EU TE VEJO - Um romance com o Coringa. escrita por Eurus


Capítulo 3
Escuro, frio e úmido.


Notas iniciais do capítulo

Só de estar lendo esse capítulo você já concorre a participar dessa fanfic. Como?

EU TE VEJO terá uma sequência em forma de Interativa. Ao final dessa fanfic, terá a chance de inscrever um personagem criado por você que poderá participar da história e ter momentos com seus personagens favoritos dessa fanfic!
Mas pra isso precisa chegar lá no último capítulo. Te aguardo ansiosamente!

As inscrições serão abertas na semana de 27/03/2024 e encerrarão quando houverem inscrições suficiente ou na semana 27/04/2024.



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Nem tudo que as pessoas fizeram podia estar em uma ordem lógica e correta, especialmente quando estavam sozinhos.

Ian McEwan 

 Desejo e Reparação

 

Britta retomou a consciência, como se estivesse acordando de um sono do tipo em que se acorda mais cansado e com o corpo dolorido em vez de reenergizado. Reconheceu uma dor pulsante em sua cabeça no mesmo momento em que percebeu que estava deitada de lado no que parecia ser um chão frio. Abriu os olhos mas não conseguiu ver nada. Quando piscou algumas vezes percebeu que estava vendada. Sentia os cílios roçarem no tecido que não estava tão apertado. 

A dor no rosto lhe atingiu novamente mais intensamente e quando tentou levar as mãos para o rosto, sentiu que uma corda amarrada ao seus pulsos lhe impedia de se mover propriamente.  A corda estava amarrada também aos seus calcanhares. Sentiu-se como um animal preso, uma presa no escuro pronta para o abate.

Foi nesse momento que a confusão deu lugar ao medo porque Britta finalmente entendeu que de fato havia sido sequestrada. A memória do que aconteceu no apartamento parecia tornar a dor na cabeça ainda pior. A lembrança dos homens com máscara de palhaço a encarando lhe fez pensar no Coringa. O criminoso sádico, caótico e imperdoável que anos atrás causou grande pavor na cidade. 

Britta, que sempre se sentiu confortável em ambientes escuros e silenciosos, estava prestes a ter um ataque de pânico. Indefesa e completamente vulnerável, sentia urgência em enxergar alguma coisa, ouvir alguma voz, saber onde estava, porque estava ali e o que planejavam fazer consigo. 

Sua ansiedade aumentou ao entender que tudo aquilo era um engano e que poderia sofrer ou até mesmo morrer por algo da qual ela não tinha nada a ver. O lugar era tão frio que sua calça moletom e camisa não lhe agasalhava o suficiente. Britta lembrou que não vestia peças íntimas e diante tamanha vulnerabilidade não conteve as lágrimas com medo do que aconteceria consigo.

— Britta Lena Ledger… — a voz masculina soou de repente, muito perto, grave, baixa, sorrateira e maliciosa.

Deduziu que a pessoa estava a sua frente, a voz vinha de cima, mas Britta sentia que ele estava perto. Naquele momento a mulher se esforçou em deixar suas emoções em segundo plano, precisava se manter atenta e o mais calma possível. 

— Advogada nas Empresas Wayne… — ele continuou falando lentamente, aparentemente se deliciando a cada palavra dita. — Deveria morar em um prédio mais seguro... 

No momento em que a venda foi retirada bruscamente, por reflexo e receio do que veria, Britta apertou os olhos e se encolheu de forma defensiva. 

— Manter os olhos fechados não vai mudar muito as coisas… — ele falou paciente quase como se realmente se importasse. — Mas não se sinta pressionada a fazer nada que não queira, afinal vamos trabalhar juntos a partir de agora. Eu gostaria de manter o ambiente agradável! — ele estava entusiasmado — As Empresas Wayne não tem explorado o seu talento, mas eu realmente consigo ver o seu valor...

A primeira coisa que viu foi o colete verde musgo, a cor que mais se destacava com a má iluminação do lugar, notou a forma como os braços longos e levemente atléticos descansavam em suas pernas abertas e relaxadas. As mangas da camisa foram enroladas para cima, deixando seus braços expostos, sua pele era limpa e branca abaixo dos fios loiros e ralos. 

Viu suas mãos, onde notou as unhas mais longas que o normal para um homem, porém limpas, com exceção do que pareceu ser mancha de tinta branca e preta, sobretudo nos dedos indicador e médio da mão direita. Juntando todas aquelas pecinhas, ela teve certeza de quem se tratava. Coringa estava sentado a pouco menos de um metro de distância, bem a sua frente. 

Britta estava na verdade deitada em uma espécie de cama de concreto, do tipo que tem em prisões. O cubículo, que parecia uma solitária, era pouco iluminado por uma pequena abertura retangular no alto da parede atrás da moça. Conseguiu mensurar talvez 4m² de paredes e chão de cimento. Não havia nada de agradável naquele ambiente. 

Manteve o olhar baixo, evitando a todo custo olhar acima do abdômen de seu raptor. Notou a porta um pouco aberta a dois metros bem atrás do homem. Pouco convidativa a um possível escape, o lado de fora também mantinha-se em um escuro denso. Diante o silêncio do criminoso, Britta pensou no que ele acabara de falar. Ele não havia a confundido com ninguém e não pretendia lhe matar.

…trabalhar? Comigo?

— Eu não entendo… — arriscou, a voz baixa.

— O que? Fale mais alto querida, eu mal consigo te ouvir.

A forma como falava, cada palavra que ele proferia era uma dúvida, um ponto de exclamação, um questionamento de até que ponto ele manteria a calma e estabilidade quase teatral. Qualquer um dos cidadãos de Gotham que teve o desprazer de ver um vídeo ou outro que ele enviou aos telejornais sabe de sua verdadeira natureza caótica e selvagem. Britta estava com tanto receio, que se sentia desconfortável em sua própria pele. 

— Não entendo… — falou mais alto. — Não entendo o que tudo isso significa…

Ele deu uma risada falsa e rápida. Um riso de desdém. Ele não tinha qualquer interesse na compreensão de sua vítima. 

— Eu sempre tive um certo…interesse em contribuir com o progresso de Gotham. Fazer a minha parte, sabe?! — Britta teve que se conter para não fazer uma careta de incredulidade com o que estava ouvindo. — Mas algumas coisas mudaram e nos anos recente eu tive tempo para refletir no futuro, os jovens talentos que existem… — O Palhaço falava com um entusiasmo quase sincero. — E você, senhorita Ledger, é um desses talentos — A moça resistiu a vontade de olhá-lo. — Sei que é inteligente, é óbvio que ficou muito claro pra você do que estou falando.

— Tudo o que sei está no meu laptop e nos documentos que seus capangas devem ter pegado — flashes do que se passou em seu apartamento surgiram em mente.

— Ah...Eles me trouxeram apenas isso…

Britta o viu aproximar a mão pálida lentamente em sua direção, ele colocou seu smartphone em frente a seu rosto, a alguns centímetros de seus olhos. Obviamente incapaz de alcançar o celular, Britta sentiu o sarcasmo e a maldade do ato. Por que eles não levaram para ele seu laptop e os arquivos? Será que ele estava mentindo? Naquele momento Britta se viu obrigada a encará-lo. Cautelosamente arrastou o olhar até o rosto.

E lá estava, menos aparente por conta do escuro, a pintura familiar. Os cachos esverdeados mais curtos do que ela lembrava. Sim, ela lembrava. Aquele dia anos atrás em que o viu pessoalmente, da calçada daquela livraria. Lembrou como se tivesse acontecido na noite anterior. Ele no caminhão, os cabelos mais longos no queixo voando ao vento, flutuando rua abaixo. Dessa vez seu rosto estava muito mais perto. 

Aquela altura, enquanto observava as cores distribuídas pelo rosto, Britta se perguntava: por que pintar o rosto daquela forma? Por que não usar uma máscara? Realmente, a pintura assustava qualquer um à sua frente. Talvez por conta da má iluminação, as cicatrizes ao redor da boca pareciam quase imperceptíveis. Quando se deu conta do silêncio, Britta percebeu que ele também a olhava, de forma curiosa. Envergonhada, baixou o olhar novamente engolindo um pouco de saliva enquanto sentia um arrepio subir em suas coxas. 

No segundo seguinte ele se levantou tão abruptamente que a cadeira de aço caiu para trás tamanha sua força e isso a fez se sobressaltar. Se encolheu e toda a tensão dominou seu corpo novamente com medo do que ele faria a seguir. Ele pegou o celular para si e saiu fechando a porta com força. O baque da porta a fez se encolher ainda mais com o susto.

A mente da moça explodiu em perguntas. Teria ele perdido a paciência? Teria ela falado algo de errado? Será que finalmente ele decidiu lhe torturar? Faria mesmo sentido tentar entender qualquer que fosse a atitude daquele homem? Mais dúvidas, incertezas e de novo o medo do desconhecido tomou conta de si.

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Se passaram talvez 45 minutos, três, seis ou mais horas, Britta não saberia dizer, mas seu corpo já a importunava, suas articulações doíam por estar deitada na mesma posição por tanto tempo naquela ‘’cama’’ de pedra. Teria arriscado se sentar se a distância da corda entre seus pés e pulso não fosse tão curta. 

Prezando pelo máximo de conforto que podia ter se manteve como a deixaram, mas de longe aquilo estava confortável, sobretudo seu ombro, cotovelo e quadril do lado direito doíam muito, mas além de estar literalmente presa à forma que a amarraram, Britta decidiu que seria melhor não ficar em outra posição que não fosse aquela, com visão para a porta.

Com o passar do tempo, porém, a luz que vinha de fora diminui rapidamente o que tornou o cubículo tão escuro que a única forma de pré-aviso de uma visita seria o barulho da porta metalizada. Quando entendeu isso, Britta percebeu que não ouviu o Coringa chegar quando estava vendada mais cedo, o que lhe fez pensar que ele estava lhe assistindo enquanto inconsciente. Sentiu-se constrangida com o pensamento e focou em seus arredores mas estava ficando cada vez mais difícil ficar alerta e a diminuição drástica da luz a fez cair no sono em poucos instantes. 

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Assustada e alerta acordou novamente no denso escuro, dessa vez sua cabeça já não doía tanto. E como se tivesse ensaiado, a porta se abriu num estrondo e completamente encolhida contra si mesma, Britta ouviu múltiplas pessoas entrarem rapidamente no lugar, uma luz forte surgiu em seu rosto a fazendo fechar os olhos, no mesmo segundo a luz pareceu sair de seus olhos enquanto alguém agarrou a corda entre seus calcanhares e mãos. Não conteve o gemido de medo e estava prestes a chorar com o contato quando sentiu a faca afiada cortar aquela parte da corda entre sua perna e mãos.

Abriu os olhos para ver um dos homens a segurando pelo ombro a fazendo se sentar na cama. Um deles segurava uma lanterna em sua direção, mas a luz era forte o suficiente para ela ver outro mais atrás na porta com uma submetralhadora em mãos. Todos usavam capuz preto mas ela sabia que eram os homens do Coringa, sem dúvida. 

Ainda tinha as mãos e pernas amarradas, mas Britta conseguia se mover mais livremente. O homem à sua frente voltou a segurar com força ambos os seus ombros fazendo-a olhar atenta para ele. 

— Preste atenção ao que vou dizer — A voz masculina do estranho soou abafada, Britta vacilou o olhar por um segundo para olhar os outros ali, incerta e temerosa do que aconteceria consigo a partir dali. — Você será deixada próxima a delegacia. Lá você vai contar que foi sequestrada por engano, diga que foi confundida com o engenheiro Jenkins. Jenkins, repita. 

— Jenkins — a voz saiu arranhada enquanto repetia confusa com o que estava ouvindo. 

— Vai voltar para seu apartamento e sua rotina. Você voltará a viver sua vida normal, com exceção que será monitorada 24 horas por dia, tudo que você ver, veremos, tudo que ouvir, ouviremos. Mensagens, telefonemas, e-mails, saberemos de tudo — seu tom era ameaçador. — Seu objetivo será nos passar informações secretas das Empresas Wayne. Queremos acesso a tudo o possível. Faça tudo certo e ninguém que estiver ao seu redor sofrerá as consequências — logo pensou em Jocelyn, lembrou-se que Coringa tinha seu telefone, obviamente ele agora tinha o contato dela.

De repente, sem dar mais instruções ou explicações, colocaram-lhe um saco de pano em sua cabeça e novamente Britta se viu num completo escuro. Mas por conta do que ouviu anteriormente, sabia que não lhe fariam mal algum. Raciocinou que sairiam dali e para manter a localização do local um segredo, lhe colocaram naquele saco. Sentiu o homem cortar a corda dos seus pés mas mantiveram as das mãos. 

— Levanta — mandou e a posicionou a alguns passos para frente e com uma mão atrás do seu pescoço passou a lhe guiar. 

Enquanto andava no escuro sentiu os pedaços da corda nos pés ficarem para trás mas temeu que tropeçaria a qualquer momento. Sua mente estava trabalhando a mil tentando processar tudo o que o capanga lhe falou. Britta entendeu que continuaria refém de uma mentira, uma mentira que teria que contar a polícia, se tornaria cúmplice de um provável plano criminoso.

Sua vida estava ameaçada. Teve flashes do seu quase esquecido passado. Talvez por conta da fome e do frio, Britta se sentia enjoada ao trilhar o obscuro e tortuoso caminho com tanto medo ainda lhe dominando. Com tanta informação e incerteza, algo era certo: ser marionete do Coringa não era o que esperava por seu futuro.

Em algum momento foi empurrada para baixo pela cabeça e sentiu-se sentar em um assento estofado. As portas se fechando e o barulho do motor deixou claro que estava em um automóvel. O percurso foi longo com muitas curvas e silencioso demais, o que a fez imaginar que estavam passando por alguma área abandonada e bem distante do centro da cidade ou talvez já fosse tarde na madrugada.

Quando o carro finalmente parou, retiraram o capuz e a corda em suas mãos. Ao seu lado direito Britta viu um homem mal encarado. Como advogada, a moça sabia que ver o rosto de um de seus captores não era um bom sinal, mas não pensou muito nisso quando ele lhe entregou seu celular. 

— Lembre-se, estamos te observando, sempre — uma pistola prateada brilhava em sua mão. — Sai do carro.

Assim que pôs os pés na calçada o carro partiu em velocidade, mas Britta não teve pressa de correr para o DPCG que reconheceu logo mais a frente. Olhou ao redor extasiada pela sensação de liberdade, sempre gostou de ruas vazias a noite. 

Foi andando cada vez mais depressa, mas assim que pôs os pés no Departamento de Polícia da Cidade de Gotham, se conteve quando lembrou que não poderia contar a verdade ou as pessoas próximas dela sofreriam as consequências. Vendo o vai e vem enérgico de policiais, infratores e criminosos na delegacia, Britta refletiu em Jocelyn. 

Por mais que não considerasse a ruiva uma amiga, Britta não queria o sangue de alguém em suas mãos, não queria ser culpada pelo sofrimento e morte de ninguém. Enquanto olhava o ambiente ao redor, a mulher sentiu-se péssima por ter uma mentira pronta para contar à polícia. 

Não se surpreendeu quando ninguém lhe deu atenção, estavam todos muito ocupados e ela preferiu sentar-se em uma cadeira em uma mesa vazia ali. O piso principal tinha as mesas da maioria dos policiais, haviam três celas ao fundo e a estrutura se abria à esquerda. Subindo qualquer uma das duas escadas laterais era possível ter acesso a um corredor onde ficavam setores como a sala do capitão, salas de arquivo e do médico legista forense. 

Apesar de ver mais motivos para criticar a polícia que respeitá-la, Britta acreditava que a Lei tinha um papel importante, sobretudo em uma sociedade tão deturpada como Gotham. Realmente não se importava com as Empresas Wayne e seus negócios mas mentir para a polícia a mando do próprio Coringa? Se sentia a maior hipócrita de todos os tempos.

Mas foi o que fez. Tentou contatar a Capitã, mas esta não estava presente, um detetive, John Blake foi quem a atendeu, quando soube que se tratava da vítima do sequestro do Coringa, o jovem policial tornou-se extremamente atencioso a fazendo entrar em sua pequena sala e se sentar à mesa. Imediatamente pediu que ela aguardasse e um tanto ansioso fez uma ligação.

Depois de pedir a um policial para providenciar algo para Britta comer, John explicou que havia uma investigação aberta por conta da ligação telefônica com Jocelyn Scott e que a própria encontrou os policiais em seu apartamento na noite anterior, quando aconteceu o sequestro. 

Enquanto terminava de contar as meias verdades e meias mentiras, o próprio Comissário James Gordon chegou, o que a deixou mais ansiosa. Primeiro porque Gordon era um tipo de celebridade para qualquer um que tivesse esperança de uma Gotham melhor. Britta sabia que aquele homem era comprometido com a justiça, sobretudo o olhar atento do bigodudo a fez se sentir intimidada. 

Cansada e com fome, a mulher contou tudo o que havia contado ao detetive Blake e Gordon fez mais perguntas que Britta teve facilidade em responder, afinal, havia sido de fato raptada e mantida em cativeiro. Gordon partiu da sala em busca das imagens de segurança da delegacia e dos prédios ao redor e também para despachar viaturas pela região, com a esperança de colher alguma informação sobre o carro que deixou Britta ali perto.

A moça registrou a queixa e o depoimento formalmente, depois, fez os exames para o corpo de delito, o que não demorou muito, já que não havia sido tocada muitas vezes. Sentiu um mix de sentimentos quando John se despediu.

— Não se preocupe, o Comissário está a frente da investigação e pode ter certeza que tudo vai ser esclarecido e você ficará em segurança. 

Diante do olhar bondoso do jovem detetive e do cansaço físico, Britta quase deixou cair sua máscara. Precisava sumir do mundo debaixo das cobertas da sua cama antes que suspeitassem de sua mentira.

>>>

Neville é um bairro com casas noturnas e restaurantes mais elegantes e badalados de Gotham. No entanto, sobretudo à luz do dia, é um bairro tranquilo, onde a criminalidade e a marginalidade não tem vez, o que a torna uma boa região para casarões e edifícios residenciais para a alta sociedade. 

— Você sempre gostou dessa casa, não é? — Bruce falou enquanto fatiava com rapidez e precisão uma fileira de legumes coloridos. 

— Eu agradeço por tê-la passado ao meu nome. — Alfred respondeu, sentado na bancada da cozinha, assistia curioso o rapaz. 

Distante dos olhos do mais velho Bruce revirou os olhos enquanto jogava fatias de cenouras e brócolis numa panela com água já quente.  Alfred sabia que não obteria resposta, por isso continuou assistindo ao moreno enquanto ele ia e vinha mexendo em panelas diferentes. Agora despejava cubos de carne vermelha numa frigideira com óleo quente.

— Já deixou bem claro que não sou mais o mordomo, mas tem certeza que não precisa de uma ajuda? — notou que se tratava de um prato com muitos preparos.

Bruce se virou para Alfred e o olhou por um breve instante antes de negar com a cabeça. Era óbvio que as coisas haviam mudado. Alfred estava claramente mais velho, já não conseguia manter sua postura ereta por muito tempo, ainda que com sua elegante muleta. 

Quanto a Bruce, a pele queimada do Sol, os fios grisalhos iluminando seus longos cabelos e barba, lhe davam um ar um tanto quanto country. Foi a barba que mais chamou a atenção de Alfred que se segurava para não perguntar quando ele pretendia se livrar dela. 

Acima de tudo, o senhor inglês sabia que Bruce não tinha intenção de ser Bruce Wayne, afinal, como voltaria dos mortos aos olhos públicos? Talvez por isso mantinha o novo visual, era seu novo disfarce. Suas roupas casuais pouco combinavam com a cozinha de luxo. Era quase como se Bruce não pertencesse àquele lugar. 

Havia três anos que Bruce voltou à cidade sem aviso prévio, revivendo uma cena que ambos naquela cozinha não anteciparam, Batman e Coringa duelando pelas ruas. Alfred estava preocupado. Ele pensou que Bruce estava feliz com Selina Kyle e no entanto ali estava ele, de volta à nuvem escura de Gotham, mais melancólico, pensativo e mau humorado. Para Alfred, Bruce não queria estar ali e era seu objetivo e seu dever, pensava ele, fazer Bruce tomar uma decisão por si próprio em vez daquela cidade.

— Vejo que a senhorita Kyle lhe ensinou alguma coisa — Alfred falou novamente ao sentir o aroma saindo de uma das panelas.

Bruce sorriu de lado, ainda de costas para o mais velho. 

— Eu descobri que tutoriais no YouTube podem ser incrivelmente úteis. 

— Sim, aprimorei minhas técnicas de crochê assim — quando voltou a falar, Alfred soou hesitante. — Nenhum sinal do Palhaço desde então?

— Você já saberia se eu soubesse de algo — Bruce respondeu enquanto lavava algumas louças. 

— Ah…eu saberia então? — ao ouvir isso Bruce se virou na direção do mais velho. Era nítida sua irritação. 

— Alfred, nada mudou.  

— Continue dizendo isso até você acreditar — retrucou teimoso e Bruce respirou fundo. 

— Tudo que te falei é verdade. Os três caminhões escaparam e nenhum dos capangas do Coringa resistiu para nos dar alguma informação. 

— E por que não me conta o que conversou com John Blake àquela madrugada no hospital? — Bruce respirou fundo negando com a cabeça, tinha um sorriso amarelo no rosto.

— Estou impressionado em como suas habilidades de interrogação decaíram com o tempo — provocou.

— Vejo que continua afiado para desviar dos assuntos — o mais velho rebateu.

Alfred colocou as mãos na bancada, respirou fundo e ao soltar o ar colocou toda sua força se levantando enfim do banco, Bruce o observou com nítida preocupação, era claro como o tempo havia tratado Alfred, ainda que o mesmo se mantivesse elegante com sua vestimenta formal. 

— Eu confio que Gordon logo terá alguma informação sobre o Coringa e não se preocupe com o Detetive Blake — respondeu dando as costas e voltando-se para o fogão.

— Ah…—  Alfred levantou uma sobrancelha. — Então quer dizer que agora posso apelar para minha velhice quando eu quiser que me dê respostas? 

Bruce riu baixo e negou com a cabeça. Alfred sorriu.

— Acha que o fato de Gordon saber a identidade do Batman vai mudar muita coisa?

— Bem…

O som de uma música interrompeu sua fala. Bruce alcançou seu smartphone na bancada de mármore da cozinha e levantou o visor na direção de Alfred onde ele pode ler ‘’Comissário Gordon está ligando’’.

— Vamos descobrir — Bruce respondeu antes de atender a chamada.


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