O Ladrão de Nyhue escrita por Catarina de Oliveira


Capítulo 2
2. A Cabana da Elfa


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, pessoal!
Espero que gostem do segundo capítulo e de saberem mais sobre o universo de Zhivot.



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Celtigar, filho de Hessyah.

Septuagésimo Sétimo Entardecer do Ciclo de 27 da Era das Espécies.

Tribo de Nyhue - Extremo Norte do Velho Continente.

 

O caminho para a cabana de Hessyah foi longo e silencioso, como já se tinha tornado quase uma rotina desde que Merikh e Mavka se casaram. Celtigar assumiu a responsabilidade de ajudar Merikh a andar, lhe dando o suporte necessário para que ele se arrastasse enquanto o moreno tentava andar sem deixar muitos gemidos de dor escaparem, sem muito sucesso. A cabana da mãe de Celtigar ficava bem afastada do centro da Tribo, no meio do caminho entre Nyhue e a cidade de Blackfield. Ninguém entre os lobisomens costumava andar por aquele lado - bom, quase ninguém - embora Hessyah transitasse livremente pela Tribo.

Mavka fez questão de deixar o seu descontentamento bastante claro, permanecendo com a expressão fechada durante todo o trajeto, mas pelo menos fez o favor de permanecer quieta. O humor de Merikh, que em situações normais já não era dos melhores, costumava ficar muito pior depois dele ser açoitado e a última coisa que precisavam era de mais uma briga de casal para lhes atrasar.

A cabana de Hessyah era muito diferente das cabanas dos lobisomens. Também era feita de madeira, mas era um pouco mais alta e se parecia mais com uma pequena casa do que o formato triangular comum entre os licantropos. As paredes externas eram decoradas por plantas que subiam até o teto, com diversas flores vermelhas e roxas que pareciam nunca morrer, deixando-a sempre colorida e lembrando um padrão de fogo. A porta de entrada era coberta por vários fios de contas das mesmas cores e Mavka fez o favor de afastá-los para que Celtigar pudesse entrar com Merikh.

As paredes internas eram cobertas por diferentes tipos de peles de animais, a moda lobisomem. Era um único cômodo, bastante amplo, e havia uma cama baixa de madeira em um canto, recheada por palhas e cobertores de lã. No canto, três esteiras enroladas junto a um monte de peles de ursos. No centro, Hessyah estava sentada em uma grande almofada roxa desbotada, ao lado de uma mesinha circular baixa com um bule de chá ainda fumegante. Hessyah era uma mulher baixa com longos cabelos vermelhos-arroxeados e porte esguio, com belas orelhas finas, longas e pontudas de uma elfa. Diferente das fêmeas lobisomens, não se vestia com peles e sim com um grosso vestido vermelho gasto, que cobria seu corpo inteiro e era largo o bastante para não marcar sua magreza.

— Já conseguiram irritar o velho Chafyr? — Hessyah questionou com uma sobrancelha levantada, sem parecer surpresa com as condições que Merikh se encontrava.

— É uma longa história, mamãe. — Celtigar suspirou, não querendo entrar em detalhes para não arriscar despertar a fúria do melhor amigo. — Você pode olhar as costas dele?

Embora Mavka já tivesse feito um curativo, estava longe de ter as habilidades curandeiras de Hessyah. A elfa era bastante velha e sábia e era comum que tratasse os ferimentos deles quando eram pegos em suas ilegalidades costumeiras e graças às suas mãos quase mágicas, nenhum deles jamais ficou com graves sequelas das punições físicas que enfrentavam.

— Coloque-o deitado de bruços na minha cama e tire as peles dele. — Hessyah ordenou em um tom entediado, sendo prontamente obedecido.

Sem perder tempo, ela acendeu a pequena fogueira que mantinha próxima a entrada, colocando água para ferver em um pequeno caldeirão que já estava abastecido, quase como se já esperasse alguma encrenca vinda dos dois - e provavelmente, já esperava mesmo. Com sua conhecida rapidez, cortou uma boa quantidade de uma erva verde e mal-cheirosa que cultivava no teto de sua cabana e misturou-a com a água, adicionando também algumas flores roxas e amarelas secas que retirou de um pote de vidro. Também colocou um líquido avermelhado mais grosso que mantinha em um pequeno frasco, mexendo a mistura com uma colher de pau até a água evaporar, deixando para trás uma pasta muito pegajosa em um tom vermelho-escuro.

Enquanto Hessyah preparava o emplastro, Celtigar ajudou Merikh a se deitar, retirando as peles que o melhor amigo usava e desenrolando as ataduras de suas costas. Depois, usou um pano um pouco mais macio para limpar o unguento improvisado que ele e Mavka haviam passado para estancar o sangramento, fingindo não ouvir os grunhidos de dor animalescos que o amigo soltava no processo.

— É melhor deixar essas feridas respirarem um pouco enquanto o emplastro esfria. — Hessyah orientou, parecendo cansada, voltando a se sentar em sua almofada.

— Obrigado, mamãe. — Celtigar agradeceu com um sorriso fraco, voltando a se sentar ao lado da elfa.

— Devo presumir que vão ficar aqui por um tempo? — Hessyah perguntou, embora a resposta fosse óbvia. Não é como se pudessem ficar no centro da Tribo por muito tempo sem arrumar maiores confusões, como o mais recente episódio provava.

— Talvez até o filhote nascer. — Celtigar informou, tentando organizar a bagunça que tinha se tornado sua vida desde que a esposa do melhor amigo engravidou. — As coisas estão ficando tensas no centro da Tribo.

— Como sempre para vocês dois. — Hessyah observou, certeira como sempre.

Não tinha muito como contestar aquilo. As coisas nunca foram fáceis para foras-da-lei nas Tribos licantropas. O comportamento que tinham como estilo de vida era uma afronta direta aos conceitos de honra que praticamente definiram os lobisomens e a forma como viviam desde que foram criados - não era a toa que a maioria deles era aleijada ou morta em pouco tempo, raramente chegando a idade adulta.

— De qualquer forma, posso usar da ajuda de vocês dois na Jaula. — Hessyah prosseguiu com um suspiro pesado. Como de costume, sua ajuda nunca viria sem um custo.

A elfa pegou a mistura avermelhada que agora estava um pouco mais fria e começou a espalhar uma grossa camada nas costas de Merikh, que agora soltava suspiros de alívio. Aquela já era uma cena corriqueira entre eles e Celtigar sabia por experiência própria que aquele emplastro tinha propriedades anestésicas e causa uma sensação quase prazerosa quando colocadas sobre feridas de chibata. Hessyah tomou o seu tempo para cobrir meticulosamente todas as feridas do moreno e depois, enrolou as antigas ataduras em seu tronco.

Celtigar continuou sentado, apenas observando a mãe trabalhar enquanto organizava os seus pensamentos. Agora que estavam de volta à cabana de Hessyah, sabia muito bem que precisaria assumir certas responsabilidades e era melhor que fizesse aquilo antes de ser cobrado. Nem os cuidados nem o teto sob a cabeça do pequeno trio seria de graça, elfos não eram guiados pelo mesmo sentimento de família que licantropos, principalmente quando se tratava de sua mãe. Era todo um jogo de interesses, no final das contas, e estava acostumado com aquilo. Afinal, foi daquele modo que foi criado.

— Eu vou para Jaula este Luar. — Celtigar anunciou, percebendo pelo brilho no olhar da mãe que era exatamente aquilo que ela queria. — Merikh ainda não está bem o bastante para lutar.

— Vou com você, então. — Merikh decidiu, levantando-se devagar da pequena cama. Ele também conhecia a elfa bem o suficiente que deveria o fazer antes de ser expulso. — Se você vai para a Jaula, eu vou ficar nas apostas.

— É claro que você vai. — Mavka bufou irritada, saindo da cabana antes que seu esposo tivesse a oportunidade de responder, mas isso não impediu que o loiro visse a carranca se formando no rosto do melhor amigo.

— Deixa que eu resolvo isso. — Celtigar interferiu rapidamente, sabendo melhor do que deixar Hessyah ver uma briga entre eles. Se sua mãe tivesse que se meter, não iria ser nada bonito.

O relacionamento de ambos sempre foi conturbado e desde que Mavka engravidou, o que os dois mais faziam era brigar. Celtigar já tinha perdido a conta de quantos rompantes de raiva por parte de Merikh havia presenciado nas últimas Luas e sua cabeça latejava só de se lembrar dos mais acalorados. Se fosse para ser sincero, não diria que seu melhor amigo estava preparado para ser pai, mas já era tarde demais para levantar essa questão. O filhote já estava no ventre da ruiva e iria vir ao mundo quando estivesse pronto e agora teriam que lidar com aquilo.

Encontrou Mavka sentada em uma grande pedra próxima a cabana, acariciando sua barriga com um semblante entristecido. O coração de Celtigar se apertou ao ver a cena. A bem verdade, tinha pena da mulher. Mavka tinha sido criada quase como uma princesa e tinha uma alma muito boa, certamente merecia mais do que a vida que vinha levando ao lado de Merikh. Ao mesmo tempo, não tinha muito o que pudesse fazer. Tinha certeza que se a ruiva pedisse o divórcio, Chafyr receberia a ela e ao filhote de braços abertos, mas a questão é que ela não queria. Tão doentio quanto o amor de Merikh por Mavka era o amor de Mavka por Merikh.

— Você não devia provocar Merikh desse jeito. — Celtigar comentou em tom de aviso. — Sabe que nunca termina bem.

— Não é como se eu fizesse de propósito. — Mavka protestou, irritada. — Que droga, eu estou grávida! Qual a dificuldade de passar os Sóis comigo e ir caçar na Lua alta?

Aquela era a rotina de todo homem honesto da Tribo de Nyhue. “Homem honesto” - aquele era um rótulo no qual nem Celtigar nem Merikh se enquadravam. O loiro ainda tentou por um tempo, é verdade. Ele queria dar orgulho a Dorfaren, mas era inútil. Sua natureza de feiticeiro sempre o levou para marginalidade e quando finalmente encontrou Merikh, desistiu de vez de qualquer pingo de honra e honestidade que ainda poderia carregar e não se arrependia daquilo nem por um único segundo.

— Você não se casou com um caçador, Mavka. — Celtigar a lembrou duramente. — O que você esperava? Que ele se enfiasse na mata todo Luar e passasse os Sóis curtindo peles?

Era ridículo apenas tentar imaginar Merikh naquela situação, para não dizer impossível. Mavka deu um suspiro pesado, desviando o olhar e permanecendo quieta. No fim das contas, ela sabia que Celtigar não estava mentindo: ela sabia exatamente onde estava se metendo quando se casou com Merikh e a grande verdade é que tinha querido pagar para ver. E agora, tinha que encarar as consequências.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! ♥



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