Chamas e Brisas escrita por Michel


Capítulo 15
Capítulo 15 - Noite de Descanso




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                A luz da fogueira dançava suavemente, projetando sombras trêmulas sobre as figuras de Lyra e Luna. Lyra, com movimentos cuidadosos e precisos, passava um pano úmido sobre as bandagens que cobriam um corte profundo em sua barriga — uma lembrança viva da batalha anterior. O tecido estava manchado com o vermelho escuro do sangue já seco, mas seus olhos estavam fixos na tarefa, determinados a limpar cada vestígio da luta.

Enquanto isso, na penumbra da barraca, Luna, a dobradora de água, concentrava-se em um ritual de cura. Suas mãos estavam suspensas acima da dobradora de terra que haviam resgatado na Floresta Vermelha. A água circulava em espirais ao redor de suas palmas, brilhando com uma luz azulada enquanto buscava aliviar as feridas da inconsciente. A paciente, ainda perdida nas sombras do inconsciente, emitia grunhidos baixos — sinais de dor, mas também de cura.

O contraste entre as duas cenas era palpável: Lyra, ao lado da fogueira, lidava com as marcas físicas da guerra, enquanto Luna, envolta na magia da cura, lutava para trazer de volta uma alma perdida nas garras da escuridão. Ambas, à sua maneira, teciam a trama da sobrevivência e da esperança, unidas pelo desejo comum de superar as cicatrizes deixadas pela batalha na Floresta Vermelha.

O portal de raízes, uma vez adormecido e silencioso, ganha vida novamente com um brilho suave e acolhedor. De sua profundidade mística, Aeris emerge, apoiando-se pesadamente em Elian. Apesar da aparência franzina e do cansaço evidente, Elian faz um esforço hercúleo para manter seu companheiro loiro de pé.

Aeris, com o rosto marcado por hematomas e o olhar carregado de exaustão, traz consigo as cicatrizes visíveis de uma batalha árdua. Suas roupas, outrora talvez impecáveis, agora estão rasgadas e chamuscadas, contando histórias de chamas e desespero que ele enfrentou.

Elian, por sua vez, parece uma sombra de sua antiga glória sem a armadura que lhe conferia uma presença imponente. A armadura, claramente feita para um guerreiro de estatura mais robusta, foi deixada para trás, restando apenas uma bota e uma luva — vestígios de proteção em um corpo que agora se mostra vulnerável.

Lyra, com seus olhos dourados e brilhantes, deixa de lado a própria dor ao ver Aeris. Ela corre em sua direção, os pés mal tocando o chão, movida por uma força que transcende o físico. Seu abraço é um refúgio, forte e seguro, envolvendo Aeris em um calor que parece curar mais do que apenas feridas visíveis.

Aeris, apesar da dor que o consome, encontra força em seu carinho. Ele retribui o abraço, seus braços trêmulos, mas determinados, envolvendo Lyra com todo o cuidado do mundo. Ele beija o topo de sua cabeça, um gesto terno que sela um momento de paz em meio ao caos. Sussurros escapam de seus lábios, palavras que são como bálsamo para a alma, fazendo com que um sorriso floresça no rosto de Lyra.

 - Vejo que sua armadura foi embora. – disse Luna, ao ver Elian sentando-se cansadamente perto da fogueira.

                Um sorriso surge na moça de cabelo cor de fio, ao ver seu irmão abraçado com Lyra, que se mostrava preocupada com ele.

 - Com certeza foi uma luta que quero contar ao meu pai. – diz o jovem príncipe com um sorriso enorme em seu rosto.

 - Muito bem, me conte sua aventura.

Luna desfaz o laço que prendia seus cabelos cor de mel, permitindo que as pontas loiras se entrelacem livremente com a brisa da noite. Ela se aproxima da lareira, onde Elian já está sentado, o calor das chamas iluminando seu rosto jovem e cheio de vida. O príncipe, com um brilho de entusiasmo nos olhos, está ansioso para compartilhar as histórias de sua jornada pela Floresta Esmeralda.

Com uma voz animada, ele começa a narrar seu encontro com o Espírito Guardião, uma entidade mística cuja presença é tão antiga quanto a própria floresta. Ele descreve o majestoso encontro com Valeria, a Rainha de Sagacia, e o poderoso dragão que a acompanha — criaturas de um mundo que desafia a imaginação.

Elian fala com paixão sobre a batalha, onde, ao lado dos espíritos da floresta, ele empunhou seu elemento água com maestria contra os invasores que ameaçavam a paz daquelas terras sagradas. Suas palavras pintam um quadro vívido de coragem e camaradagem, de como a água fluía de suas mãos, formando ondas e redemoinhos que protegiam a floresta e seus aliados.

A noite se aprofunda, e com ela, a trama de coragem e redenção continua a se desenrolar. Luna, escuta com atenção a narrativa do jovem príncipe, um sorriso de orgulho adornando seus lábios. Ela conhece bem a verdadeira coragem que reside no coração de Elian, que agora se revela não como um covarde, mas como um verdadeiro guerreiro que se ergue além da armadura de sua nação.

Enquanto isso, Aeris, apoiado pela princesa Lyra, caminha lentamente em direção à sua barraca. Cada passo é um testemunho de sua resiliência, uma marcha silenciosa contra a dor que ameaça dominá-lo. Lyra, com uma força que vai além de sua aparência, ajuda Aeris a se acomodar, cuidadosamente deitando-o para que possa descansar. Ela guarda sua espada embainhada perto de sua bagagem no canto da barraca.

A princesa do fogo se acomoda suavemente ao lado de Aeris, o silêncio da barraca envolvendo-os como um manto. O jovem loiro, cujos olhos carregam o peso de batalhas recentes, desvia o olhar das sombras que dançam na lona para a figura ao seu lado. Ao perceber a ferida em sua barriga, um traço de preocupação cruza seu rosto, tão sutil quanto a luz da lua que se infiltra pela abertura da barraca. Ele estende uma mão trêmula, não para tocar a marca da dor, mas logo sente a mão da morena segurar a dele.

 - Não se preocupe. – com a voz suave e um olhar gentil, ela sabia que ele iria se preocupar, estava evidente em seu rosto. – Me conte, o que enfrentou? – seu olhar observa o loiro, enquanto o mesmo se ajeitava para não sentir muita dor, mas ao ouvir a pergunta, um sorriso fraco surge.

 - Prefiro ouvi-la primeiro. – diz ele com voz tremula e cansada.

 - Bom, lutamos com uma dobradora da terra que estava sendo possuída por um espirito do fogo corrompido. Gritaria de cá e gritaria para lá, nos conseguimos purificar a moça. – o riso de Aeris lhe trazia paz no coração, então a morena continuou. – Ela está sendo tratada pela Luna, então vejo que a fila de tratamento aumentou com nós dois. – brinca a jovem soltando um riso curto.

 - Com certeza, estamos arregaçados. – conclui com uma risada. – Como suas chamas purificou ela? – pergunta com a curiosidade repentina. 

 - Com isso.

                Lyra, com a graça de sua linhagem real, levanta a mão e, com um gesto delicado, invoca as chamas azuis que são o símbolo de sua purificação que acabará de descobrir. As chamas dançam em sua palma, uma valsa de luz e calor que não consome, mas limpa, não destrói, mas renova.

Aeris, movido por um impulso que transcende o medo, estende a mão e toca a luz azulada. Sua pele entra em contato com a de Lyra, e para sua surpresa, o calor das chamas não o fere. Em vez disso, uma sensação de serenidade o envolve, como se o próprio fogo reconhecesse nele um aliado.

Lyra observa, seus olhos refletindo o azul das chamas, enquanto uma expressão de assombro suaviza suas feições. A princesa do fogo, acostumada ao respeito que seu elemento exige, encontra-se diante de um enigma — o calor que deveria queimar, mas acalenta; o fogo que deveria ferir, mas purifica.

 - É lindo.

                Aeris permanece imóvel, fascinado pelas chamas azuis que dançam na palma de Lyra, um espetáculo de luz e magia que captura toda a sua atenção. O fogo, com sua cor incomum e sua aura de mistério, parece contar histórias de lugares distantes e tempos antigos, onde a magia era tão comum quanto o ar que respiravam. Mas então, quase como se fosse atraído por um ímã, seu olhar se desvia das chamas e encontra os olhos dourados de Lyra. Ela o observa, uma expressão de curiosidade pintada em seu rosto, como se tentasse decifrar os pensamentos por trás de seus olhos azuis.

 - Não são muitos que dizem isso da dobra do fogo. – sorri Lyra, enquanto brinca com os dedos de Aeris com a mão que estava em chamas.

 - Bom, posso sempre repetir para você. – diz ao relaxar o corpo, pois sentia o sono se aproximando.

 - Por favor. – ri suavemente.

O cansaço se apossa de Aeris, cada fibra de seu ser clamando pelo repouso que apenas o sono pode trazer. As feridas de seu corpo e as batalhas de sua mente exigem um cessar-fogo, um momento de paz no santuário da noite. Lyra, atenta aos sinais sutis de exaustão, permite que as chamas azuis em sua mão se apaguem, uma a uma, como estrelas se despedindo ao amanhecer.

Ela tenta, com delicadeza, soltar as mãos entrelaçadas, mas Aeris, em um gesto quase inconsciente, se recusa a deixar ir. Sua mão segura a dela com uma suavidade que contrasta com a firmeza de sua decisão. Não é um gesto de posse, mas de necessidade, um pedido silencioso para que ela permaneça ao seu lado enquanto ele se rende ao chamado do descanso, encontrando conforto na presença constante e na promessa tácita de que, ao acordar, ela ainda estará lá.

Com a noite tecendo seu manto escuro ao redor deles, Lyra se ajeita suavemente sobre o braço de Aeris, encontrando conforto no contorno de seu corpo. Aeris, respondendo ao gesto, a envolve com seus braços, criando um abraço que é tanto um refúgio quanto um elo. Juntos, eles se entregam ao domínio do sono, permitindo que o cansaço e as preocupações do dia se dissolvam na promessa de um novo amanhecer. E assim, lado a lado, eles adormecem, unidos não apenas pelo destino, mas pelo calor compartilhado de uma noite tranquila.

Lá fora, sob o manto estrelado da noite, Luna se entrega à doçura do momento, ouvindo as últimas palavras da história de Elian. O conto chega ao fim com um bocejo longo e sonoro do príncipe, um sinal claro de que as aventuras narradas exigiram tanto de seu espírito quanto de seu corpo. O som, tão humano e sincero, arranca de Luna uma gargalhada espontânea, uma risada que ressoa com alegria e cumplicidade.

 - Vou descansar. – balbucia Elian, quase se arrastando para sua barraca. A adrenalina deve ter passado, pensa Luna.

 -  Bom descanso.

Luna, a dobradora de água, sente o peso do silêncio noturno como um sinal de que é hora de buscar seu próprio descanso. Ela se move com uma graça tranquila, consciente de que é a última ainda desperta no acampamento. Com passos suaves, ela se dirige à barraca onde a moça inconsciente repousa, uma figura que inspira cuidado e vigilância.

Ajeitando-se ao lado da adormecida, Luna se prepara para o repouso, mas mantém-se alerta, pronta para oferecer auxílio se necessário. A respiração suave da moça é um lembrete constante de sua responsabilidade, e Luna se entrega ao sono com um ouvido atento aos murmúrios da noite, pronta para despertar ao menor sinal de que sua ajuda é requerida. Assim, na quietude compartilhada, a dobradora de água encontra conforto na presença da outra, e juntas, ainda que em mundos diferentes de sonho e vigília, elas repousam sob o mesmo teto de lona e estrelas.


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