O Ladrão de Nyhue escrita por Catarina de Oliveira


Capítulo 3
3. O Elfo Fronteiriço


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, pessoal! Espero que gostem do capítulo!



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Celtigar, filho de Hessyah.

Septuagésima Sétima Lua do Outono do Ciclo de 27 da Era das Espécies.

O Elfo Fronteiriço — fronteira entre a Tribo de Nyhue e a cidade de Blackfield, Extremo Norte do Velho Continente.

 

SOM de música alta e desafinada competindo com os burburinhos pelo salão amplo, cheiro de bebida e diferentes tipos de tabacos e ervas. Era assim como “casa” soava para Celtigar, uma vez que desde filhote foi criado acompanhando a mãe no O Elfo Fronteiriço quando não estava junto a Dorfaren em suas caçadas. E por mais que no começo todos tenham zombado da ideia de uma taverna dentro de uma Tribo licantropa gerenciada por uma elfa, não contavam com o toque mágico de Hessyah: como tudo que sua mãe fazia, deu muito certo.

Era para lá que a maior parte dos foras-da-lei das cidades próximas - Blackfield, Kroburg e Phego - iam quando queriam algo além de bebida. Prostitutas também preferiam marcar seus encontros ali, uma vez que Hessyah fornecia algumas acomodações modestas no andar superior e jamais permitiria que uma mulher fosse machucada sob seu teto, e a elfa era influente e respeitada para conseguir garantir aquilo. Ladrões dos mais diversos tipos e alguns mercenários também iam para lá em busca de novos trabalhos e aqueles que procuravam serviços ilegais na região sabiam exatamente onde encontrá-los.

Não era estranho pensar que os maiores criminosos da Tribo de Nyhue praticamente cresceram lá e nem era preciso perguntar onde aprenderam a maior parte de seus truques. No início, eram apenas dois filhotes tentando se encaixar no meio do submundo das fronteiras da época. Agora, apesar de serem ainda muito jovens, eram figuras particularmente respeitadas naquela taverna, principalmente porque aquele era o território deles.

E Merikh parecia especialmente sombrio naquele Luar. Sua pele parecia mais pálida do que o comum, ressaltando as olheiras profundas que já se destacavam por causa da tinta negra que costumava usar ao redor dos olhos. Seu cabelo negro repleto de suor estava penteado para trás, quase se unindo a grossa capa de urso-negro que usava e que dava a impressão de ser continuada pelas tiras de peles da mesma espécie atadas em seu braços, pernas e tronco. Era por inteiro um homem da Linhagem da Lua, aquilo era inegável.

— Fiquei sabendo das novidades. — uma voz masculina comentou e o loiro se virou apenas para se deparar com uma figura muito conhecida. — Vão ficar por um tempo?

Haakon, do Clã Vidar era um velho amigo dos dois. Fruto da traição de uma elfa com um bruxo, foi criado como bastardo em uma família de elfos de baixo poder aquisitivo que moravam do lado de Blackfield da fronteira. Ele era o terceiro elemento de seu pequeno grupo, o mais novo entre eles, e costumava participar da maior parte de seus roubos. Precisava admitir que Haakon era muito mais ágil que eles, embora suas habilidades com a Magia Elemental ainda precisassem ser aprimoradas.

Era um homem um pouco mais baixo que Merikh e ainda mais esguio, com o corpo quase delicado apesar de seus músculos serem maiores do que a maioria dos elfos. Tinha longos cabelos azuis-escuros raspados do lado quase à moda lobisomem, arrumados em três tranças grossas presos por uma tira de couro. Seus grandes olhos eram decorados pela mesma tinta negra que Merikh usava ao redor dos olhos, de forma ainda mais chamativa, e usava roupas simples de algodão grosso tingidas de marrom escuro.

— Sim, pelo menos até o filhote de Merikh nascer. — Celtigar respondeu com um sorriso leve, estendendo os braços para dar um rápido abraço no recém-chegado.

— Eu os avisei que ficar tão próximo ao centro da Tribo não era uma boa ideia. — Haakon insistiu em lembrá-los do óbvio. — Ele está bem?

Celtigar revirou os olhos, preferindo ignorar o lembrete do mais novo. Não era como se não soubessem de todos os pontos negativos de ficar na cabana de Ulke, discutiram aquilo longamente antes de tomarem aquela decisão. Havia um bom motivo para que Hessyah tenha preferido criar seu filho longe dos demais lobisomens, a elfa sabia exatamente como feiticeiros eram tratados naquele meio e a escolha que tinham feito por um modo de vida basicamente ilegal apenas pioravam as coisas. Era por isso que Merikh havia praticamente se mudado para a cabana de Hessyah após completar a maioridade.

Além disso, no centro da Tribo não tinham muitas opções de roubo para que realizassem. Não havia serviços encomendados, ninguém precisava de um mercenário ou de um ladrão. Precisavam se contentar com pequenos furtos aleatórios que davam pouco lucro e cujo risco era elevado demais para valer a pena. Mas Merikh tentou dar a Mavka uma gravidez digna dentro de suas possibilidades, tentou fazer com que sua esposa tivesse o acompanhamento das Sacerdotisas da Lua, conforme mandava a tradição. É claro, foi inútil: nenhum deles esperava que aquelas que supostamente serviam à Deusa Mãe dos Monstros iriam simplesmente desprezar uma gestante por ser casada com um fora-da-lei.

Ele está apenas um pouco dolorido, mas não perdeu a sua audição. — Merikh respondeu, virando-se para os dois amigos com a expressão fechada.

— E continua mal-humorado como sempre, parece até que já se recuperou. — Haakon riu, ignorando o perigo de provocar o humor instável do moreno e encostou-se no balcão, fazendo um gesto para Hessyah para pedir o seu costumeiro aguardente com uma dose generosa de mel. — O que seria bom, porque vou ver um trabalho amanhã e poderia usar de alguma ajuda.

— Trabalho para quem? — Celtigar apressou-se em perguntar, sabendo muito bem que as ideias do mais novo eram quase sempre descabidas.

— Sacerdote Draven. — Haakon revelou cautelosamente, suas sobrancelhas finas se franzindo de maneira quase culpada.

— Sabe muito bem que odeio trabalhar para Sacerdotes. — Merikh deu um suspiro pesado, mas ainda sem recuar completamente. Apesar de seus ideais, infelizmente aqueles costumavam ser os roubos que mais pagavam. — Onde vai ser o encontro?

— No Mundo Inferior. — Haakon murmurou em voz baixa, seus grandes olhos negros encarando o chão para tentar desviar da reação chocada de seus amigos antes de tentar se justificar, passando a mão nervosamente pelos longos cabelos azuis-escuros. — Eles pagam bem.

Alguns segundos de silêncio se seguiram após a revelação enquanto os dois mais velhos tentavam absorver a informação que foi atirada para eles sem maiores explicações. A cidade de Blackfield não era conhecida por eles apenas pela grande quantidade de trabalho que conseguiam, mas também por abrigar ainda alguns portais para outras dimensões. Eram mais comuns na Era dos Deuses, estavam quase inutilizadas agora, mas ainda existiam e eram utilizadas principalmente pelos Sacerdotes.

— Você está trabalhando para a Morte? — Celtigar sussurrou alarmado, puxando com certa violência o mais novo pelo tecido grosso de seu casaco, o trazendo para longe de qualquer ouvido curioso que poderia ter por perto. — Desde quando?

— Mais ou menos desde quando vocês foram para o centro da Tribo. — Haakon revelou, dando um longo gole em seu aguardente com mel antes de reunir coragem para falar novamente, enquanto o loiro se continha para não socá-lo. Era isso que dava deixar aquele imbecil sem supervisão, devia ter imaginado que ele se meteria em alguma encrenca grande. — Como eu disse, eles pagam bem. E os trabalhos nunca são tão complicados assim.

A questão não era nem o serviço ser ou não complicado, roubos em geral eram fáceis para pessoas como eles. O cerne do problema era que negociar com os Deuses nunca era algo cem por cento seguro e de todas as divindades que Haakon podia escolher se meter, ele tinha de decidir se envolver justo com a Morte. Divita, a Deusa da Morte e Senhora do Mundo Inferior, era conhecida por ser extremamente ardilosa e seus Sacerdotes não eram nada diferentes.

— A minha vontade é inscrever você na Jaula para enfrentar Celtigar. — Merikh bufou, massageando as próprias têmporas e o loiro precisava admitir que a ideia de encher Haakon de porrada era extremamente tentadora naquele momento. — Eu vou ouvir a proposta, mas não garanto aceitar. E é melhor você começar a rezar desde já para que esse serviço seja bom.

— Se vocês dois vão se meter nessa merda, eu fico na obrigação de ir também. — Celtigar suspirou.

É claro, ele achava uma burrice sem tamanho aceitar trabalhar para a Morte, mas Merikh e Haakon eram mais do que seus amigos, eram seus irmãos. Era um laço que ia além do sangue que compartilhavam, estava ligado aos laços de lealdade que formaram ao longo da vida e não iria deixá-los se meter em uma enrascada sozinhos. Era contra sua natureza abandonar os seus.

— Vai começar. — Hessyah aproximou-se do trio com um olhar desconfiado, apontando para uma porta coberta por uma grossa cortina encardida. — Vocês dois vão ficar nas apostas, rapazes?

— Claro que eu vou, Celtigar vai entrar. — Haakon confirmou com um sorriso, esfregando as mãos animadamente. — É dinheiro fácil.

Revirou os olhos, mas obrigou-se a manter sua expressão relaxada o bastante para que sua mãe não desconfiasse o tamanho da enrascada em que estava se metendo. No final das contas, as coisas voltaram à ilegalidade e perigo habitual mais rápido do que imaginava e não queria nem pensar em qual seria a reação de Mavka ao descobrir que não só estavam planejando ir ao Mundo Inferior como considerando trabalhar justamente para Morte de forma clandestina.

De qualquer forma, poderia se consolar ao deixar toda sua raiva e violência escaparem na Jaula. Certamente, deixar alguns bastardos sem dentes deixaria o seu humor muito melhor e se Haakon desse sorte, cansado demais para fazer o mesmo com o amigo.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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