O Ladrão de Nyhue escrita por Catarina de Oliveira


Capítulo 5
5. Blackfield




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Merikh, filho de Megaera.

Septuagésimo Oitavo Sol do Outono do Ciclo de 27 da Era das Espécies.

Blackfield - Extremo Norte do Velho Continente.

 

BLACKFIELD era praticamente uma segunda casa para Merikh. Conhecia cada uma de suas ruas e andava por elas sem medo, embora um lobisomem jamais fosse bem vistos em cidades grandes. Esperava-se que eles se mantivessem recolhidos nas florestas, indo a Blackfield apenas esporadicamente, geralmente em bando, para vender peles. Mas Merikh nunca trabalhou honestamente em toda sua vida.

Sua cabeça já estava latejando. Mavka não havia ficado nada feliz quando Merikh anunciou que ele e Celtigar iriam se encontrar com Haakon em Blackfield. Houve outra discussão com muitos gritos e Hessyah acabou separando a briga daquela vez, o que não foi nada bom, já que ela era consideravelmente menos paciente que Celtigar. Mas é claro, nenhuma das duas mulheres tinham nenhum poder de impedi-los de fazer exatamente o que quisessem.

O Mercado Central de Blackfield era relativamente grande para o Extremo Norte do Continente, uma praça circular extensa repleta de grandes mesas de madeiras com os mais diversos produtos expostos - peles, especiarias, panos coloridos, frutas e alguns tipos de carne. Também havia alguns estabelecimentos, pequenas casas de pedra, um pouco mais afastadas, comércios um pouco maiores como estalagens, tabernas ou botânicas. Precisaram andar um pouco antes de finalmente encontrarem Haakon sentado em cima de uma caixa de madeira relativamente grande, fumando seu cachimbo sem se preocupar com a fumaça densa e o seu cheiro forte.

— Achei que não viriam. — Haakon parecia aliviado e não poderia culpá-lo. Não era difícil concluir que o mais novo estava apavorado com a ideia de ir ao Mundo Inferior.

— Eu prometi que ouviria a proposta. — Merikh o lembrou. A palavra dele valia mais do que qualquer ouro no mundo, pelo menos para os seus amigos.

— É melhor que seja bom. — Celtigar o alertou com um rosnado, fazendo o mais novo engolir em seco.

Havia um bom motivo para que os dois mais velhos não deixassem Haakon responsável pelas negociações normalmente. Com seus setenta e dois Verões, seria considerado um filhote entre os lobisomens e o seu comportamento era exatamente o que se esperava de alguém que ainda não havia atingido a maturidade, muito mais impulsivo e inconsequente do que os mais velhos.

Celtigar era melhor em manter Haakon na linha, simplesmente porque o loiro não tinha nenhuma paciência para lidar com as irresponsabilidades do mais novo. Não foi apenas uma vez que Celtigar bateu em Haakon por conta de suas ideias absurdas e imprudentes e provavelmente ainda haveriam muitas outras vezes que aquilo aconteceria. Era um método de “educação” relativamente eficaz, uma vez que sempre que acontecia, ganhavam um grande período de paz sem ter que lidar com as imbecilidades do mais novo.

— Onde está o tal Draven? — Merikh perguntou, claramente incomodado.

— Às vezes ele demora. — Haakon suspirou, olhando para os lados nervosamente.

— Que ótimo. — Celtigar bufou, sentando-se no chão ao lado do amigo.

Merikh não gostava nem um pouco daquilo também. Preferia tratar de seus roubos de forma rápida e discreta e perder tempo esperando no centro de Blackfield era exatamente o oposto do seu conceito de ideal. Se já estava irritado quando saiu da cabana de Hessyah, agora seu humor tinha acabado de piorar, o que não era nada bom.

Felizmente, Haakon tinha consigo uma quantidade razoável de Erva dos Abismos, então os três permaneceram em silêncio, dividindo o cachimbo com o mais novo. Cada tragada era como um soco em seu pulmão e a fumaça não demorou a anuviar sua mente, relaxando seus músculos e o deixando um pouco menos irritado. Também ajudou Celtigar a controlar um pouco sua raiva, embora ainda desse alguns olhares atravessados para Haakon. Ainda assim, Merikh manteve seus olhos abertos até finalmente vê-lo.

Era impossível não reconhecer um Sacerdote da Morte. O homem tinha a aparência de um típico bruxo: a pele incrivelmente pálida, o porte esguio, os longos cabelos negros lisos e os olhos eram de um tom escuro de azul. O que realmente denunciava sua posição eram suas vestes: uma túnica negra de mangas longas e tecido pesado, simples, mas o bastante para fazer todos se afastarem dele conforme caminhava tão silenciosamente quanto sua Mestra. Ele se aproximou lentamente e parou bem na frente de Haakon:

— Trouxe amigos dessa vez?

— Nós não costumamos deixar um filhote ir ao Mundo Inferior sozinho. — Celtigar respondeu com um sorriso irônico, fazendo Haakon corar.

Merikh gostava de deixar Celtigar tomar a dianteira naquelas situações, porque o loiro era o mais ameaçador dos três. Como o esperado, a atenção do Sacerdote voltou-se imediatamente para o maior dos homens, medindo Celtigar de cima a baixo enquanto o líder do grupo aproveitava aquela oportunidade para ele mesmo avaliar o seu possível contratante, verificando se não havia armas escondidas ou algum sinal de emboscada. Quando finalmente decidiu ser seguro o bastante, limpou a garganta, fazendo o melhor amigo recuar.

— Merikh e Celtigar. — o moreno apresentou com a voz séria. — Algum problema com a nossa presença?

— Como devem saber, eu não sou o cliente, estou aqui apenas como um intermediário e para guiar o caminho. — Draven respondeu em um tom entediado, finalmente olhando para o moreno. — Vocês podem discutir esses detalhes diretamente com Caractacus.

Trocou um rápido olhar com Celtigar, que estava ligeiramente confuso com a nova informação, que Merikh omitiu de propósito - sabia que se falasse que iriam com um Guardião das Almas, o loiro teria arrebentado Haakon no momento em que o visse. No final das contas, a teoria que veio em sua mente no momento em que Haakon lhe contou sobre a estranheza daquele encontro era que para um Sacerdote da Morte aceitar a presença de dois desconhecidos de bom grado, o serviço seria pelo menos um pouco mais complicado do que um simples roubo, e queria descobrir o que seria.

Em silêncio, o pequeno grupo seguiu pelas ruas, afastando-se do centro de Blackfield e indo em direção a Floresta de Ryuk. Aquilo não animou em nada Merikh e Celtigar. Era de conhecimento geral que a Floresta de  Ryuk pertencia a Tribo de Mohan e a última coisa que precisavam era de um conflito em território alheio, aquilo certamente faria Chefe Chafyr os decapitar.

Mas Draven não parecia preocupado: nenhum lobisomem jamais ousaria atacar um Sacerdote da Morte. Racionalmente, não havia motivos para achar que algo daria errado, mas os três ladrões já haviam aprendido a esperar pelo pior. Quando se estava realizando atividades ilícitas, nada era realmente seguro.

Quando entraram na Floresta de Ryuk, viu pelo canto do olho Celtigar segurando o cabo de seu machado, ainda preso em seu cinto. Merikh ficou um pouco mais tranquilo, finalmente se concentrando no caminho que Draven fazia. Ryuk não era muito diferente do Bosque de Lehoy, onde a Tribo de Nyhue ficava. As árvores eram incrivelmente altas, agora com poucas folhas em seus galhos, o chão repleto de folhagem alaranjada seca e ossos de animais.

Finalmente, chegaram até uma parede de pedras grandes e cinzentas, estranhamente abandonada no meio do nada e coberta por musgos. Draven sacou um punhal e, antes que Celtigar pudesse reagir, o Sacerdote cortou a palma de sua mão e deixou o sangue escorrer e pingar na maior de todas as pedras.

— O preço é o sangue de um Sacerdote? — Merikh não conseguiu evitar a curiosidade.

— O preço é sangue. — Draven respondeu calmamente, com um sorriso gélido.

Fazia sentido, apesar de parecer muito simples para a entrada do Mundo Inferior, mas era fácil concluir que a parte mais difícil seria sair de lá. Afinal, o local era conhecido por ser o mais seguro de todos, fortemente guardado por magia antiga, almas que eram capazes de enlouquecer os vivos e o pior de tudo: Sacerdotes da Morte e Guardiões das Almas, que eram praticamente invencíveis. Afinal, ambos eram formas de sacerdócio por punição, pessoas tão horríveis quando vivas que foram proibidos de morrer. Caso feridos mortalmente, simplesmente reviveriam e como forma de castigo por terem se deixado abater, deveriam matar o seu algoz antes do próximo pôr-do-sol, caso contrário, morreriam novamente do mesmo modo e renasceriam, em um ciclo quase eterno.

Divita era conhecida por ser uma Deusa extremamente cruel e impiedosa e estavam prestes a entrar em seu território. O trio de ladrões poderiam apenas rezar para terem a sorte de ser alguns dos poucos vivos que tiveram o privilégio de entrar e sair de seu reino sem morrer.


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