(INTERATIVA) A nova era de ouro dos heróis escrita por Capitão Óbvio


Capítulo 2
A Senhora do Tempo


Notas iniciais do capítulo

Segundo capítulo saindo do forno. O link para a ficha de participação na história está nas notas finais do primeiro capítulo.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/811851/chapter/2

— Esses são os “outros como nós”?

Fatimah estava sentada em um sofá confortável. O apartamento para o qual a simpática senhora que dissera a conhecer a levou era pequeno, porém correspondente com o bairro no subúrbio inglês para o qual se dirigiram. O papel de parede era antigo, mas conservado, os poucos móveis que ali se encontravam preenchiam bem o espaço do que poderia claramente ser chamado de lar. Certamente o lar de uma única pessoa, mas ainda assim passaria despercebido a qualquer olhar.

A sua frente encontravam-se três pessoas. A senhora simpática, que disse se chamar Elizabeth; um homem de meia idade careca de nome Steffano e uma criança com não mais do que dez anos chamada Tarsila. Todos olhavam para Fatimah sem dizer palavra, aliás, esse nome ainda começava a se tornar habitual em sua mente, mas não conseguia ter total certeza de que lhe pertencia. Tudo o que sabia é que Elizabeth parecia a conhecer muito bem. Pelo menos era o que afirmava com muita certeza no olhar.

Alguns de nós, querida. — Disse Elizabeth, ainda sorridente como sempre. — Não todos nós. Ainda estamos nos organizando, como eu bem lhe disse.

Fatimah baixou a cabeça, levando as mãos aos cabelos negros e lisos. O toque a fazia estranhar, principalmente o tamanho deles. Por mais que fossem longos, o que denotavam que haviam demorado a crescer, não pareciam pertencer a ela. Eram naturais, mais ao mesmo tempo seu corpo parecia rejeitá-los. A sensação de estranheza, de não caber naquele corpo só se ampliava. Havia escutado atentamente toda a história contada por Elizabeth e, por mais absurdo que parecesse, era tudo o que tinha para se agarrar naquele momento.

A sexagenária lhe contara que as duas haviam se conhecido em 1973, em um lugarejo ao norte da Inglaterra. Segundo ela, Fatimah nunca havia lhe dito a sua origem, só contou, em certo momento, que sua terra natal era muito quente e distante. As duas se tornaram amigas e, em meio aos reflexos de uma Europa recém estabilizada, Elizabeth, uma órfã, partiu com ela para o campo, após receber ajuda para fugir do abrigo em que vivia, em uma nova vida que durou cerca de três anos inteiros.

Na virada de 1976 para 1977 tudo mudou repentinamente. Fatimah teria ficado muito nervosa depois de sumir por algumas horas, com a desculpa de que precisava visitar a cidade vizinha. Disse que as duas precisavam partir imediatamente e, por mais que insistisse, se recusava a dar detalhes do que estava ocorrendo para sua parceira. Elizabeth contou que não se recorda do dia com muita precisão, mas que ainda naquela noite, o lugarejo foi invadido por homens armados trajando roupas estranhas, totalmente recobertos e com máscaras de gás. Elizabeth foi torturada ali mesmo, teve as roupas arrancadas e não consegue se recordar ao certo do que aconteceu, mas imagina que não tiveram o mínimo de piedade com ela.

Recobrou os sentidos nua em meio ao feno e sangue, com muitos corpos dilacerados ao seu redor, corpos de seus algozes. A sua frente, lhe estendendo a mão estava Fatimah, banhada de sangue dos pés a cabeça, em uma cena macabra e gloriosa ao mesmo tempo. Ali, enquanto a ajudava, teria contado a Elizabeth que o que havia sido feito naquela noite jamais poderia ser desfeito e que assim como ela, Elizabeth também estava condenada a ser uma estranha em uma terra estranha para o resto de sua vida.

Ela desapareceu depois dali, não sem antes explicar que aqueles homens haviam lhe trazido um mal e inserido dentro dela. Uma maldição que a condenaria a ter habilidades extra-humanas, mas que a consumiria por dentro. Cabia a ela escolher o que fazer com aquilo. Sozinha e desamparada, Elizabeth escolheu usar sua maldição da melhor forma que poderia imaginar, ajudando aqueles que precisavam. Sorrateiramente se tornou uma heroína em pequenos vales por toda a Europa e com o tempo, conseguiu encontrar outros que haviam sido vítimas da mesma maldição que ela. Lutaram para sobreviver e ajudaram na luta por sobrevivência de muitas pessoas.

— Se todos vocês são heróis. — Olhou especificamente para a pequena menina que a fitava aparentemente assustada. — O que nós fazemos? Quais as nossas habilidades?

Ouviu o homem, Setaffano, coçar a garganta, como que pedindo a palavra.

— Eu consigo aumentar a temperatura de qualquer objeto até carbonizá-lo. — Respondeu com uma voz grossa e um carregado sotaque italiano.

Staffano era parrudo. Vestia roupas joviais, mas era nítido por suas expressões cansadas que já estava perto dos sessenta anos. Diferentemente de Elizabeth, que exalava simpatia, o homem careca de olhos castanhos e pele parda tinha feições que, se tentavam transpassar algo que não insatisfação, eram meramente protocolares. Seu nariz alongado mexia de um lado a outro em um tique, como que denotando algum problema respiratório. Fatimah notou também que tinha muitas cicatrizes nos braços, e imediatamente lembrou-se do que havia em seus próprios, em uma das poucas lembranças que conseguia carregar na cabeça. Mesmo tendo ouvido atentamente toda a história de Elizabeth, não havia se recordado de nenhum dos momentos descritos.

O homem careca tomou em mãos um garrafa plástica e, segurando firmemente, logo o objeto passou a se retorcer, fazendo com que o cheiro forte de plástico queimado tomasse conta da sala. Em poucos segundos o objeto se tornou apenas uma chapa enegrecida de plástico derretido. Aquilo era de fato impressionante, mas por mais incrível que pudesse parecer, a reação de Fatimah foi trivial, como que se estranhamente não fosse nada de mais.

— E você? — Fitou a garota chamada Tarsila. — Qual a sua maldição?

A menina , sem pestanejar a fitou de forma ainda mais profunda. Os grandes olhos negros como pérola a miravam sofregamente. Ela tinha o rosto alongado e pele clara. Seus cabelos eram acobreados e volumosos, lhe dando um ar de leve desespero.

— Eu gero medo nas pessoas. — Sua voz era doce, mas não parecia combinar com suas feições. — Eu posso fazer você sentir tanto medo, que viver deixará de ser uma opção aceitável. Mas... — Ela piscou levemente os olhos. — Parece que não consigo afetar você.

Elizabeth achegou-se até a criança, dando-lhe um afago nos cabelos. Esse foi o único momento em que a menina sorriu.

— Acho que eu seria a próxima a ser questionada, não é querida? — Fatimah entendeu ser retórica a pergunta de Elizabeth, deixando que ela prosseguisse. — Eu demorei muito a entender o que estava acontecendo comigo, depois daquele fatídico dia. Confesso que pensei inúmeras vezes em desistir de tudo. — Foi perceptível o nó na garganta. — Bom, minha maldição consiste em ser o contrário de tudo o que fizeram comigo naquele momento. — Elizabeth passou a caminhar na direção de Fatimah. — Me feriram tanto, querida, que agora homem nenhum poderá me ferir novamente.

A idosa não conseguiu esconder a lágrima que lhe desceu pelo rosto. Fatimah nada disse por alguns instantes, compreendendo exatamente aquelas palavras.

— E quanto a mim? Eu não me consigo me lembrar de nada antes de encontrar com você e por mais maluco que tudo isso possa parecer — Fez uma breve pausa, engolindo a seco as próprias palavras. —, eu estou acreditando em tudo o que está sendo dito aqui. — Mirou Elizabeth diretamente. — Qual a minha maldição?

O sorriso que havia desaparecido do rosto de Elizabeth retornou outra vez. Ela então dissera:

— Você não me contou e nem me mostrou antes de desaparecer lá em 1976, querida, mas olhe pra você. — Apontou com os dedos para o rosto de Fatimah. — Ainda é a mesma desde que tínhamos quinze anos. Fatimah sentiu o peso daquela fala. — Eu venho tentando encontrar você há muito tempo e tudo que havia conseguido, até instantes atrás eram migalhas de pistas. — Soltou um pequeno risinho antes de continuar. — Sempre gostei de chamar você de Senhora do Tempo.

Um barulho de celular cortou o silêncio que se formou. Steffano puxou do bolso um aparelho, tomou em mãos um óculos e, com alguma dificuldade passou a ler o que provavelmente era uma mensagem. Sem cerimônias, deixou o recinto, como se precisasse falar com alguém.

— Por que você estava atrás de mim? — Perguntou Fatimah. — Por que diabos não tenho uma só memória?

Elizabeth aproximou-se ainda mais, tocando em suas mãos.

— Porque por mais irônico que possa parecer, estamos sem tempo, querida. Temos que desfazer o que foi feito.
Passos acelerados foram ouvidos. Steffano retornou à sala ainda com o celular em mãos. Com a voz grossa disse em alerta:

— Eles estão vindo. Encontraram o Oráculo.
Fatimah notou que os olhos de Elizabeth se arregalaram. Ela engoliu saliva e tremeu levemente os lábios.

Algo sério estava ocorrendo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?
Que tal participar da história? Ainda há muitas vagas.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "(INTERATIVA) A nova era de ouro dos heróis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.