Olhar de Capitu - Roque Santeiro & Viúva Porcina escrita por Bolinho de Arroz Crocante


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

"Dizem por aí, mas não tenho certeza, que meu sorriso fica mais feliz quando te vejo, dizem também que meus olhos brilham, dizem também que é amor, mas isso sim é certeza."



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— O que tanto me olha? - Questiona.

— Te incomoda?

— Não! Não! Muito pelo contrário. - se enrola como se fosse uma gata.

A “viúva” encarou Roque de volta, com olhar baixo, dando longas e lentas piscadas, fixa no predador. Ela se sentia uma presa sob o olhar do santeiro. Ele tinha essa capacidade, de deixá-la como um pequeno animal indefeso.

— Você me lembrava alguém… Agora me recordo. Esse seu olhar… Com certeza o olhar de Capitu.

Roque, sabia que não podia, mas não conseguiu evitar de se aproximar. Aquela mulher estava em seus pensamentos e seu coração, que doía não poder estar com ela. Percebeu que não era só o olhar de Capitu, que ambas as mulheres compartilhavam, também suas histórias eram parecidas.

— Quem é essa mulher? - Deixou o ciúme falar mais alto e afastou-se dele. 

Não o suficiente para ficar longe do alcance dele, ainda dividiam o mesmo sofá e bastava o homem se inclinar e a pouca distância que ela tinha dado teria sido em vão.

— A mocinha de Machado de Assis do livro Dom Casmurro. - Explica com um sorriso, que atingia, até mesmo, seus olhos. 

— Ah, sim! - Desviou o olhar, jogando a cabeça num gesto exagerado. - Nunca li, mas já ouvi falar. Não sou tão sem cultura assim, como você me imagina.

Roque conhecia bem esse drama de Porcina, apenas se aproximou, deixando-a sem espaço para se afastar. Prendeu-a-na entre o braço do sofá. Agora, Porcina, teria que fazer um grande esforço para se levantar.

— Deveria ler. Vai se identificar com ela.

Porcina segurou na gola da camisa do amado, trouxe o corpo dele mais próximo ao seu. Roque aproveitou para inalar o perfume adocicado da ex-viúva sem nunca ter sido.

— Como ela é? - Sussurra suspirando.

— Vocês compartilham o mesmo olhar. Olhos de cigana oblíqua e dissimulada. - Encara os olhos de Porcina, por longos segundos sem piscar. - Eu também não sei o que é oblíqua, mas dissimulada… Ah… Isso sim! Esse olhar eu conheço muitíssimo bem e você também.

O santeiro sorriu estreitando os olhos, tentava decifrar o que se passava na cabeça da amada. A sua mulher de mentirinha, pergunta o que mais ela compartilha com a mocinha do livro.

— Capitu achava que devia estar sujeita a um amor infantil, sem saber no quão perigoso se tornaria. Casou-se com o primeiro namorado, Bentinho, médico e de riquezas, como Sinhozinho Malta, para cumprir uma promessa besta de criança. Achou que seria feliz, mas se condenou a estar presa a um homem ciumento e possessivo que não lhe merecia. - Roque acariciou a bochecha da mulher com o polegar, enquanto segurava seu pescoço. - A única diferença é que você não está presa como Capitu estava e conhece bem o homem por quem quer se casar. Você pode mudar, Porcina, tem a coragem de mudar antes que seja tarde demais. Basta querer.

Porcina piscou lentamente, observou a expressão do seu amado, que dividiu seu coração, como uma gata, olhar baixo e cauteloso. Respirava lentamente, absorvendo cada palavra e deixando sua curiosidade sobre Capitu aumentar cada vez mais.

— Não vou lhe dizer mais. - Depositou um beijo na ponta do nariz dela antes de continuar. - Se quiser saber como é e como termina a história dela, terá que ler.

Se levantou para ir embora, coisa que já deveria ter feito há algum tempo. Mas, até que valeu a pena. Se pudesse livrar Porcina de Sinhozinho Malta, fazendo-a enxergar e aceitar quem ele realmente é, estaria feliz. Tudo o que ele mais queria, além que ela o escolhesse, é que Porcina aceitasse que ela podia ser apenas ela. Porcina da Silva. Não Porcina Duarte ou Porcina Malta, mas Porcina da Silva. Ou quem sabe, oficializar, Porcina da Silva Duarte.

Procurou seu chapéu, ajeitou a roupa, apenas para postergar sua saída. Porcina estava atrás dele, analisando cada movimento e se segurando para não pedir que ele ficasse.

— Sabe o que eu diria para Capitu? - Recomeçou e a mulher negou com a cabeça. - Não precisa se sentir presa a uma promessa, nem ter medo de se entregar ao segundo amor. 

Quis dizer tanto mais. Algo como “Porque se você amasse tanto a primeira pessoa, não teria uma segunda opção.” Porém, preferiu algo mais terno e respeitoso, afinal ele também viveu essa divisão. Ele amou, de certa forma, Mocinha.

— Se você pode amar tanto a pessoa errada, imagine o quanto você pode amar a pessoa certa?

Porcina engoliu em seco. De repente sentiu uma tristeza, que não soube explicar. A garganta começou a queimar, olhos adquiriram um brilho de choro, que não cairia por ora e em seu peito, o coração, começou a bater forte e rápido.

— A pessoa certa seria… você? - Conseguiu falar após instantes em silêncio. Sabe que ele não estava só falando para Capitu.

— Isso… só você pode dizer. - Luís depositou um beijo na ponta do nariz da viúva. - Boa noite, Porcina.

Porcina quis ir atrás do santeiro, mas não podia. Não agora. Não depois de tudo que fez e faz ainda com Roque. Se perguntava como aquele homem, ainda podia se interessar por ela apesar de tanto esculacho, tanto desprezo e tanta indecisão do lado dela.

Rodou sob os próprios pés, trocou o peso do corpo de um pé para o outro antes de gritar por Mina. Mandaria Rodezio ir atrás do maldito livro o quanto antes e o leria.


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