Um Novo Começo escrita por Avezch


Capítulo 1
Arma-X Parte 1




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O alarme sobre o criado-mudo tocou e no mesmo instante Logan o desligou, resmungando. Ele não tinha dormido nada naquela noite cheia de pesadelos.

Suado e já estressado, ele se levantou. Vestindo só a cueca ele foi ao banheiro e tomou uma rápida ducha. Seu corpo era maciço, seu jeito truculento e hostil, os cabelos rebeldes e grossos, tudo refletia um feroz animal selvagem, manso e curioso até que pudesse identificar uma ameaça ou comida. Tudo aquilo era um pacote completo para meter medo em qualquer sujeito mal encarado, mas sua estatura o traía e, geralmente, ele era visto como um baixinho carrancudo que talvez não oferecesse perigo algum.

Depois que abotoou sua camisa branca simples e vestiu as calças, ele saiu do quarto e desceu as escadas. Foi recebido por um sorriso meigo da senhora que o hospedava.

— Bom dia senhor Logan, dormiu bem? – Ela perguntou, oferecendo um lugar à mesa.

— Às vezes eu consigo essa proeza, Mary. Essa noite não.

Mary lhe deu um prato de bacon e ovos, depois encheu o copo com suco de laranja e disse:

— Se quiser eu tenho uma gaveta cheinha de remédios, alguns vão te botar pra dormir assim – ela estalou os dedos e riu.

A hospedaria era confortável e aconchegante, mas a dona gostava de jogar conversa fora. Nas duas semanas que Logan estava ali, ele já sabia quem traiu quem na cidade, quem não pagava os impostos, quem era caloteiro e quem era o bêbado que pedia dinheiro e quem eram os adolescentes que gostavam de causar problemas.

Ele terminou o café da manhã e saiu do sobradinho típico americano, feito com madeira, com a bandeira dos Estados Unidos esvoaçando junto com a brisa da manhã. Sua moto estava na garagem, brilhante e potente, só na espera para ser ligada e pilotada. Poucas coisas faziam Logan sorrir, sua moto era uma delas.

Durante o dia ele trabalhava numa minúscula oficina que consertava carros e motos. Quando chegou o senhor Moore já estava debaixo de um Mustang 76 que tinha chegado ali antes do próprio Logan.

Moore escutou a moto até ela parar e ser desligada, então falou:

— Será que hoje é o dia que você vai me deixar andar nessa Husky, filho? – o dono da oficina tinha a mania de chamar todo mundo de “filho” ou “filha”, seja porque fosse amável ou porque ele já estava na idade de ser considerado pai por todo mundo.

— Quem sabe? - respondeu Logan, com um sorrisinho – Só se hoje também for o dia que você colocar meu nome no seu testamento.

Moore riu.

— Bom, talvez na próxima.

Eles passaram o resto da manhã trabalhando, Moore no carro e Logan numa moto no fundo da oficina. Apesar de viver na rua, viajando de cidade à cidade, e não conhecer bem ninguém além do que era necessário, ele se sentia confortável entre as manhãs com a faladeira Mary e o focado Moore, que só falava para contar uma história que ele achava cômica.

Na hora do almoço os dois se sentaram na frente da oficina e desembrulharam seus sanduíches, o do dono foi feito pela esposa, o de Logan foi feito por uma senhorinha que não parava de dizer o quanto a vizinha gostava de espiar.

O cheiro da primavera era confortante às narinas sensíveis de Logan, ele inspirou e expirou, acalmando os nervos, sentindo a brisa fresca, o sol quente na pele peluda. Moore quebrou o silêncio:

— Já decidiu quanto tempo vai ficar?

— Mais alguns dias no máximo – respondeu com a boca cheia.

— Eu não consigo me imaginar viajando sem destino, nasci aqui e vou morrer aqui. Às vezes é bom parar para cheirar as rosas.

— Não me dou ao luxo de parar, Moore, algo sobre isso me deixa inquieto. Além disso, tenho circunstâncias específicas que não me permitem.

Moore o encarou, mas não fez questão de implicar. Claramente seu funcionário não era um adolescente perdido e sem rumo, procurando encrenca, mas algo nele o fazia sentir pena. Queria oferecer algum conselho, mas sabia que nada entraria naquela cabeça indecifrável.

Voltaram a trabalhar e durante o resto do dia não conversaram. Logan voltou para a hospedaria e foi direto tomar um banho. Deitado na banheira ele encarava o teto, pensando. Parte dele tentava recordar os pesadelos que o assombravam, sem sucesso, parte se decidia se rumaria mais para o norte ou mais para o sul, mais para Michigan ou mais para o Alabama.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo barulho que escutou, vindo de alguns metros da casa, perto do bosque. Levantou-se da banheira e, ainda molhado, atrás da parede e ao lado da janela que dava para a rua, aguardou. Até que escutou passos na escada, que pararam abruptamente. Então ele foi para atrás da porta do banheiro e, de repente, das costas de ambas as mãos, garras metálicas surgiram.

Bateram na porta do seu quarto. Ele continuou a esperar. Então:

— Senhor Logan, a janta já está quente – anunciou Mary, no corredor.

Suspirou e num instante as garras retornaram, deixando três feridas em cada mão. Logo elas também sumiram, sem deixar cicatriz.

No bosque, no entanto, todos continuavam atentos e alertas. Pararam de se aproximar, seus corações batiam ferozmente. Eram soldados todos, prontos para fazer o que fossem às ordens. Trajavam preto, os capacetes com óculos de visão noturna, e estavam armados até os dentes com fuzis e submetralhadoras.

O líder fez um gesto e todos o seguiram. Depressa a casa ficou cercada. Mas Logan já sabia. Do quarto, sem avisar Mary, ele saltou, quebrando a janela. Os soldados gritaram e avisaram uns aos outros no mesmo instante, e todos atiraram.

Não foi como se eles tivessem errado, não, houve acertos, mas os tiros não pararam o alvo. Logan investiu contra um após o outro, suas garras rasgando tanto kevlar como pele, ossos e órgãos, sangue jorrou. Com cada golpe ele urrava feito um animal, antes manso e curioso pelo povo que vivia na cidadezinha, agora ameaçado e acuado.

Se segurou para não matar o último, mas cortou o suficiente para que o soldado ficasse caído, arfando e gemendo de dor. Com um cutucão de suas garras ele arrancou os óculos de visão noturna junto com o capacete, revelando um homem caucasiano coberto de suor, a expressão de absoluto terror.

Logan não conteve o sorriso, o sangue nos braços e no rosto pingando.

— Você foi testemunha, - disse, as garras brilhando com a luz da lua – eu bato e faço perguntas depois. Se eu gostar da resposta, quem sabe você pode viver para lutar um novo dia. Quem te enviou?

— Não sei os nomes dos meus superiores – respondeu o soldado, com a voz trêmula.

— Bom, não gostei da resposta.

Logan ameaçou fincar as garras no rosto do soldado.

— Não, não, não, espera, espera – interrompeu o homem, aterrorizado. – Só sei que é algo sobre o projeto Arma-X. Por favor, só sei disso, por favor, por favor, não me mate, por favor.

Logan cerrou os punhos e deu uma risadinha, olhando para o céu estrelado, então cuspiu no asfalto e falou:

— Vamos ver, ou você é resgatado pelos seus amigos, ou você vai sangrar até morrer. Boa sorte.

*

Foi uma conversa rápida, Logan grunhiu ao ver a pobre Mary debaixo da mesa da sala e ela respondeu com um gritinho, escondendo o rosto nas mãos na esperança de ser ignorada. Toda relação que os dois criaram nas últimas semanas tinha ido ralo abaixo, ela precisaria de muitos calmantes e daqueles remédios na sua gaveta para poder dormir dali em diante.

Ele correu para seu quarto e tirou as roupas sangrentas e cheias de furos provocados pelas balas de fuzil. Vestiu depressa uma camiseta e calças jeans, depois sua jaqueta favorita e pegou a chave da moto.

A cidadezinha de Burrowtown nunca mais foi a mesma depois do “incidente”, e Mary falaria sobre aquilo por anos. Falaria do sujeito com facas nas mãos chamado Logan que matou homens armados e fugiu de moto.

Para Logan, no entanto, só era uma terça-feira. Ele dirigiu a noite toda, observando tanto o céu quanto os espelhos da moto, cada carro na estrada podia ser uma ameaça.

Ao amanhecer ele havia chegado num posto de gasolina. Depois que abasteceu a moto ele comprou uma água e um hambúrguer na loja de conveniência, esperando pelo pior, pronto para fugir. Porém ninguém veio.

O dono do posto lia o jornal sentado numa cadeira de balanço, e, ao ver o estranho motoqueiro se aproximar, seu corpo se enrijeceu, tenso. Foi Logan quem falou primeiro:

— Tem algum mapa por aqui que eu possa dar uma olhada?

Sério, o dono do posto, um velho magro e careca, respondeu:

— Na lojinha tem um monte pra comprar.

— Eles estavam esgotados.

O velho suspirou e fechou o jornal, se levantando.

— Espere um minuto aqui, devo ter um no escritório.

Logan assentiu e esperou, mas não pacientemente. Os carros passavam na estrada, o céu estava claro e azul, seu olfato aguçado não cheirava nada demais, sua audição não escutava ameaças. Sua perna balançava, ele começou a caminhar de um lado para o outro.

Enfim, o velho voltou com o mapa em mãos e o entregou ao motoqueiro. Ele o abriu com força e tentou se localizar. Procurava uma boa alternativa, um caminho seguro, a melhor opção que tinha lhe parecia ser ir direto para o México, sair de vez dos Estados Unidos.

Fez questão de memorizar a rota e devolveu o mapa ao dono, voltando a seguir em direção a moto estacionada.

— Um obrigado não mata ninguém! – reclamou o velho e fechou o mapa, voltando para o escritório.

Logan então sentou na moto e suspirou. Arma-X, o nome que tinha ouvido por toda sua vida, pelos soldados que constantemente surgem para mata-lo. E ele nunca soube do que se tratava, só o nome lhe era familiar.

Após um minuto para refletir, ele percebeu que a estrada e tudo a sua volta se silenciaram. Olhou para trás. Ao longe, dois jipes militares vinham um do lado do outro, ocupando toda a estrada, e, mais atrás deles, no céu, um helicóptero. Ele não conteve um risinho. Ligou sua moto e acelerou na direção contrária à deles.

*

Em contrapartida do caos da perseguição, no outro lado dos Estados Unidos, Jean Grey tomava seu café preto lentamente, saboreando cada gole, na cozinha da mansão onde morava.

Seu namorado, Scott Summers, comia uma torrada e lia o jornal, seus olhos escondidos pelos óculos de lentes avermelhadas. Ele logo fechou as páginas, desinteressado pelas notícias, e perguntou com um sorriso meigo:

— O que tem na agenda pra hoje?

— Mais uma sessão no Cérebro com o professor.

— Hum, divertido.

Ela riu sarcasticamente.

— Pois é, que pena que vou perder mais um dia na Sala de Perigo com Bobby e o Peter.

— É, você me pegou.

Beijaram-se e cada um foi para um lado, para começar o dia. Jean pegou um dos vários elevadores na mansão, escondidos atrás de portas secretas, e desceu até o porão da mansão. Diferente de um porão comum, contudo, nada lá estava coberto de poeira ou sequer servia de casa para uma família de ratos, tratava-se de um grande complexo de salas conectadas por corredores cristalinos que servia de base para os X-men.

Ela foi em direção a uma dessas salas, tinha trabalho a fazer, apesar de estar vestida como se fosse para o shopping ou passear num dia ensolarado no parque. Chegou diante de um porta circular, marcada com um “x”, parou por meio segundo e ela se abriu, revelando uma longa plataforma.

Na ponta desta plataforma um homem de cadeira de rodas a aguardava, mexendo no console. A sala era uma esfera e a plataforma se estendia uns bons metros acima do chão, mas Jean já estava acostumada tanto com a altura como quanto o homem, chamado Charles Xavier.

— Bom dia, Jean – disse ele. Tinha 64 anos, mas não parecia velho, só não tinha um fio de cabelo na cabeça. – Pronta para mais um dia árduo?

— Bom dia professor, o senhor já deve saber a resposta.

Ele riu.

— A intuição é deveras importante para um telepata, muito bem. Continue treinando bem. Agora vamos lá, pode colocar o capacete.

Jean o obedeceu, colocando cuidadosamente o capacete, conectando sua mente diretamente à sala e ao Cérebro. Após alguns segundos a sala vazia se encheu de imagens, silhuetas, algumas produzindo uma sutil coloração azul, outras provocavam uma vermelhidão mais agressiva.

— Procuro alguém específico? – ela perguntou.

— Não, como as outras sessões vamos nos limitar a controlar a mente, vamos pular de mutante à mutante, cuidadosamente, devagar. Observe o estado mental de cada um, alguns vão estar agitados, podem estar no meio de atividades físicas ou se preocupando com as contas do mês, outros estão calmos, tomam seu café da manhã, ou concentrados com uma prova na escola ou faculdade.

No início foi como ambos praticaram, professor e aluna, porém, depois de alguns minutos, a atenção de Jean começou a ser atraída para um lugar em específico, para um mutante específico, ela gemeu com uma súbita dor de cabeça.

— Jean? – perguntou Charles, preocupado.

— Professor, vejo alguém assustado, furioso, alguém em perigo.

Ele ponderou suas opções, então respondeu:

— Tudo bem, tente focar somente nessa pessoa.

— Está perto, na mesma região.

— Não precisa falar, concentre-se, o Cérebro vai me mostrar.

As silhuetas surgiram e sumiram, Jean estava a caminho com sua mente. Até que, enfim, uma silhueta vermelha se materializou, montada em uma moto, sendo perseguido. Ela gemeu e as pernas fraquejaram.

— Chega Jean, pode tirar o capacete – assim que ela obedeceu, Charles continuou. – Vista o uniforme Jean, vamos salvar aquele homem.

Todos os X-men escutaram ao mesmo tempo em suas mentes a voz do professor Xavier:

X-men, temos uma missão, para a Sala de Guerra imediatamente.


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