Siren escrita por llRize San


Capítulo 17
Circo de Horrores




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Rosé, percebendo o medo nos olhos da menina, sentiu uma dor aguda no coração. A situação havia forçado as duas a um confronto injusto e cruel, colocando-a, uma sereia, na posição de uma ameaça diante de uma criança inocente. A ironia e a crueldade de ser vista como um monstro quando, na verdade, ela era tão vítima quanto a pequena, pesavam sobre ela.

Ela suavizou sua expressão e se abaixou lentamente para ficar no nível dos olhos da menina, mostrando-se o menos intimidadora possível.

— Oi… eu sou a Rosé e não vou te machucar — Disse Rosé, sua voz um sussurro gentil, tentando transmitir segurança e conforto apesar do terror da situação — Sou uma sereia e estou presa assim como você, mas não vou te ferir, eu prometo.

— Falaram que você come humanos e que iria me devorar viva — Disse a menina com a voz trêmula.

A menina, visivelmente aterrorizada, tremia como uma folha ao vento. Seu corpo pequeno e frágil denunciava a intensidade do medo que a consumia. Pela aparência, ela não tinha mais que dez ou doze anos, uma criança que deveria estar brincando ao invés de enfrentar horrores tão grandes. Sua pele clara quase brilhava sob a luz tênue do recinto e seus cabelos loiros, quase brancos, eram lembranças dos de Rosé, o que adicionava uma camada extra de empatia e proteção no coração da sereia.

Rosé, sentindo uma conexão inevitável e profunda com a menina por suas semelhanças físicas, sabia que precisava fazer algo para aliviar aquele terror. Ela se aproximou ainda mais lentamente, suas palavras suaves e seu tom reconfortante.

— Não vou te fazer nenhum mal, jamais faria isso com uma menina tão doce. Eu como apenas os homens maus.

— Tipo o dono do circo?

— Sim, exatamente, tipo ele, pessoas cruéis que fazem maldade. Por isso não precisa ter medo. Como você se chama? — Perguntou Rosé suavemente, tentando fortalecer a conexão e proporcionar à menina um senso de normalidade em meio ao caos.

Aproximando-se cuidadosamente, Rosé ofereceu sua mão, um gesto de amizade e proteção, esperando que a menina encontrasse algum conforto na presença de alguém que, apesar das circunstâncias terríveis, mostrava-se como um porto seguro. A resposta da menina, ainda que hesitante, seria crucial para ambas enquanto enfrentavam juntas a situação ameaçadora.

A menina, ainda com um vislumbre de hesitação em seus olhos, olhou para Rosé e, com um leve suspiro de alívio, segurou a mão estendida. Seu aperto foi firme, um sinal de confiança emergente, dada a situação em que se encontravam. Com a ajuda de Rosé, ela se levantou, sacudindo a poeira que cobria seu vestido amarelo, agora desgastado pelo tempo e pelo uso.

Ao se erguer, a menina pareceu ganhar uma nova postura, uma que falava de um pouco de conforto e segurança ao lado de Rosé. A mudança sutil em sua expressão e a maneira como ela agora mantinha contato visual com a sereia mostravam um vínculo nascente. Ambas partilhavam de uma vulnerabilidade forçada pela crueldade de um sequestrador comum, e agora, uma dependência mútua começava a florescer entre elas.

— Me chamo Kim Dahyun — Respondeu a menina, segurando mais firmemente a mão de Rosé, como se esse simples ato de compartilhar seu nome a fizesse sentir-se mais segura —, mas pode me chamar só de Dahyun. Perdi-me dos meus pais quando estávamos em uma viagem e esse homem disse que me levaria até eles, mas acabou me trazendo para esse lugar assustador. 

Dahyun abraçou o próprio corpo, encolhendo-se ligeiramente sob o peso de um olhar triste e distante. A atmosfera sombria do cativeiro parecia pesar ainda mais sobre seus ombros jovens e frágeis, uma imagem que partia o coração de Rosé. Movida por um impulso de proteção e empatia, Rosé se aproximou suavemente da menina. Colocando a mão no ombro de Dahyun, Rosé transmitiu um calor e uma presença reconfortante. 

— Dahyun, você não está sozinha aqui. Vamos encontrar um jeito de sair daqui juntas. Prometo que logo logo você estará com seus pais novamente.

A expressão de Dahyun suavizou um pouco com o toque e as palavras de Rosé, permitindo que um fio tênue de esperança brilhasse em seus olhos antes nublados pela tristeza. A presença de Rosé ao seu lado não só oferecia conforto, mas também começava a fortalecer o espírito de Dahyun.

— Promete?

— Sim, prometo. Vai ficar tudo bem. Posso me sentar ao seu lado? — Perguntou Rosé com um sorriso.

— Pode. Agora que sei que não é má, podemos ser amigas?

— Seria um prazer ser sua amiga.

— Mesmo eu sendo uma menina medrosa?

— Sem medo não há coragem, Dahyun. Eu também sinto medo.

— Você? Mas, você é uma Sereia, é forte e destemida.

— Não é bem assim, afinal estou presa aqui. Sou uma sereia, mas tenho fraquezas e cometo falhas como qualquer ser humano. Uma das minhas falhas é ter medo de tudo e por isso não saber como agir quando o medo toma conta.

Dahyun olhou para o chão, triste e pensativa. 

— Mas se uma pessoa como você sente medo, o que eu posso fazer?

— Sentir medo é normal, você só não pode sucumbir ao medo. Requer coragem enfrentar o medo, ele sempre vai estar lá, mas você será forte se conseguir controlá-lo. Não importa quem você seja, que poderes tenha ou o seu tamanho, o que te dá coragem está aqui dentro — Rosé apontou para o coração de Dahyun.

— Aqui? No meu coração? 

— Sim, quando você ama muito alguém e quer que essa pessoa fique segura, você cria forças e coragem para protegê-la, mesmo tendo medos. 

— Eu quero proteger meus pais — Disse Dahyun com determinação.

— E vai conseguir, pois és uma menina forte.

— Você acha?

— Eu tenho certeza… 

A momentânea calmaria que Rosé e Dahyun compartilhavam foi brutalmente interrompida quando a porta se escancarou com um estrondo, e Rym irrompeu no quarto, a expressão contorcida pela fúria. Sem hesitar, ele avançou sobre Dahyun, agarrando-a pelo braço com uma força bruta que fez a menina gritar de dor.

— Não se faz amizade com sua comida, Rosé. Essa foi sua chance de se alimentar.

Instintivamente, Rosé reagiu, lançando-se contra Rym na tentativa de libertar Dahyun. No entanto, antes que pudesse alcançá-lo, dois homens entraram apressadamente no quarto, agarrando Rosé pelos braços e imobilizando-a com uma força esmagadora. Ela lutou contra eles, tentando se desvencilhar, mas ainda sob o efeito do veneno, seu corpo estava fraco.

— SOLTEM ELA! É SÓ UMA CRIANÇA! 

— Acho que você não está em posição de gritar ou exigir coisas.

— Por favor — Rosé tentou controlar sua raiva —, soltem ela. Prometo que farei o que quiserem, mas deixem ela em paz. 

— Sentindo compaixão de sua presa? Isso é novo pra mim.

— Não sou um monstro. Não faço mal a crianças indefesas.

— Isso pouco me importa.

Rym saiu arrastando Dahyun pelo braço, a menina gritando e esperneando pedindo socorro para Rosé.

— DAHYUN! — Gritou Rosé, o desespero tingindo sua voz enquanto assistia Dahyun ser arrastada para fora do quarto por Rym, que não mostrava nenhum sinal de clemência. A impotência de não poder proteger Dahyun nesse momento crítico pesava sobre Rosé como uma laje de concreto, sufocando seu espírito.

Rosé tentou desesperadamente usar sua canção para hipnotizar os homens que a seguravam, sua voz mal conseguia formar as notas; cada palavra era um sussurro fraco, distante do poder hipnótico que normalmente emanava. Os efeitos do veneno que lhe haviam injetado faziam seu corpo e seus poderes inertes, como se cada parte de sua essência mágica estivesse sendo sufocada.

Ela continuou a lutar contra os braços que a prendiam, a determinação brilhando em seus olhos mesmo quando a porta se fechou atrás de Rym e Dahyun. A impotência de não poder proteger Dahyun nem a si mesma intensificava sua angústia, mas Rosé se recusava a desistir. Ela sabia que precisava encontrar forças, mesmo que seu corpo gritasse por rendição.

No entanto, antes que pudesse planejar seu próximo movimento ou tentar outra estratégia, Rosé sentiu um golpe pesado atingir sua cabeça. A dor irrompeu bruscamente, e a luz e os sons ao seu redor começaram a se distorcer. Ela lutou para manter os olhos abertos, para se manter consciente, mas a escuridão a envolveu rapidamente. Seu corpo cedeu à força do impacto, e ela desabou no chão, desmaiada, sua mente mergulhando em um abismo de escuridão silenciosa enquanto os homens finalmente soltavam seu corpo inerte.

Rosé despertou abruptamente com a sensação de água fria sendo jogada em seu rosto, um método já familiar usado por seus captores para trazê-la de volta à consciência. Ela piscou rapidamente, tentando limpar a visão embaçada pela água e pelo repentino retorno à realidade cruel do cativeiro. 

— Acorda, aberração! — Rym estava com um balde de água em sua mão — Tempo é dinheiro e acho que você já dormiu demais. 

Enquanto se reorientava, sentindo o frio da água escorrer pelo pescoço e ombros, Rosé olhou ao redor, tentando entender se algo havia mudado durante o tempo que estivera inconsciente. O ar úmido e pesado do quarto onde estava presa parecia ainda mais opressivo agora, cada respiração um esforço contra o desespero que ameaçava tomar conta dela.

Com a mente ainda turva pelo golpe que recebera e os efeitos residuais dos venenos, Rosé lutou para reunir suas forças, determinada a não permitir que esse despertar abrupto fosse em vão. Ela precisava planejar uma fuga, não só para si mas também para Dahyun, cuja segurança pesava em sua consciência.

— Onde está Dahyun? 

— Por que? Bateu a fome agora? Mudou de ideia? — O homem a olhava com nojo.

— Só quero saber se ela está bem.

— Dahyun está guardada. Não há nada de especial nela, é só uma humana fraca, mas muitos compradores vão querer comprá-la. 

— Você é um monstro.

— Um elogio vindo de outro monstro. Enfim, se está tão preocupada com sua nova amiguinha, espero que colabore comigo e talvez eu a liberte.

— O que você quer que eu faça?

— Vamos com um passo de cada vez. Por hora irei lhe apresentar seu novo local de trabalho — Rym deu um sorrisinho e Rosé o fuzilou com o olhar — Também quero que desmanche essa cara, o público pagou caro nos ingressos para ver uma bela sereia. 

Enquanto o homem a acorrentava e colocava uma coleira em seu pescoço, Rosé sentia cada fragmento de sua dignidade ser esmagado sob o peso da humilhação. Ela foi arrastada como se fosse um animal de estimação, uma comparação que a fazia se sentir ainda mais rebaixada.

Rosé caminhava com passos forçados, seguindo o homem sem olhar para cima, seus olhos fixos no chão, um esforço para manter as lágrimas de raiva e frustração longe de seus olhos. A raiva borbulhava dentro dela como um vulcão prestes a entrar em erupção. No entanto, ela sabia que qualquer ato precipitado poderia custar caro, não apenas para ela, mas também para Dahyun.

Respirando fundo, Rosé engolia seu orgulho e ódio, canalizando cada gota de sua fúria em um foco silencioso e determinado. Ela precisava jogar o jogo de Rym por enquanto, "dançar conforme a música", até encontrar a oportunidade perfeita para virar a mesa. 

Rosé observava com crescente horror as vidas aprisionadas no circo onde Rym a trouxera. O ambiente estava repleto de cores vivas e energia frenética, mas tudo isso contrastava dolorosamente com a tristeza que marcava os rostos de todos que eram forçados a se apresentar ali. Era um espetáculo de desespero disfarçado de entretenimento, onde cada tenda colorida e cada ato performático escondiam uma história de coerção e sofrimento.

A mulher com a barba longa parecia carregar o peso do mundo em seus ombros enquanto se preparava para sua apresentação. Os anões, apesar de suas acrobacias habilidosas, moviam-se com uma tristeza que nenhuma quantidade de aplausos poderia dissipar. Os palhaços, com suas maquiagens grotescamente alegres, não conseguiam ocultar a tristeza profunda em seus olhos, uma melancolia que a maquiagem não conseguia esconder.

Rosé notou também as várias raças híbridas que vagavam pelo local. Criaturas que combinavam traços humanos com os de coelhos, cachorros e gatos, lembrando-a da tripulação de Hyunjin, cada uma trazendo um toque de maravilha mística que deveria ser celebrado, mas aqui apenas servia de curiosidade para o olhar gélido dos espectadores. As crianças Elfas da luz, com sua pele negra e cabelos prateados, eram tratadas como as jóias da coroa deste triste reino, atraindo os olhares fascinados da plateia, que permanecia alheia ao sofrimento que suas admirações custavam.

Cada uma dessas criaturas místicas, incluindo Rosé, estava subjugada pelo uso de venenos e elixires que anulavam suas habilidades mágicas. Sem essas medidas, Rym nunca seria capaz de manter tal controle sobre seres tão poderosos e diversos. 

A passagem pelas celas foi uma jornada atravessada por uma paisagem de desolação e desespero que cortava o coração de Rosé. Cada cela que passavam revelava mais horrores: crianças enjauladas, tratadas com menos cuidado do que animais. Elas se encolhiam nos cantos das jaulas frias e sombrias, algumas demasiado jovens para compreender completamente o pesadelo em que estavam mergulhadas. Quando seus olhos encontraram Dahyun entre as crianças, o coração de Rosé se apertou. A pequena garota, apesar do rosto sujo e dos olhos inchados de choro, tentou oferecer um sorriso corajoso através das barras de ferro que a confinavam. Rosé devolveu o sorriso, infundindo-o com toda a coragem e promessa silenciosa de que, de algum modo, as libertaria.

Finalmente, o caminho a levou ao picadeiro central, um espaço cercado por arquibancadas e coberto por uma grande lona listrada de branco e vermelho. Para um observador desavisado, esse lugar poderia parecer o epicentro de alegria e entretenimento, o coração pulsante de um circo clássico. No entanto, Rosé via além do véu de ilusão: era um inferno disfarçado, um palco de sofrimento onde as aparências enganavam e a verdade era manipulada para diversão dos outros.

— Aqui é onde fará seus números — Rym apontou para uma grande piscina em outra parte do circo. Rosé seria uma atração especial e por isso sua piscina estava reservada em outro local.

Rym comandou autoritariamente que Rosé entrasse na piscina. Com passos firmes, ela obedeceu, mas manteve-se ereta, encarando-o com uma fúria contida; sabia que a água doce não provocaria sua transformação a menos que ela permitisse. Assim, ela se postou diante dele, desafiadora.

— Transforme-se, aberração! — Rym exigiu com impaciência.

— Não vou fazer isso. Não vou me transformar — Rosé retrucou com firmeza.

— Ah não? E como é o nome da sua amiguinha? Dahyun, não é? — Rym provocou, sua voz carregada de ameaça.

— NÃO! Está bem... está bem... eu faço isso, mas deixe-a em paz — Rosé cedeu, a voz embargada pelo medo pelo bem-estar de Dahyun.

— Ótimo. Se não quiser vê-la morta, faça exatamente como estou mandando.

Com um suspiro resignado, Rosé fechou os olhos e começou a transformação. Lentamente, suas pernas foram envoltas em uma brilhante capa esverdeada de escamas, sua longa cauda de sereia emergindo graciosamente por baixo do vestido rosa, agora sujo e rasgado. Rym observava, fascinado pela metamorfose, seus olhos brilhando com uma ganância desmedida.

— Vou ganhar muito dinheiro com você, aberração — Proclamou ele, mal escondendo o deleite em sua voz enquanto contemplava a visão de Rosé transformada.


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Notas finais do capítulo

A raiva que tenho desse homem...



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