Apenas Amigos? escrita por João Vitor Guimarães


Capítulo 1
Capitulo Único


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, meus caros leitores! Sejam muito bem-vindos em "Apenas Amigos?".

Essa história foi escrita originalmente por mim em 2015 para o desafio do mês de Abril de 2015, época dos dez anos do Nyah!. O tema do mês de abril era Yaoi e deviamos escrever uma história com esse gênero. Yaoi, para quem não sabe, é um gênero de fanfic/anime focada na relação entre dois homens.

Na época, 2015, eu enfrentei um dilema pessoal. A perda de um grande amigo. Uma perda não no sentido de morte literal, mas sim, uma morte simbólica. Um grande amigo de infância rompeu nossos laços e eu, acreditando que a culpa era minha, carreguei esse sentimento de culpa e perda por dois longos anos. Em 2017, quando o reencontrei, depois de pedir desculpas sem nunca considerar que a culpa não era minha, descobri o motivo do rompimento: esse ex-amigo virou um idiota. Então, eu agradeço ao "Idiota" por ter me feito sofrer dois anos por nada, mas me dando uma baita inspiração para essa história, pois transformei toda essa amizade rompida, sofriemento e sentimentos nesse belo conto de romance Gay, ASHUASHUASHUASHUASHUA.

Apesar desse fato triste, espero que se divirtam e se emocionem lendo tanto quanto eu me diverti escrevendo. Boa leitura!



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Sentado sobre a cama, eu apoiava as costas no travesseiro encostado na cabeceira e me concentrava nas imagens da tela do meu celular, que eu olhava com ternura. Todas as fotos eram dos melhores momentos que passei nos últimos cinco anos e a maioria, claro, registrava os momentos que passei ao lado dele.

Lucas e eu estávamos sempre sorrindo, rindo ou abraçados nessas fotos e vê-las, por mais que amenizassem a saudade que sinto dele, só aumentavam minha angústia por saber que eu era o culpado de nosso afastamento. Vi mais fotos nossas, lágrimas ameaçavam escapar dos meus olhos, mesmo assim, continuava nessa tortura autoimposta.

— Sinto saudades, Lucas — disse para mim mesmo, a tristeza me tomava.

Parei de ver as fotos e entrei nas redes sociais. Em todas elas, seu perfil continuava como não encontrado para mim, o que significava que ele ainda me mantinha bloqueado. Já havia perdido as contas de quantas vezes eu havia entrado nas redes sociais a procura de seu perfil, fora as ligações não atendidas e as mensagens de texto não respondidas. Havia três dias que ele não aparecia na escola.

— Onde você está, Lucas? — E a pergunta apenas se dissolveu no ar.

Voltei a olhar nossas fotos e imergi outra vez na nuvem de angústia e ansiedade que elas me causavam ao trazer à tona todas as nossas lembranças felizes que eu tinha, mas antes que eu pudesse mergulhar profundamente nessa bolha de sentimentos negativos, fui arrancado de meu transe pelas batidas que minha mãe Márcia fazia na porta do meu quarto, chamando-me a atenção.

— Oi, querido! — Sorriu. — Nossa, acabei de chegar. Hoje foi corrido na loja — comentou. A exaustão era evidente em seu rosto.

— Que bom. Sinal de que os negócios vão bem — respondi, sem entusiasmo evidente.

— Que foi? Parece meio pra baixo. — Havia ternura em seu olhar enquanto me encarava preocupada.

— Nada não. Talvez só a chatice da rotina da escola.

— Entendo — respondeu, fingindo acreditar. — Bom, temos que ir ao supermercado fazer compras. Nossos itens da dieta estão quase acabando. Vai querer o que para o jantar?

— Sinceramente, mãe, não estou a fim de dieta hoje. Será que você pode fazer aquela sua travessa de macarrão de micro-ondas, com bastante molho, muçarela e presunto?

Ela ficou tão atônita com minhas palavras que deixou o queixo cair de espanto. Seus olhos chocolates, como os meus, me encararam com pura incredulidade.

— Ué, e a nossa promessa de emagrecer que fizemos juntos? Lembra, nada de besteira até atingirmos a meta.

— Olha, mãe, essa semana eu mal tenho comido direito, você também não, e estou pegando pesado na academia. Tenho me sentindo fraco ultimamente, perdi mais peso do que o normal. Então, tô precisando de algo mais consistente. Acho que só hoje não faz mal.

— Tá legal. — Deu de ombros. — Para ser sincera, também estou enjoada de tanta salada, mas se for para comermos massa, vamos para a academia primeiro, de lá passamos no mercado. Se arruma, então, que daqui a meia-hora a gente sai.

— Okay — respondi e ela me deixou só novamente.

Me levantei da cama, trocando de roupa e ajeitando o cabelo. Aproveitei o tempo restante e dei uma pequena organizada em meu quarto.  Ajeitei os fones de ouvido sem fio e coloquei uma playlist qualquer do Spotify para tocar enquanto saia de casa, esperando por ela na calçada para partirmos.

 

« * * * »

 

A mesa estava posta e comíamos com gosto o seu macarrão de micro-ondas. Sentir o sabor de massa e molho depois de me abster há meses de tudo o que havia de bom no mundo era divino, embora o prazer de degustar um bom prato de comida não me afastava completamente das preocupações que assombravam minha mente.

Embora eu estivesse satisfeito de comer algo que há muito tempo eu não provava, o jantar de hoje estava um tanto incômodo. Isso porque eu percebia todos os supostos olhares discretos que minha mãe me lançava no intuito de compreender o que se passava comigo.

Tomei um gole grande do suco em meu copo e pesquei um outro olhar que ela me lançara, e já temendo que ela não deixaria esse assunto de lado, decidi partir para a ofensiva.

— Por que tá me encarando? — Até eu me espantei com o tom seco da minha voz.

— Olha, Vinicius, eu sei que você não gosta muito de falar dos seus problemas, mas... Caramba, desta vez você anda mais triste do que o normal. Puxa, eu sou sua mãe. Tô aqui para te apoiar, te consolar. Me fala o que está acontecendo!

— Não quero falar disso. Não é nada demais. — Tentei desviar o assunto.

— Como assim, não é nada demais? Acha que eu não te conheço? Você é como eu, tenta afogar as mágoas num bom prato de comida ou numa distração momentânea, tentando fugir dos problemas, mas no fundo fica só se corroendo por dentro até explodir.

— Chega, mãe! — bravejei e bati os talheres com força contra a mesa. — Não quero falar disso com você — berrei. Me levantei da cadeira, ameaçando me retirar da mesa.

— Pare aí mesmo, mocinho — advertiu, um tom de voz severo. — Eu sou sua mãe. Você deve me respeitar. Não quero você levantando a voz assim para mim de novo.

— Tá... Desculpa! — disse a contragosto, sem vontade. E embora isso tenha a irritado, ela se controlava.

— Agora, sente aí e vamos conversar!

Me sentei novamente, ainda me sentindo irritado por ela querer insistir nessa conversa. Voltei a comer a porção em meu prato, mas forçado; a sensação de fome sufocada pelo turbilhão de emoções que me assolava.

— Podemos conversar normalmente agora? — perguntou enquanto me analisava ao me encarar.

— Tá — bufei.

— Então, o que anda acontecendo?

— Nada demais, mãe. Talvez só o estresse da escola. Muito trabalho para fazer, semana de prova chegando. Acho que me sinto sobrecarregado, só isso.

— Sei — disse com desdém enquanto me olhava com aquela expressão “me engana que eu gosto”. — O que você tá escondendo, garoto?

— Nada, mãe. Que saco! Vai ficar me enchendo até quando?

— Até você me falar a verdade.

— O que você quer saber?

— Só quero entender por que você tá agindo assim, moleque — bravejou, gritando enquanto explodia de raiva.

— Olha, mãe, vamos parar por aqui. Não tô a fim de discutir com a senhora agora.

— Tá bem, mocinho — bufou enquanto se acalmava. — Mais tarde a gente conversa, mas não pense que vou deixar isso de lado.

O resto do jantar foi silencioso e nenhum de nós ousou proferir mais uma palavra. É claro que como castigo, ela me mandou tirar a mesa e lavar a louça, mas era o mínimo que devia a ela pelo meu desrespeito e o jantar que fez para mim.

Enquanto lavava a louça, pensei em nossa discussão. Fui muito duro com ela e, embora não quisesse falar com ela dos meus problemas, não havia necessidade de surtar. Eu deveria ir pedir desculpas, mas vou esperar ela se acalmar primeiro.

 

« * * * »

 

De volta ao meu quarto, eu revisava meu trabalho escrito de geografia sobre fontes de energia e corrigia os erros de ortografia. Mexer neste trabalho me deixava entristecido, pois era para o Lucas estar aqui estudando comigo para nos prepararmos para nossa apresentação de amanhã. Terminei de ler e salvei o arquivo antes de imprimi-lo. Quando a impressora começou seu trabalho, meu telefone tocou. Era Camila, minha amiga.

— Ainda bem que você atendeu. — Ela praticamente gritou em meu ouvido, me forçando a afastar o celular um pouco. Estava exaltada e sabe-se lá por quê.

— Credo, não precisa gritar. O que houve?

— Acabei de vir da casa do Lucas. — O nome dele me deixou atônito. — Fui levar meus cadernos para ele copiar as matérias e tarefas perdidas.

— E...? — fraquejei ao perguntar.

— Ele tá legal. Parece que foi só um resfriado mesmo. Tava com febre até ontem, por isso não foi para escola.

— Entendo.

— Ele também mandou avisar para não se preocupar com o trabalho de geografia. Ele tá estudando para apresentação de amanhã.

— Ah, sim. Isso é bom.

— Mas...

— Mas?

— Sei lá, ele me pareceu meio caidinho. Tá triste. A mãe dele falou que ele só fraquejou com a gripe porque tava muito deprimido. Coisa psicológica, entende?

— S-sim — gaguejei.

— Bom, só liguei pra te avisar. Eu sei que cê tava preocupado com ele. Até amanhã!

— Até! — Ela desligou a chamada.

Coloquei o celular na mesinha, peguei o trabalho e grampeei, guardando-o na pasta plástica dentro da minha mochila para não esquecer. Peguei o computador para entrar em algumas redes sociais. Seu perfil já estava visível para mim novamente.

— Ufa — suspirei.

Entrei em seu perfil para ver suas fotos. Não tinha nada publicado nos últimos três dias. Será que ele só tinha desativado o perfil dele? Olhei mais fotos dele e a sensação de saudade me preencheu. Queria tê-lo aqui.

Me assustei com o som da porta do quarto se fechando. Rapidamente saí do perfil dele e me virei para ver o que era. Estranho, eu me lembro de ter fechado a porta quando entrei.

Arregalei os olhos. Droga! Só pode ter sido... Suspirei. Desliguei o computador e saí do quarto, indo para o quarto da minha mãe. Vi ela de camisola sobre a cama, mexendo no celular. Ela se virou para mim com uma expressão forçada.

— Oi, filho! Que foi? — percebi seu tom. Ela estava disfarçando um nervosismo.

— Sem essa, mãe. — a repreendi. — Você tava me espionando?

Ela suspirou e se sentou na cama, me convidando para me sentar ao seu lado. Sentei e olhei para ela, que me encarou com calma, me sondando. Minha mãe e eu éramos uma cópia um do outro. Além dos olhos, tínhamos a mesma pele parda, o cabelo escuro e a maldita tendência genética para obesidade, mas o que impressionava aos outros, especialmente minha avó, era como tínhamos o mesmo gênio forte e cabeça dura.

— Olha, mãe, me desculpa pelo jantar, tá legal? Não queria ter discutido, nem nada. Só não tava a fim de conversar, só isso. — Tentei manter uma postura diplomática, era a melhor saída com ela.

— Eu sei. Me desculpa também. Tava estressada do trabalho.

— Mas você tava me espionando? — perguntei novamente.

— Sim.

— Por quê?

— Ora, você não me falou nada, então eu tive que apelar — disse constrangida. Minha mãe não era do tipo superprotetora, mas quando decidia agir como tal, podia ser um incômodo terrível.

— Mas eu não gos...

— Tudo bem, eu já sei o motivo agora.

Arregalei os olhos, assustado. Será que ela me viu vendo as fotos do Lucas? Será que desconfiava de algo?

— Você e o Lucas brigaram?

— Sim, mas não foi nada. Não precisa se preocupar. — Me levantei, ameaçando ir embora. Ela me puxou pelo braço, me fazendo sentar outra vez.

— Espera, não terminei.

— Mãe, não se...

— Vinicius, posso te perguntar uma coisa? — Ela pareceu encolhida e envergonhada. Essa cara... Droga, era uma pergunta constrangedora, com certeza.

— O que? — perguntei, assustado ao imaginar o que seria.

— Filho, você... Bem, você é...

Meu coração se acelerou com a pergunta, embora ela ainda não a tenha terminado. Já podia imaginar o que seria.

— Mãe, não sei o que você quer, mas eu não posso falar agora. Tenho que estudar e... — Queria fugir dessa conversa a todo custo, não estava a fim disso agora.

— Espera aí. Só me responde. Você é?

— É o que, mãe?

— Tá. — Suspirou. — Filho, você é... Gay?

— Que? — Levantei assustado e constrangido. A encarei sem reação. Embora eu esperasse por isso, ainda fui pego de surpresa.

— Só me responde.

— Claro que não, mãe. De onde você tirou essa ideia?

— Você não tá mentindo pra mim, né? — Me encarou, procurando me intimidar.

— Claro que não. — Desviei o olhar, fugindo de seu rosto. — Por que você pensou isso? — Ainda não a encarava, sabia que continuava a me encarar, procurando alguma brecha em minha resposta.

— É que você nunca falou de alguém que tenha gostado, mesmo sendo tímido.

— Ai, mãe, eu não sou do tipo que pensa nessas coisas. — Tentei disfarçar meu constrangimento. Sabia que meu rosto estava vermelho.

— Você tem quinze anos. Já deve ter pensado nisso alguma vez. Qual é, você já... beijou?

— Mãe, se você tá querendo saber alguma coisa sobre minha vida amorosa... Quando eu tiver uma, eu te aviso. E eu já beijei sim.

— Menino ou menina?

— Claro que menina, né? — respondi apressadamente.

— Tem certeza que não tá mentindo?

— Mas que diabos! Por que tá me enchendo de perguntas? — Meu constrangimento já se transformava em raiva.

— Eu só quero saber se... Ah, deixa para lá. Pode ir.

Saí do quarto dela todo vermelho e envergonhado. De onde diabos ela tirou essas ideias malucas. Eu, gay? Claro que não, né?

Voltei para meu quarto, trancando a porta e me certificando de que estava devidamente fechada. Me deitei em minha cama de costas e encarei o teto. Comecei a refletir sobre tudo isso que aconteceu agora pouco. Mas que inferno! Por que ela resolveu tocar nesse assunto agora?

Bom, se ela me viu vendo as fotos do perfil do Lucas, pode ser por isso que ela pensou que eu era, mas... qual é? Eu não tava vendo as fotos dele porque estou apaixonado, era só saudades do meu amigo. Mas, será que é só isso mesmo?

A verdade, acho, é que não fiquei constrangido por causa da pergunta e sim pela resposta, afinal, toda minha confusão era por causa disso. Como dizer isso a ela? Para ser sincero, tudo isso que venho sentindo recentemente só aconteceu por causa do meu primeiro beijo, mas não com uma menina e sim com o Lucas.

Droga! Agora que parei para pensar, será que... Não, eu não posso ser gay. Tinha aquela Fernanda do segundo ano do fundamental que eu gostei com meus 7 anos, também tem a Mariana do sexto ano da minha turma. Eu gostei dessas meninas e tenho certeza de que sou hétero. Mas, se sou, por que... Por que beijei ele?

Fechei os olhos e vaguei nas memórias do que tinha acontecido três dias atrás.

 

« * * * »

 

Há exatos três dias, numa segunda-feira, Lucas e eu decidimos passar o resto da tarde jogando em meu Playstation na sala após concluirmos nossa pesquisa e redigir o trabalho de geografia. Como tínhamos feito tudo muito rápido, havia bastante tempo antes da minha mãe chegar para levá-lo para casa quando fossemos à academia. Eu me concentrava no jogo, pois queria muito passar de fase, mas Lucas não parava de tagarelar, como sempre.

— Sabe, Vinicius, tem uma coisa que há muito tempo eu tô com vontade de te perguntar. — Percebi, pelo seu tom de voz, que ele estava um pouco desconfortável.

— O que é?

— Eu... — Ele hesitou. — Esquece, não é nada.

— Tem certeza?

— Bom, eu não... Ah, foda-se! Você... é BV?

Pausei o jogo para encará-lo. Seu rosto estava meio pálido, embora estivesse meio deformado pelo excesso de cravos e espinhas.

— Cara, o que você tem a ver com isso? — perguntei indignado.

— Nada, mas é que... Eu te falei, é só curiosidade.

— Tá. — Suspirei. — Pro seu governo, eu sou sim, mas não tenho vergonha disso. E quanto a você?

— Eu já beijei sim. — Admitiu com orgulho.

— Prima não conta, tá? — comentei sarcasticamente, recebendo um olhar franzido.

— Não foi uma prima, foi uma garota mesmo.

— Vou fingir que acredito.

— Haha, engraçadinho você, hein? — Ele fez uma careta debochada ao me responder.

Voltamos a jogar, no entanto, eu já não conseguia mais me concentrar totalmente ao tentar entender por que ele decidiu tocar nesse assunto no momento. Não me pareceu algo aleatório, ele parecia mesmo desconfortável.

— Lucas, por que você quis me perguntar isso?

— Eu te disse, curiosidade — respondeu rapidamente, disfarçando.

— Tem certeza de que é só isso? — insisti.

— Bom, para ser sincero, eu... É que eu tava pensando aqui comigo se você... — Seu rosto corou mais do que o normal e o seu constrangimento evidenciava que ele não estava sabendo como externalizar seus pensamentos.

— Ai, caralho! Fala logo de uma vez!

— Tá. Eu só queria saber se você é gay.

O som grave da televisão nos assustou. Havíamos nos desconcentrado do jogo e perdido a partida. Coloquei o joystick sobre a mesinha de centro e ele fez o mesmo. O encarei com vergonha, não sabendo como respondê-lo.

— De onde você tirou isso?

— É que... Bom, você não comenta nada sobre as garotas da sala que eu achei que...

— Só porque você e a maioria dos garotos são uns tarados pervertidos, não quer dizer que eu seja um também. Eu sou apenas tímido — o repreendi.

— Tá. Não tá mais aqui quem falou.

— Acho bom mesmo. Até porque você também não é lá um conquistador de primeira.

— Ah, eu só não quero namorar sério agora, só curto uns pegas. — Ele se defendeu.

— Que coisa mais estupida — desdenhei.

— Vamos lanchar? Tô com a maior fome.

— E quando é que você não tá com fome? — debochei.

— Haha, você é hilário! — ironizou ele e rimos completamente.

Desliguei a TV e o jogo da tomada e o guiei até a cozinha. Sobre a mesa de jantar, havia uma bandeja com um bolo de chocolate coberto de brigadeiro e granulado que eu havia feito antes dele chegar. Ajeitei a mesa, colocando os pratos, os talheres e os copos, servindo-o enquanto ele se sentava. Peguei uma caixa de leite achocolatado na geladeira e despejei a bebida em nossos copos, antes de me sentar para comer.

Enquanto eu comia minha primeira e única fatia devagar, observava Lucas devorar a sua e mais duas fatias com gosto. Embora ele não admitisse, sabia que ele amava os bolos que eu fazia, por isso preparei este antes de sua chegada, mas o que realmente me encabulava era ver como ele comia, não por gula, mas sim por seu porte físico.

— O que foi? Tá me olhando por quê? — disse ele de boca cheia.

— Que nojo! Não sabe que é feio falar de boca cheia? — Desviei o olhar ao notar sua boca e aparelho manchados de chocolate.

— Desculpa! — respondeu, cuspindo algumas migalhas sobre a mesa e rindo em seguida. — Mas então, o que foi?

— Nada. Só fiquei pensando... Sabe, eu não posso comer uma fatia dessa que já engordo uns duzentos quilos, mas você come um bolo inteiro e continua sendo essa tábua de passar roupa.

Levantando-se devagar, Lucas ficou parado enquanto levantava a mão direita, passando-a pelo cabelo, deslizando-a por trás da cabeça até a frente do pescoço, continuando a passá-la por todo seu abdômen, acreditando que estava sensualizando.

— É que eu nasci para ser gostoso.

Foi a minha vez de cuspir pedaços de bolo sobre a mesa enquanto uma risada desenfreada me tomou conta, contagiando Lucas também.

— Admito, essa foi boa! — Continuei rindo sem parar e senti que estava quase perdendo o controle da bexiga.

— Mano do céu, tô quase fazendo xixi nas calças — admitiu ele.

— Eu também.

Depois de rirmos muito, Lucas e eu voltamos a comer. Observando-o discretamente, ria ao analisá-lo melhor. Embora não me importasse com aparência e rótulos, eu havia o julgado mal quando o conheci. Ele e a família tinham vindo do Rio Grande do Sul e por serem de família tradicional e branca, pensava que fosse mimado e preconceituoso. Com o tempo, fui o conhecendo melhor e sentindo a culpa do meu julgamento pré-maturo.

Mesmo tendo um cabelo meio loiro e olhos azuis, ele era muito magro e desengonçado, a cara afetada pelas espinhas e cravos da juventude, e seus dentes bem cuidados estavam ocultos atrás do aparelho, fora o jeito meio maluquinho e as frases inconvenientes em alguns momentos. Porém, ele tinha seu próprio charme que o tornava único, fora o carisma e senso de humor insano. Realmente, ele era bonito a sua maneira.

Após terminarmos de comer, eu ajeitava a mesa e os pratos sujos enquanto ele voltava a tagarelar sobre coisas aleatórias, me arrancando risadas de vez em quando. Quando havia terminado de lavar a louça, comecei a secá-las para guardar e, então, o celular dele tocou.

— Mãe?... — Ele atendeu. — Sério? Tá... Daqui a pouco chego aí. Tchau!

— Sua mãe? — perguntei.

— Sim.

— O que ela queria?

— Ela quer que eu volte para casa agora. Comprou umas roupas novas, quer que eu experimente ainda hoje para ver se precisa trocar alguma antes da loja fechar.

— Ah, sim.

Logo após secar a louça e guardá-la, levei Lucas até a sala. Ele pegou suas coisas e passou a alça da mochila pelos ombros. Abri a porta para ele passar.

— Tchau, até amanhã! — disse ele.

— Até!

Estranhamente, Lucas se atrapalhou quando íamos apertar as mãos. Percebi que ele havia se constrangido e, ao invés de andar logo de uma vez, ficou parado na porta, me encarando.

— Que foi? — perguntei assustado.

— Sabe, até que para alguém acima do peso, você é fofinho. — Ele sorriu maliciosamente, mas sei que estava gozando com a piada.

— Haha, nem vem, tá? Eu só preciso perder mais dez quilos para tá no peso ideal.

— Não, tô falando sério. Você é bonito do seu jeito.

— Bom... obrigado, eu acho — respondi sem jeito.

Ele continuou parado e estranhei seu comportamento. Ele não era de enrolar assim. Seu rosto estava aflito e percebi que ele estava preocupado com alguma coisa, mas que não estava a fim de compartilhar.

— Lucas, aconteceu alguma coisa? Você não me parece bem.

— É que... Eu...

Ele hesitou e isso aumentou a minha preocupação. Acho que ele estava me escondendo alguma coisa, mas não conseguia imaginar o que é.

Sem saber como confortá-lo, o puxei para um abraço de conforto, massageando suas costas. Senti o cheiro amadeirado de seu perfume e cócegas com o roçar de seu nariz em meu pescoço, que me provocava um enorme arrepio. Vi que meu abraço surtiu efeito, pois o senti relaxar, mas quando íamos nos soltar, ele virou seu rosto na direção do meu, ficando a poucos centímetros de mim.

O hálito quente dele me desnorteou. Meus olhos se fixaram nos seus, hipnotizados. Senti um calor me tomar e minhas bochechas arderem. Num ímpeto, roubei-lhe um beijo sem pensar e, ao invés de resistência, o senti se entregar.

Após o beijo roubado, a surpresa tomou seu rosto e em um brusco movimento, ele me empurrou contra o chão, me desequilibrando.

— Vinicius, seu...

— Lucas, me desculpa!

Mas era tarde e ele saiu adoidado, correndo pela rua até sumir da minha vista. Lágrimas se acumularam em meus olhos e deslizaram sobre meu rosto. Me senti confuso e assustado, sem entender nada do que fiz. Fechei a porta e subi para o meu quarto, onde me deitei sobre a cama, me agarrando ao travesseiro enquanto o choro me dominava por inteiro.

 

« * * * »

 

Abri os olhos devagar, meu quarto estava todo escuro ainda. Apenas ouvi o ruído do alarme do meu celular tocando. Eram seis da manhã. Droga, devo ter adormecido. Me levantei com cuidado, indo para o banheiro. Levei alguns minutos no banho e me arrumando, antes de vestir meu uniforme e pegar minha mochila.

Comi algo rápido na cozinha, me despachando para fora. Eram vinte minutos até a escola. Ao chegar à minha sala, vi Lucas sentado em sua cadeira de costume, na fileira ao lado da minha. Quando entrei na sala, ele se sentiu nervoso e desviou o olhar. Me senti triste com sua atitude, mas sabia que só precisávamos de tempo para que pudéssemos nos entender.

Enquanto me ajeitava na cadeira, colocando a mochila no lugar, senti alguém se aproximar e me virei para ver quem era. Lucas havia se levantado para falar comigo.

— Olha, Vinicius, eu preciso falar com você. Será que você pode ir para minha casa depois da aula? Meus pais e minha irmã não vão estar. A gente pode conversar tranquilos e sem ninguém pra nos perturbar. É muito importante mesmo.

— Tá bom. A gente sai junto quando der o sinal — respondi educadamente.

O tempo na escola se arrastou devagar e tediosamente. Embora nossos amigos estranhassem nosso distanciamento, ninguém ousou falar nada ou comentar a respeito com um de nós, o que me fez sentir aliviado. Durante a apresentação do trabalho de geografia, tudo ocorreu normal, embora Lucas e eu nos atrapalhávamos um ao outro na hora de saber quem falava o quê. Eu apenas desejava que o tempo passasse logo, apenas queria resolver tudo.

Embora parecesse demorado, o sinal do fim do dia soou. Levantei com cuidado, pegando minhas coisas e me certificando de que havia guardado tudo. Me virei para Lucas e ele já estava se aproximando.

— Vamos? — perguntou.

— Vamos! — respondi.

O caminho até a casa dele não era demorado, apenas alguns minutos a pé já que ele morava perto da escola, no entanto, a caminhada era tensa e minha barriga parecia arder de tão nervoso que eu estava. Tudo o que eu queria era apenas me entender com ele e resolver o conflito.

Nenhum de nós ousou falar nada enquanto andávamos, mas eu esperava por isso. Enquanto mantinha atenção para andar sem tropeçar, aproveitei o tempo e o silêncio para pensar com clareza no que ia dizer.

Na verdade, durante toda a aula, eu não refletia apenas no ocorrido entre mim e Lucas, mas também no que eu conversara com minha mãe a respeito de eu ser gay. Para ser sincero comigo mesmo, eu nunca sequer cogitei refletir sobre quem eu era de verdade. Eu não nego que, durante alguns momentos, eu tive algum tipo de atração por alguns garotos com quem estudei ou tive contato, mas... qual é, são os hormônios da adolescência, não?

Bom, e se não for? Embora eu tenha gostado daquelas meninas na infância, eu percebi que desde que entrei na puberdade, as meninas não se tornaram atraentes para mim. Eu nem sequer dava moral aos comentários de colegas sobre beleza feminina, sexo ou assuntos do gênero. Se isso tudo me ocorreu, será que eu não poderia ser?

Se eu parar para pensar bem, há um bom tempo em que olho para Lucas de uma maneira diferente de cinco anos atrás. Vi ele crescendo, seu corpo mudando e toda a bagagem que vem com o resto. Já me flagrei pensando bobagens com ele e, em algumas noites, tive sonhos meio perturbadores com sua imagem. Será que no fundo eu não posso ser um garoto gay que se apaixonou pelo seu melhor amigo?

Talvez minha mãe tivesse razão. Durante aquele beijo, nosso beijo, não foi um ato impensado que eu cometi, apenas um desejo súbito que me ocorreu no momento. O toque dos braços dele nas minhas costas durante nosso abraço me fez formigar inteiro, o perfume dele me embriagou como nunca, seu hálito quente me deixou confuso, desnorteado, mas quando sua boca se aproximou da minha, eu estava ardendo de desejo para senti-la. A verdade era que eu desejava aquele beijo mais do que nunca.

Meus devaneios cessaram quando reparei que havíamos chegado em sua casa. Lucas abriu a casa e me deu passagem para entrar primeiro. Ele fechou a porta, trancando-a, assim podíamos ouvir quando alguém chegasse. Ele me perguntou se eu queria almoçar antes, mas o anseio por nossa conversa deixava meu estômago embrulhado, portanto, não sentia fome. Ele respondeu que também estava se sentindo meio enjoado, o que me deu a entender que ele também estava nervoso. Nos sentamos no sofá da sala, olhando um para outro, mas pelo visto, nenhum de nós sabia como iniciar aquela conversa.

— Olha, Lucas, eu sinto muito se eu te fiz se sentir mal, tá? Não foi minha intenção — disse envergonhado.

— Eu sei — disse ele simplesmente.

— Eu... Eu não sei o que me deu. Eu não queria ter te... Na verdade, eu queria sim, mas eu não sei por que eu... — Enquanto cuspia as palavras para fora, uma vontade súbita de chorar foi me tomando, algumas lágrimas começaram a escapar.

— Vinicius, calma! Eu...

— Não, olha, a culpa é minha. Eu não devia ter... Sério, sinto muito, mas eu realmente não sei o que me...

Meus olhos se arregalaram, a surpresa tomou meu rosto totalmente e meu choro desenfreado parou no instante em que seus lábios tocaram os meus mais uma vez. Foi um beijo suave e o toque de sua boca fazia a minha arder de desejo.

— Eu... Eu não entendo — disse cabisbaixo enquanto ele se afastava.

— Eu também não. — Me respondeu.

— Como assim? — Fiquei pasmo com sua resposta.

— É que eu... Eu também senti vontade de te beijar naquela hora — admitiu envergonhado.

Levantei a cabeça para observá-lo. Ele estava tão confuso quanto eu. Seu olhar era triste e vê-lo tão deprimido me fez me sentir mal também. Me aproximei com cuidado, ele levantou o rosto para me olhar e aproveitei o seu gesto para lhe dar outro beijo, o qual ele se entregou inteiro.

— Eu... Eu não sei por que, Lucas, mas eu... eu senti tanta vontade de te beijar que não sei explicar.

— Antes de tudo, me desculpa se eu te magoei ou se te fiz sofrer nesses dias em que me afastei. Eu estava me sentindo confuso, perdido, sem saber o que fazer. Eu queria dar um tempo para colocar a cabeça em ordem.

— Eu entendo. Também aproveitei esse tempo para pensar.

— Sabe, Vinicius, eu sempre me gabei para nossos colegas e amigos de que era um “galinha”, um pegador, mas a verdade é que quando eu ficava com uma garota mesmo, eu não me sentia completo, feliz ou satisfeito. Eu me perguntava por que, mas eu acho que sempre soube a resposta, só não queria admitir a mim mesmo.

— Minha mãe conversou comigo ontem, quando notou que eu estava desaminado. Me fez algumas perguntas que me fizeram pensar no assunto também.

— Então, também ficou se perguntando, não é? — Me encarou ao perguntar.

— Sim, que nem você — respondi com um sorriso tímido.

Continuamos a nos encarar, mas agora, o silêncio era dominante. Embora não mexêssemos a boca, percebíamos os pensamentos confusos de cada um pelo olhar. Estávamos a perceber quem seria o primeiro a admitir a verdade e, vendo que ele se sentia igual, decidi ser o primeiro a romper o silêncio.

— Acho que a verdade, Lucas, é que nós somos iguais.

— Sim — admitiu.

— Você e eu. Nós somos... — Tentei criar coragem para falar.

— Nós somos gay — disse ele primeiro.

— É, acho que sim. — Sorri timidamente e ele também.

— Mas será que também somos? — perguntou e estranhei suas palavras.

— Somos o que?

— Apenas amigos? Ou... — Seu rosto se enrubesceu com a vergonha.

— Apaixonados um pelo outro? — admiti com dificuldade, mas me senti aliviado quando confessei essas palavras.

— Eu prefiro acreditar que sentimos o mesmo — disse ele com orgulho.

— Eu também. — Olhei em seus olhos para que pudesse ter certeza da minha resposta.

Com um gesto tímido, ele se aproximou de mim mais uma vez, desta vez encostando bem nossos corpos, fazendo com que sentíssemos o calor um do outro. Ele repousou a mão gentilmente sobre o lado esquerdo do meu rosto, virando-o para que fixasse nossos olhares e com tamanho cuidado e carinho, me deu outro beijo, apaixonado e ardente.

O tempo tornou-se irrelevante para nós e o sabor de sua boca me inundou. O desejo nos tomou conta e tornou-se mais ardente. Pressionando-me, ele me deitou sobre o sofá, sua mão boba passeou pelo meu corpo, enquanto mantinha a outra entrelaçada com a minha. Minha mão livre massageou seu cabelo oleoso e nosso beijo ficou mais selvagem.

O ar se tornou necessário e ele se desvencilhou para que pudéssemos tomar fôlego.

— Lucas, será que você pode me perdoar por todo o sofrimento que lhe causei?

— Só se você me perdoar também, Vinicius.

— É claro que eu te perdoo. Eu... Eu te amo! — admiti tímida e orgulhosamente.

— Te perdoo também. E também confesso, te amo loucamente!

Ele voltou a me beijar e senti o desejo gritar por todo o meu corpo. Embora estivesse aproveitando aquele momento, comecei a pensar sobre o futuro. Pensamentos e anseios tomaram a minha mente, o que me abalou fisicamente e ele percebeu, se afastando para que eu pudesse me sentar outra vez e me recompor.

— O que foi, Vinicius? — Me perguntou preocupado.

— É que... Eu fiquei pensando. Nós vamos... Como vamos falar para nossos pais? Nossos amigos? Como vamos...

Lucas pegou minhas mãos gentilmente e as segurou com firmeza. Ele usou movimentos sutis dos dedos para massageá-las e isso foi me acalmando. Olhei para ele, que me lançou um semblante de tranquilidade. A visão do seu rosto tranquilo me acalmou e um sorriso dele me contagiou de coragem.

— Calma, Vinicius! Calma! Eu sei que ficou preocupado de repente, mas... Me escuta. A gente vai enfrentar uma coisa de cada vez.

— Mas e se a gente não conseguir?

— Não vai ser fácil, nunca será. Mas não podemos temer pelo o que está por vir. Você me ama, não ama?

— Amo. Amo muito.

— Eu também te amo. Muito. E esse amor é o que nos vai dar força para enfrentar tudo, seja o que for. Eu confio em nosso amor e você?

— Eu... Eu confio.

— Então, não precisamos temer nada. Basta termos fé e coragem.

— E confiança um no outro.

— Isso. Eu prometo a você que, enquanto meu coração bater por você, que estarei do seu lado para o que a vida nos reservar. Vou lutar ao seu lado por nós e por nosso amor. — Me encarou nos olhos ao fazer a promessa e senti suas emoções por trás das palavras.

— Lucas, eu prometo a você que, enquanto eu te amar, vou ter coragem e fé para lutar. Vou lutar por esse amor, pois você é tudo para mim.

— Isso já basta para mim. — Sorriu.

— Para mim também.

Ele segurou meu rosto com ambas as mãos e me deu outro beijo apaixonado, que me inundou de amor, coragem e paz. Se afastou um pouco, roçando nossos narizes e entrelaçando nossos olhares.

— Eu te amo, Vinicius!

— Eu te amo, Lucas!

E me beijou outra vez.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam dessa história? Gostaram? Não gostaram? Por favor, deixem seus comentários para eu saber o que acharam da história!

Muito obrigado por lerem e ter me dado essa chance. Espero que tenham gostado. Desejo vê-los em breve novamente, seja na minha ou nas histórias de vocês. Até breve!



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