntasse onde ela conseguia dinheiro para seu sustento e de Mel, seu marido era um alcoólatra que tudo que ganhava no local onde trabalhava gastava com bebidas e o que eu ganhava com a venda de compotas não era o suficiente para os gastos que ambas davam.

Não esperei minha tia terminar de falar e sai, era um alivio saber que eu teria quatros horas livre, eu aproveitaria esse tempo para falar com Katy, ela havia ido a Bruges há alguns dias atrás para pegar informações sobre o exame de admissão de bolsistas na Bruges Scholl, como em Fynn não havia escolas de ensino médio a maioria dos jovens faziam provas e se mudavam para Bruges e moravam na república da própria escola.

O sol estava começando a se erguer no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e rosa, enquanto eu caminhava descalça pela praia de Fynn. A areia ainda estava fresca sob meus pés, e o som das ondas batendo suavemente nas rochas era revigorante. Apesar de sonhar com Bruges, Fynn, sempre me proporcionou uma sensação de paz que eu não encontrava em nenhum outro lugar, embora eu não conhecesse nenhum outro lugar. O cheiro salgado do mar misturado com o aroma das flores silvestres da floresta próxima era inconfundível e me enchia de nostalgia.

Decidi pegar um atalho pela floresta em direção ao vilarejo vizinho, onde minha amiga Katy morava. As árvores altas e densas filtravam a luz do sol nascente, criando um jogo de sombras e luzes no chão coberto de folhas. O caminho era familiar, e eu seguia os trilhos de animais e as pedras marcadas pela passagem de gerações. Respirar o ar fresco da floresta, cheio do cheiro de terra molhada e folhagens, me revigorava.

Ao chegar à casa de Katy, fui recebida com um sorriso caloroso pela senhora Thorne, a mãe dela. Seus olhos brilhavam com uma bondade que sempre me fez sentir parte da família. - Liza, querida! Que bom te ver- Ela disse, abraçando-me com carinho. - Katy está no quarto dela, suba lá. Ela vai adorar a surpresa.

Subi as escadas de madeira que rangiam levemente sob meus pés, encontrando o quarto de Katy iluminado pela luz suave do sol da manhã. Ela estava sentada em sua cama, rodeada por livros e papéis. Ao me ver, um sorriso largo se abriu em seu rosto. - Liza! Que bom que você veio!

Katy me puxou para dentro do quarto, fechando a porta atrás de mim. Sentamo-nos na cama e ela começou a falar animadamente sobre Bruges. – Como foi a viagem a Bruges? Perguntei a ela, e seus olhos brilharam de entusiasmo.

Katy concordou com a cabeça dando um largo sorriso, era normal que estivesse encantada, era sua primeira viagem a aquela cidade- É uma cidade incrível, cheia de história e beleza. Mas não é só isso. Estive no  Bruges School.

A olhei curiosa – E então?

Ela então puxou duas fichas de inscrição de uma pasta e as mostrou para mim. - Olha só - Disse ela, sua voz cheia de expectativa. - Eu escrevi seu nome no exame de seleção da Bruges School. Sei que você deseja mais do que eu ir para Bruges. Além disso você tem tanto potencial.

Olhei para as fichas nas mãos dela, sentindo uma explosão de felicidade e surpresa. A ideia de ir para Bruges, de estudar em uma escola renomada, era algo que nunca tinha passado pela minha cabeça como realmente possível, era apenas um sonho. Mas agora, tudo parecia ao alcance.

— Katy! Você fez isso por mim?!" Gritei, pulando de felicidade. - Isso é incrível! Obrigada, Katy, - Sussurrei, com meus olhos marejados. - Eu nem sei o que dizer. Isso é incrível.

Ela sorriu, apertando minha mão. - Você merece isso, Liza. E eu estarei ao seu lado, não importa o que aconteça. - Ela disse animada, mas então, franziu a testa ligeiramente- Liza, tem uma coisa importante que precisamos lembrar. Sua tia, Maeve, jamais permitirá que você vá. Você sabe como ela é. Precisamos pensar em uma estratégia para que você possa viajar comigo para Bruges e fazer a prova.

Minha empolgação foi brevemente abafada pela lembrança de Maeve, ela jamais permitirá que eu saísse de Fynn muito menos para estudar.

Meu sorriso se desfez- Você tem razão, Katy. Mas não vou deixar que minha tia estrague minha felicidade, eu darei um jeito de ir para Bruges.

Katy concordou com a cabeça e me entregou a ficha de inscrição, olhei para a ficha e suspirei, eu passaria nesse exame e entraria na escola de Bruges, não importava o que eu tivesse de fazer, eu conseguiria.