Teimosia e Consequência escrita por Viih Slytherin


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Minha primeira (espero que de muitas) história no fandom de O Senhor dos Anéis, mais precisamente de O Hobbit.

Primeiramente gostaria de agradecer ao pessoal do grupo do Nyah! do facebook que me ajudou com suas experiências pessoais com a intolerância à lactose, o que foi muito útil para essa fanfic (já que eu não tenho nem convivo com ninguém que sofra disso). Meu muito obrigada então, mesmo que isso tenha sido há meses kkkjkjk sim, já faz tempo que eu estou com essa ideia na cabeça.

Enfim, ninguém lê isso de qualquer jeito. Boa leitura!

Ah, a epígrafe é de uma banda que indico demais, se chama Wind Rose e eles se caracterizam e escrevem músicas com temas de anões da terra média (inclusive eles farão turnê no Brasil esse ano, e eu estarei lá ♥).



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“Para os anões, viemos de muito longe 
Maldições cobrem os corredores 
Chuva de fogo no escuro cancela a noite 
Ascenda ou caia, é seu próprio destino” 

Wind Rose - There And Back Again 

 

 

Bilbo suspirou ao tragar seu cachimbo. Dentre as muitas coisas de casa que sentiu saudade, um bom trago do Velho Tobby estava entre as principais. Não que ele não gostasse da erva de fumo dos anões, mas nada se comparava a suavidade do conforto familiar. 

Acomodado em seu mais novo jardim, o hobbit assistia o sol baixar no horizonte banhando suas flores recém-plantadas com seus raios dourados, e o conjunto composto com o aroma de biscoitos recém assados vindo em ondas de dentro de seus aposentos o enviava diretamente em uma espiral de contentamento que apenas o lar poderia causar em um hobbit, e nada poderia ser mais pacífico. 

Um pequeno local para cultivar uma modesta horta e jardim fora o único pedido de Bilbo ao decidir permanecer em Erebor após a batalha, e ao fazê-lo, tudo o que ele imaginava era um pedacinho de terra na base da montanha, talvez até mesmo em Vale, que agora estava sendo reconstruída, e qual não foi sua surpresa quando Thorin o presenteou não com um simples espaço para cultivo, mas um amplo jardim escavado na pedra, ligado a um conjunto de moradia na ala real. 

Agora, portanto, ele era o orgulhoso proprietário de um belo jardim em progresso, vizinho do próprio Rei sob a Montanha. 

E para completar sua satisfação com suas novas acomodações, recentemente ele pôde ter sua própria cozinha reformada e colocada em condições de uso, pronta para comportar as sete refeições diárias de um bom hobbit de respeito. Bilbo havia perdido muito de sua boa forma redonda e macia durante os longos meses da dura jornada, e mal podia esperar para recuperar suas curvas. 

― Percebo que me adiantei para a hora do chá. 

Thorin sorriu com humor para o hobbit que agora tossia, engasgando-se com a fumaça após ser surpreendido pela aparição repentina do anão. Tirando o cachimbo de suas mãos, Thorin usou a mão livre para dar leves batidas nas costas de Bilbo, que o olhava irritado ao passo que se recompunha. Mesmo perturbado e um tanto sem fôlego, Bilbo ainda constituía uma visão e tanto banhado pelo sol do fim de tarde, seus cachos brilhando dourados coroando a pele bronzeada e os olhos iluminados pela luz natural, e, para Thorin, nada jamais poderia se comparar em beleza. 

― Acho que eu me demorei demais na cozinha ― Bilbo respondeu ao se acalmar, sinalizando para que o anão tomasse o lugar à sua frente à mesa de chá que reinava no centro do jardim. ― Perdi a noção do tempo. 

Thorin assentiu, dando uma longa tragada no cachimbo de Bilbo antes de devolvê-lo ao dono, relaxando com a erva suave do Condado após um dia estressante trabalhando para resolver os infindáveis percalços do processo de se gerir e reconstruir um reino. 

― Soube que a reforma em sua cozinha particular foi concluída ― Thorin concordou, aceitando de volta o fumo que agora dividiam. ― Mal posso esperar para experimentar seja o que for que o fez se perder no tempo. 

Bilbo corou adoravelmente, ou talvez fosse o sol quente sobre a pele, o rei não saberia dizer, mas o sorriso que acompanhou aquecia seu coração com ternura. 

A verdade é que o hobbit se encontrava na mesma medida animado e nervoso com suas criações do dia. 

Desde criança ele sempre ouviu de seus pais, e também de outros hobbits mais velhos, que a pessoa amada se conquistava pelo estômago. E com flores, mas esta parte não se aplicaria a sua situação atual, onde o alvo de suas atenções era um anão, não um hobbit. Mas os anões gostavam de comer, se o estado em que deixaram sua despensa tivesse algo a dizer sobre isso, e com a conquista de sua nova cozinha, tornava essa a oportunidade perfeita para colocar seus dotes culinários a prova. 

O último dos detalhes que faltava foi concluído pela manhã, deixando Bilbo livre para trabalhar em suas duas refeições subsequentes antes do chá das quatro, para o qual preparou uma fornada generosa de biscoitos amanteigados com creme de leite que ele mesmo bateu. 

― Eu assei biscoitos ― o hobbit comentou, deixando o cachimbo com Thorin, a fim de buscar os utensílios de chá. ― Deixe-me buscá-los. 

― Eu ajudo ― Thorin se adiantou, pousando o fumo na mesa para seguir Bilbo para dentro dos aposentos, deixando sua pesada coroa pendurada no espaldar da cadeira antes disso. ― Deixe que eu levo. 

Thorin sorriu para Bilbo, notando a animação do pequeno com sua nova aquisição, alimentando o espírito que lhe dizia a todo momento para cobri-lo de conforto e comodidades, para que ele jamais pense em deixar a montanha ou sinta falta de sua casa no Condado. Uma casa grande demais para um hobbit sozinho. 

― Você vai adorar estes ― Bilbo gracejou, depositando o prato de biscoitos junto a bandeja de chá sobre a mesa, servindo em seguida uma xícara para cada um antes de se sentar. ― São biscoitos amanteigados de creme de leite. 

Leite?! 

Thorin tossiu sobre a borda de sua xícara, atraindo um olhar curioso de Bilbo. 

― Bem, sim, a não ser que você saiba outro ingrediente para se fazer creme de leite. 

O anão assentiu, olhando para o prato com uma expressão desconfiada que Bilbo só o vira usar com elfos até então, o que o deixou igualmente desconfiado por sua vez. 

― É uma receita de família ― o hobbit continuou, ignorando as estranhezas. ― Me lembro da minha mãe os preparando quando eu era criança. Eram os favoritos do meu pai. 

Com um olhar agora determinado, Thorin escolheu um biscoito e o mordeu, apreciando enfim o sabor, não demorando para terminá-lo sob o olhar satisfeito de Bilbo, que o encorajou a pegar um segundo, o qual comeu com a mesma dedicação. 

― E como vão as negociações com a guilda dos mineiros? ― Bilbo perguntou educadamente enquanto Thorin tomava um longo gole de chá, oferecendo mais um biscoito em seguida. ― Ainda dando trabalho? 

― Haverá muita discussão até eles entenderem que reabrir as minas não é uma prioridade enquanto houver casas para limpar e famílias para alojar ― o rei suspirou, esfregando a marca da coroa sobre a testa. ― Outra reunião com o conselho foi marcada para amanhã a fim de tratar deste assunto. 

― Eu tenho sorte em não precisar comparecer ― gracejou, recebendo um sorriso cansado de Thorin. ― Mais biscoito? 

― Você seria uma bendição em meio a tantos velhos lordes que acreditam ter algum direito sobre a montanha ― resmungou o rei. ― Muito provavelmente conseguiria sozinho colocá-los em seus lugares, afinal, o quão mais difícil é convencer anões do que barganhar com um dragão? 

― Tenho certeza de que matar um dragão é uma tarefa mais simples do que política ― o hobbit riu quando Thorin prontamente concordou. ― Mas você se sairá bem, tenho fé em seus dons de liderança. 

― Tem certeza de que não quer ficar ao meu lado nas reuniões? ― Thorin se endireitou nervosamente na cadeira, não notando o leve corar de Bilbo com a insinuação velada. ― Seria um acréscimo bem-vindo. 

― Argumentar com um dragão é mais fácil que tentar colocar algum juízo nas cabeças duras e teimosas de vocês, anões ― Bilbo tomou um gole de chá e se preparou para pegar mais um biscoito quando notou o nervosismo na postura de Thorin, que rigidamente se recostava na cadeira, abandonando até mesmo sua xícara pela metade. ― Você está bem? 

― Eu não queria chateá-lo ― Thorin falou com pressa. ― Mas tenho um compromisso para logo, portanto não poderei me demorar com você esta tarde. 

― É claro ― o hobbit assentiu, e como se estivesse esperando por sua autorização, o rei esvaziou a xícara em um único gole, despedindo-se rapidamente antes de sair do jardim com pressa. ― Isso foi estranho. 

Bilbo ouviu a porta de seus aposentos bater não muito depois dos passos rápidos de Thorin se distanciarem, e só então notou a coroa pesada pendurada esquecida na cadeira. Agarrando-a, o hobbit correu atrás do rei, apenas para não encontrar nem sinal dele no corredor ou em lugar algum. 

Como não seria de bom tom invadir os aposentos reais sem a devida autorização ou convite de Thorin, Bilbo decidiu devolvê-la no jantar, o qual costumavam compartilhar com toda a companhia. 

 

 

 

No dia seguinte, Bilbo animou-se mais uma vez com a ocasião do chá da tarde que tornou-se uma tradição passar junto a Thorin. Dessa vez ele já o aguardava com a mesa posta, o chá quente no bule caprichoso adornado com formas tradicionais da cultura anã que compunha o jogo com as xícaras, cujo par estava pronto para ser servido assim que o Rei Sob a Montanha chegasse. 

― Peço desculpas pela minha saída repentina de ontem ― Thorin saudou ao se sentar, sorrindo para Bilbo. ― E pela inconveniência de lhe fazer se preocupar com a coroa esquecida. 

― Não se preocupe com isso ― o hobbit dispensou, despejando o chá quente na xícara. ― Honrar os compromissos de um rei são importantes também. 

― Nada é mais importante para mim do que honrar meus compromissos para com você ― Thorin pontuou com uma seriedade que trouxe rubor às bochechas de Bilbo, sequer percebendo a seriedade da exclamação. ― Mas o que importa é que estou aqui agora. 

Sua segunda tentativa de conquistar o anão através do estômago contava com um generoso prato de scones dourados, que brilhavam diante dos dois, trazendo água à boca de Thorin, cuja ânsia em devorá-los satisfez Bilbo, dando ao hobbit ainda mais determinação para cozinhar para o anão todos os dias. 

― Mais uma receita de família? ― Thorin perguntou, lambendo os dedos antes de tomar um gole de chá. ― Está muito bom, devo dizer. Ouso perguntar do que são feitos? 

― São só scones ― o hobbit deu de ombros, fingindo indiferença. ― Muito populares no condado. É uma mistura simples de farinha, ovos, fermento, açúcar, leite e manteiga, é claro. Ah, eu também costumo pincelá-los com leite antes de ir ao forno. 

Bilbo franziu as sobrancelhas ao notar a expressão do anão se fechando. Será que ele disse algo errado? 

Olhando do pãozinho em sua mão para o hobbit desconfiado em sua frente, Thorin engoliu dolorosamente o conteúdo em sua boca, esforçando-se para relaxar o suficiente para tirar do rosto suave de Bilbo a preocupação que parecia ter-lhe coberto as feições. Ele pôde notar que Bilbo envaidecia-se quando era elogiado por sua culinária, e, apesar das consequências desagradáveis, a Thorin também trazia felicidade ver seu hobbit feliz. 

Ele comeu os scones e conversou com Bilbo o quanto pôde. Aguentou firme e discretamente secou o suor frio da testa ao passo que se esforçava para se distrair com a risada banhada pelo sol poente que agitava seu coração. E, quando não conseguiu aguentar mais, se retirou com a certeza de que ao menos agradara Bilbo esvaziando o prato de pãezinhos e o bule de chá. 

 

 

 

Thorin já suava frio antes mesmo de abocanhar a primeira garfada do cheesecake que Bilbo preparara no dia seguinte, deliciado na mesma medida de seu nervosismo diante da visão do hobbit distraidamente sorvendo de seus dedos a calda de amoras com que se sujara ao servir as fatias da torta aos dois, alheio às divagações mentais impuras do rei. 

Mahal, esse hobbit seria sua perdição, de uma maneira ou de outra. 

― Fili e Kili continuam me perturbando para fazer parte do chá ― Thorin comentou, protelando o momento de começar a comer, na esperança de prolongar seu tempo na companhia de Bilbo. ― Ainda mais depois que eu comentei que você assava coisas deliciosas. 

Thorin sorriu pequeno ao observar agora claramente o rubor subir às faces do hobbit, que tentava encobrir atrás de uma xícara de chá. 

― Tenho certeza de que eles apenas estão tentando fugir de suas obrigações ― concluiu Bilbo. ― Mas não faria mal algum trazê-los qualquer dia. 

― Aqueles dois trariam apenas perturbação à paz e pisoteariam suas flores ― Thorin balançou a cabeça, não querendo admitir nem para si mesmo que seus reais motivos eram egoístas, pois desagradava-lhe a ideia de ter de dividir seu tempo privado com Bilbo com outras pessoas. ― Os pirralhos poderiam tirar algum proveito de uma lição ou duas a mais. 

― Um dia apenas não faria diferença ― o hobbit contrariou. ― Contanto que eles não danifiquem meu jardim. Agora coma o cheesecake! Essa calda de amoras está deliciosa, acabou de chegar essa manhã no mercado, achei que seria uma ótima oportunidade para relembrar mais uma das velhas receitas, uma do meu velho pai, dessa vez! 

O rei suspirou involuntariamente antes de se servir de uma generosa garfada. Um dos motivos para ele não querer companhia além da de Bilbo, seria a infinita zombaria a qual estaria sujeito por ter que fugir para o banheiro toda vez que tomava chá com o hobbit que tentava cortejar. 

 

 

 

Na tarde do quarto dia de sua nova cozinha, Bilbo recepcionou um Thorin bastante abatido. Mesmo que o rei tentasse se esconder atrás de sorrisos e gestos despreocupados, Bilbo via o quanto ele parecia pálido e cansado, por mais que negasse se sentir menos do que ótimo. Talvez a torta de nata com massa amanteigada que desmanchava na boca melhorasse um pouco a aparência doentia do anão. 

― Mahal me ajude... 

Bilbo poderia jurar ter ouvido o rei sussurrar depois que anunciou a guloseima do dia, mas o sorriso encorajador que rapidamente abriu caminho para adornar o rosto de Thorin o fazia questionar se tinha ouvido direito. 

― Mahal me ajude, acho que logo terei de adicionar furos em meu cinto ― Thorin emendou, nervosamente batucando os dedos sobre a mesa. ― Estou ficando muito mal-acostumado com você, Bilbo. 

Envaidecido, o hobbit corou adoravelmente, trazendo consigo um leve suspiro de alívio ao anão, que mordiscava um minúsculo pedaço da torta. 

― A forma de um cidadão bem alimentado é uma forma bastante respeitável no Condado ― Bilbo assentiu, mordendo com generosidade sua própria fatia. ― E com certeza também o é fora do Condado. 

Thorin concordou, mas em seu silêncio já podia sentir seu estômago sensível querendo se revoltar contra o cuidado leigo do hobbit, que estava contente demais em cozinhar suas melhores receitas para que Thorin o ofendesse com sua recusa por conta de um passageiro mal-estar. 

 

 

 

No dia seguinte, Thorin não apareceu para o chá das quatro, o que imediatamente preocupou Bilbo. 

Indo atrás do anão, uma vez que ainda não tinham se visto naquele dia, encontrou Balin saindo dos aposentos reais, uma expressão preocupada enrugando seu rosto, o que só fez piorar o nervosismo do próprio hobbit. 

― Oh, olá Bilbo ― o anão idoso saudou, fechando as pesadas portas atrás de si. ― Indo à procura de nosso estimado rei, eu imagino. 

― Ele não apareceu para o chá ― explicou Bilbo. ― Fiquei preocupado. Imaginei que pudesse ter acontecido alguma coisa. 

― Thorin está se sentindo um tanto indisposto hoje ― Balin esclareceu, colocando uma mão sobre o ombro do pequeno. ― Mas tenho certeza de que amanhã ele estará novo em folha. 

― Thorin está doente? ― Questionou, ficando ainda mais preocupado, uma vez que em todo o seu tempo na jornada e então vivendo sob a montanha sequer vira qualquer um dos anões ficar doente por algum motivo que não fosse devido a algum ferimento de batalha. ― Devo ir ver como ele está, ou oferecer alguma ajuda a Óin. 

― Faça isso, rapaz ― Balin concordou. ― Oferecer alguma ajuda a Óin, eu digo. Quanto a Thorin, é melhor deixar esse anão teimoso descansar sozinho por hoje. 

E foi o que Bilbo fez. Mas ao pedir maiores esclarecimentos ao curandeiro, o hobbit não deixou de se sentir ofendido com o olhar irritado que recebeu em troca. 

― É melhor para a saúde do rei que você pare de cozinhar para ele por alguns dias ― Óin resmungou, esmagando com força algumas ervas em um pilão de pedra. ― Se não se importar. 

Bilbo não entendia o que uma coisa tinha a ver com a outra, mas ao notar o desagrado do anão, achou por bem não questionar. Saindo na primeira oportunidade que teve, não se sentindo à vontade com o mau humor de Óin, o hobbit retornou à ala real, esperando se aposentar para a noite, na esperança de que no dia seguinte o rei se sentisse melhor, ou que ao menos pudesse vê-lo e se certificar ele mesmo de que Thorin estava bem. 

Mas no caminho para seus quartos, acabou por topar com Fili e Kili, que parecendo muito divertidos deixavam o quarto de Thorin, seguidos por resmungos altos do anão doente. 

― Fili! Kili! ― Apressou-se Bilbo. ― Será que ao menos vocês podem me contar o que está acontecendo com Thorin? 

Os dois jovens anões se entreolharam risonhos antes de cada um passar um braço sobre os ombros de Bilbo, o guiando para longe das portas do quarto do rei. 

― O que está acontecendo com nosso querido tio ― Fili começou. ― É um caso incurável de teimosia. 

― É, como diria Óin ― completou Kili ―: crônico. 

― E o que isso deveria significar? ― Irritou-se o hobbit. ― Vocês vão me dizer o que está acontecendo ou eu contarei a Thorin que vocês se escondem na biblioteca para fugir das obrigações. 

― Isso é cruel, Bilbo ― choramingou Kili. ― Mas eu achei que soubesse, sendo a origem do problema, e tudo. 

― Como eu posso ser a origem de qualquer coisa quando sequer sei o que está acontecendo?! 

O hobbit alterado estava a ponto de começar a puxar algumas orelhas enquanto os meninos se entreolhavam preocupados antes de continuarem: 

― Bilbo, Thorin está doente por comer demais as coisas que você assou para ele ― Fili comunicou finalmente, trazendo uma expressão de confusão culpada ao rosto de Bilbo. ― E porque ele é teimoso demais para deixar de comer o que não deveria. 

― Como isso é possível? ― O hobbit se perguntou. ― Ele nem comia tanto assim. Já vi vocês anões comerem muito mais e em uma quantidade muito maior de uma só vez sem passar mal. Como os lanches da tarde poderiam ter feito tanto mal a Thorin? 

― Thorin tem uma doença do leite ― Kili declarou, por fim. ― Mesmo uma quantidade pequena de leite o afeta. 

― Doença do leite? 

― É ― emendou Fili. ― Um copo de leite e ele tem a maior dor de barriga. 

― Um pão com manteiga já o faz sair correndo em busca de um banheiro ― riu Kili, sendo acompanhado pelo irmão. ― Desde que eu o conheço é assim. 

― Mas ele deixa de comer coisas com leite? Não! ― Zombou o irmão mais velho. ― Ainda mais se for feito pelas suas mãos, Bilbo. Ele é teimoso demais para admitir fraqueza. 

― Oh, doce Yavanna ― Bilbo gemeu, levando uma mão à testa. ― O que eu fiz? Agora tudo faz sentido... 

Agora ele entendia por que no fim da tarde Thorin sempre parecia tão perturbado, nervoso e muitas vezes poderia jurar que o via suar frio. A pressa em sair também era justificada com a nova revelação. 

― Aquele maldito cabeça dura! ― Resmungou o hobbit. ― Mas ele ficará bem? 

― Ah sim! ― Assentiram os irmãos. Então Fili adicionou: ― Nada que algumas idas ao banheiro não resolvam. 

― E muitos chás do Óin para curar a dor de estômago! ― Kili concluiu. ― Não se preocupe, Bilbo, amanhã Thorin estará novinho em folha para você! 

Bilbo nem sequer corou com a insinuação, tão perdido em pensamentos como estava. Ele tentou conquistar Thorin com sua boa culinária, e sem saber estava prejudicando sua saúde! Que belo começo de relacionamento aquele seria. 

 

 

 

No dia seguinte, pontualmente às quatro, Thorin se reuniu com Bilbo em seu costumeiro ponto de encontro nos jardins do hobbit, parecendo ainda um tanto doente, mas esforçando-se para manter a aparência apresentável diante do hobbit. 

― Sinto muito por não ter podido honrar nosso compromisso ontem ― Thorin declarou ao se sentar. ― Eu não me sentia bem. 

― Eu fui informado acerca de seu mal-estar ― assentiu o hobbit. ― Mas talvez uma boa fatia de bolo faça você se sentir melhor. 

Servindo uma generosa porção para o rei, Bilbo sentou-se em seu lugar à sua frente, cruzando os dedos diante de si enquanto assistia com interesse Thorin enrijecer e hesitar olhando para o bolo e de volta para ele, com o que Bilbo agora poderia reconhecer como receio permeado de temor. 

― Está tudo bem, não tem um pingo de leite nesse bolo ― o hobbit declarou por fim, cansado de ver o olhar miserável do rei, que relaxou instantaneamente. ― Por que não me contou que não podia comer alimentos com leite? Thorin, pelo que eu sei eu poderia ter matado você! 

― Isso é um exagero ― dispensou o rei. ― Nós anões não somos tão frágeis. 

― Mas isso não significa que não houve dano ― resmungou de volta. ― Por que não disse nada enquanto eu machucava você? 

― Você jamais me machucaria, Bilbo ― Thorin falou suavemente, notando o quanto o hobbit ficou nervoso com a perspectiva do dano causado. ― Eu só não queria o ofender negando sua boa comida. 

― Ofender? ― Bilbo balançou a cabeça. ― Yavanna me livre da teimosia dos anões! Priorizar sua saúde jamais seria uma ofensa! Ofensa é pensar que meu ego é assim tão frágil. 

― Nunca pensaria tal coisa ― o rei apressou-se em remediar. ― Eu temia que se você não estivesse contente aqui, desejaria retornar ao Condado, por isso não quis fazer uma desfeita com a comida que é tão importante para vocês, hobbits. Apenas queria que você ficasse feliz. 

― Thorin, eu só estava tão empenhado em cozinhar porque é assim que nós hobbits cortejamos ― admitiu Bilbo, cansado da discussão. ― Eu quem queria agradar você, mas acabei apenas o machucando. 

Estupefato, Thorin piscou lentamente ao processar as palavras de Bilbo, sequer notando em meio a sua perturbação o doce tom de vermelho em suas bochechas, negando que seu próprio rosto aquecia com a revelação. Bilbo o estava cortejando esse tempo todo, e ele mesmo, incapaz de dar o primeiro passo em busca de um relacionamento, quase estragou o do bom hobbit com seus problemas alimentares. 

― Oh, Bilbo ― o anão adiantou-se enfim para pegar as mãos alheias entre as suas. ― Você não precisa se esforçar para ganhar meu coração, pois ele já é seu desde o dia em que você decidiu, mesmo sem treinamento algum, enfrentar sozinho o pior dos orcs apenas para salvar a minha vida. 

E dizendo isso, Thorin soltou uma das mãos trêmulas de Bilbo a fim de mergulhá-la em seus bolsos, pescando de lá um par de contas de cabelo, as quais apresentou ao hobbit com um floreio emocionado. 

― Eu estava apenas aguardando a certeza de que você ficaria em Erebor por escolha própria antes de presenteá-lo com isso ― o anão declarou, não perdendo o suspiro emocionado de Bilbo. ― Bilbo Bolseiro, você me daria a honra de cortejá-lo adequadamente como mandam as tradições? E no futuro ocupar o lugar de Consorte de Erebor e meu marido até o fim de nossos dias? 

― Ora, é claro que sim ― o hobbit assentiu antes de contornar a mesa e se lançar nos braços do anão que o segurou com firmeza antes de unirem seus lábios em um beijo doce e aliviado. ― Que bobos temos sido nós dois. 

Thorin riu antes de beijá-lo novamente, e uma vez mais depois. Naquele mesmo dia ele prendeu o cabelo de Bilbo com sua trança de cortejo, deixando que o hobbit fizesse o mesmo por ele, ambas presas firmemente com as contas feitas por sua própria mão tanto tempo antes, com a promessa de que nada mais a base de leite seria preparado para ele, que por sua vez se esforçaria para não mais esconder detalhes importantes de Bilbo por pura teimosia de anão. 


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Notas finais do capítulo

Me faria muito feliz se vocês comentassem o que acharam! Eu realmente gostei de escrever essa história, e me alegraria demais saber que vocês também gostaram de ler ♥

Vou deixar o link para o Spotify da música da epígrafe aqui:

https://open.spotify.com/intl-pt/track/0iipCCTSR6brBj5OwUSRx3?si=48e7fde93d6b46e1

(Não é minha música favorita deles, mas eu também gosto dela).

Tenho certeza absoluta de que o Thorin, cabeça dura do jeito que é, facilmente colocaria a própria saúde em risco só para não correr o risco de ofender o Bilbo (ainda mais pouco depois de quase matar ele o jogando de cima do muro quando estava doente pelo ouro) e ele querer ir embora kkkkkk



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