Não me deixe escrita por Tenebris
Tão logo Tobirama desceu do ônibus sentiu o frio cortante de novembro atingi-lo. O céu estava claro, com nuvens esparsas deslizando lentamente para o oeste. Em breve o inverno cravaria suas garras na cidade, cobrindo tudo com um tapete branco escorregadio.
O ajudante do motorista o acompanhou, esfregando as mãos enluvadas, e abriu o compartimento de bagagens. O homem entrou no espaço sombrio, guiando-se com uma lanterna de bolso, e perguntou seu número de identificação, conferindo as etiquetas das malas. A busca não demorou muito.
Tobirama se dirigiu ao ponto de táxi mais próximo. Sentia uma náusea incômoda, talvez resultado da longa viagem ou, mais provável, fosse a ansiedade exibindo sua cara feia novamente. Se as circunstâncias fossem outras ele iria para um hotel ou qualquer outro lugar… menos aquela casa.
Encontrar um táxi foi fácil; difícil foi ignorar os olhares curiosos quando informou o endereço desejado. Sabia o que pensavam: “você não tem cara de que mora num lugar desses”. O sentimento de inadequação piorava à medida que o carro atravessava o bairro nobre. As dúvidas e medos ficaram ainda piores quando o carro parou diante das altas grades de ferro dos portões.
— Chegamos. — o taxista anunciou.
Tobirama desceu do carro, recebeu suas malas, pagou a corrida e esperou o veículo sumir de vista antes de se aproximar dos muros altos. Não queria ser visto caso o expulsassem sem nem ao menos abrirem os portões.
Jogou a bolsa de viagem sobre o ombro, ajustando as alças da mala transversal, antes de encarar o interfone. Era impossível não o terem visto chegar, havia câmeras de segurança em ambos os lados dos portões e outras tantas ao longo do muro de pedra.
Tobirama respirou fundo e pressionou o botão da campainha. Uma pequena luz vermelha acendeu.
— Sim? — uma voz formal, um tanto ausente, respondeu. Provavelmente um dos empregados.
Tobirama engoliu em seco, empurrando a voz através do nó em sua garganta.
— Sou Tobirama Senju. Gostaria de falar com Butsuma. — explicou.
Não ousou chamá-lo de “pai”. Como poderia chamar assim uma pessoa que não olhou para o próprio filho após o divórcio? Fazia dez anos que não se encontravam e chamá-lo de qualquer outra maneira que não pelo nome parecia estranho.
Houve uma pausa do outro lado.
A luz vermelha no interfone apagou.
Tobirama recuou um pouco, estudando os portões de ferro negro. Através das grades podia ver os jardins com suas cercas-vivas, árvores ornamentais e a fonte rodeada por cascalho. Lembrava-se de brincar com Hashirama, correndo até ficarem sem fôlego ou até um deles cair de cara na grama macia. Era um pouco intimidante perceber que o espaço imenso do jardim não era uma ilusão infantil.
Os portões abriram, silenciosos e elegantes, perfeitamente oleados. Tobirama franziu as sobrancelhas. Notou que a luz vermelha do interfone acendeu novamente.
— Entre, por favor. — a voz instruiu, desta vez com leve cortesia.
Com as mãos travadas nas alças das bolsas, ele marchou pela trilha de cascalho e tentou trabalhar no apelo que vinha ensaiando há semanas. Não pretendia contar ao pai o verdadeiro motivo de sua visita — em sua opinião, era um assunto pessoal e não dizia respeito à ninguém alḿ dele, seu médico e Sarutobi Sasuke — e esperava que o homem aceitasse recebê-lo por alguns dias e nada mais.
Seus pensamentos tiveram uma parada abrupta quando avistou balanços e escorregadores, bolas de futebol e carrinhos de brinquedo. Ele quase se esquecera de que agora tinha irmãos mais novos.
A atual esposa de seu pai, Ayame, parecia gentil e amável nas fotos em que aparecia. O tipo de mulher que amava estar próxima aos filhos, ao invés de deixá-los aos cuidados de babás e secretárias. O primeiro filho deles, Kawarama, parecia ter uns nove anos de idade e o segundo, Itama, devia estar completando oito. Pelas suas contas — e pelo que encontrou nas redes sociais — Ayame entrara na vida de Butsuma aproximadamente um ano após o divórcio ser finalizado.
Desviou o olhar, de repente muito concentrado em ouvir o som do cascalho sob seus tênis.
Hashirama terminara recentemente a faculdade de administração e basicamente assumiria o lugar de Butsuma na empresa. Era o que todos diziam e esperavam. Também havia comentários alegres sobre como Hashirama deveria encontrar uma noiva e providenciar herdeiros para levar o nome e os negócios da família quando Butsuma oficialmente se afastasse do trabalho.
Uma história perfeita.
Um ciclo completo.
Um quadro bonito onde Tobirama era apenas um borrão indistinto no plano de fundo.
O desconforto se tornou um mal-estar generalizado. Ele se sentia fisicamente doente a cada passo que dava, a náusea enviava uma camada de suor frio à sua testa e seus lábios formigavam.
É a ansiedade falando alto. Ignore, ordenou a si mesmo. Encontrou alguns chicletes no bolso da calça e escolheu um tablete de hortelã com menta, esperando que o sabor forte o distraísse de todo o resto.
Subiu os degraus da entrada.
A porta de carvalho continuava tão grande e sólida como costumava ser e a aldraba de ferro, com o rosto de um homem barbudo e severo, continuava no lugar de sempre. Tudo era familiar, mas estranhamente hostil.
Ainda tenho tempo. Posso dar meia volta e ir para um hotel, pensou. Mas se fizesse isso suas economias não resistiriam por muito tempo.
Estende a mão, hesitante, porém antes que pudesse bater a porta se abriu.
O rosto que o recebeu era familiar, embora mais velho e desgastado pelo tempo. O mordomo chefe, Tetsuna, o encarou por cima dos óculos meia-lua, o bigode à moda inglesa cobria-lhe o lábio.
O homem se curvou.
— É um prazer revê-lo, jovem mestre. — cumprimentou. Deu um passo para o lado, permitindo sua entrada no hall. — Sei pai o espera no escritório. Por favor, deixe suas malas aqui e me siga.
O tom sereno e profissional, sem rancor ou ironia estranhos, o acalmou.
Tobirama o seguiu em silêncio.
Suas memórias sobre a casa eram vagas, ainda assim se lembrava da sensação de opulência e de como precisava ser cuidadoso para não estragar nada. Na maior parte do tempo sentia que vivia em um cenário ou museu, onde nada deveria ser tocado. Agora, no entanto, a mansão parecia quente e amigável. As paredes tinham tons terrosos e suaves, os corredores eram iluminados e plantas ornamentais vivas marcavam presença aqui e acolá. Havia retratos, pinturas e desenhos infantis dividindo espaço nas paredes — deixando bem claro que o decorador valorizava todos os em igual medida. Até o cheiro dos corredores, antes asséptico e frio, mudara para algo doce e suave, como se tortas e biscoitos quentes fossem servidos em todos os cômodos aleatoriamente.
Tobirama se pegou sorrindo discretamente.
Se esse era o toque pessoal de Ayame então suas impressões sobre a mulher deviam estar certas. Ele quase sentia inveja de Kawarama e Itama por terem uma pessoa afável como mãe.
Tetsuna parou diante de uma porta, bateu, entreabriu-a e anunciou:
— Ele está aqui, senhor.
— Obrigado, Tetsuna. Deixe-o entrar.
Era a primeira vez em cinco anos que Tobirama ouvia a voz do pai. Seu coração batia dolorosamente, lembranças amargas enviando um bloco de gelo para o fundo de seu estômago.
Quando a porta abriu por completo Tobirama se sentiu grato por não ter comido nada nas últimas horas ou provavelmente teria destruído o carpete do pai com um banho de vômito.
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