Be Selfish - Kailynn escrita por NeptuneGnam


Capítulo 1
Amor próprio não é egoísmo




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"EGOÍSTA: Evelynn, a Diva do girlgroup de sucesso K/DA, afirma em entrevista que se ama o suficiente para não aceitar cantar em qualquer espaço e que incentiva suas companheiras de grupo a ter discernimento sobre os locais que frequentam. A comunidade BLADE está dividida entre os que consideram sua fala de muito bom tom e uma parcela considerável de fãs irritados com a demonstração de excentricidade. Estaria ela sendo egocêntrica demais em querer escolher onde deve cantar?"

 

[KOR] É triste ver cantores tão arrogantes nos últimos tempos. Ficar se autoafirmando assim é coisa de feministas idiotas

 

[EUA] Eu não concordo! O trabalho dela é apenas cantar, então por que ela está falando esse tipo de coisa? Lmao

 

[BRA] EVELYNN COME O BRAZIL!

 

[ITA] Os BLADES italianos estão do lado da Diva ❤️

 

[ENG] Acho que a fama subiu a cabeça

 

[JAP] Decepcionada com a Evelynn. Ela disse que não quer cantar aqui?

 

[MEX] Meu Deus gente??? Ela não falou mal de ninguém, só falou que não canta em terra cheia de gente machista

 

[KOR] Eu espero profundamente que ela cresça

 

[BRA] Vai tomar no cu! Cresce você, seu palhaço!

 

Egoísta. Adjetivo e substantivo de dois gêneros. "Que ou o que pratica egoísmo".

 

Evelynn realmente poderia ser definida por tal rótulo atualmente? Bem, ela queria muito acreditar que não, porém, a Internet nos últimos tempos tem lhe feito refletir sobre suas ações – mais do que deveria – e ela não se sente tão bem consigo mesma desde então. É até estranho parar pra pensar que falar por si mesma abertamente fosse visto como egocentrismo ou até mesmo narcisismo, no entanto, Eve apenas queria demonstrar honestidade quando concedeu aquela maldita entrevista. Ahri bem que a alertou a não soltar declarações sozinha e agora estava pagando o preço por não ouvir o conselho daquela raposa astuta.

 

Não calculou que sua fala sobre escolher onde deseja performar ao lado de suas garotas fosse repercutir da maneira que repercutiu. A cada notícia sobre o assunto da sua entrevista, mais a sua fala era distorcida e interpretada de maneira errônea, tanto pelos seus fãs quanto pelos seus haters. As redes sociais, as páginas de fofoca, fóruns de opinião… Nenhum lugar da Internet era seguro para seu psicológico neste momento e estava ficando cada vez mais insuportável ter de ler aquelas mensagens de ódio dirigidas a sua pessoa, simplesmente porque tomou a estúpida decisão de mencionar sua luta contra o machismo e escolher a frase "eu me amo demais" para enfatizar a necessidade de protestar contra um grande mal da sociedade. Ahri era a mais preocupada de todas, pois as palavras de Eve trouxeram uma enxurrada de críticas que acabaram por respingar sobre o K/DA como um todo. O problema deixou de afetar somente a mais velha do grupo e, a partir daí, se compreende a razão da Diva estar tão distante da mídia e até mesmo de suas amigas.

 

— Todas essas pessoas falando mal da Eve… Não achei que isso fosse afetar ela assim. — Akali comentou baixinho para Ahri e Kai'sa enquanto tomavam café da manhã.

 

Há dias que Evelynn não comparecia direito às refeições com as outras três. Kai'sa adquiriu o costume de separar parte do que cozinhava para a vocalista comer no tempo que desejasse, ou então levava um prato até seu quarto na esperança de animá-la nem que fosse só um pouquinho. A cada dia que se passa, a dançarina via desesperança e dor nos olhos cor de ouro e se perguntava o que deveria fazer para resgatar a alma perdida da sua amiga.

 

— Também nunca imaginei que a veria assim… Eve sempre foi tão enérgica. — lamentou Ahri — Acho que isso golpeou o ego dela mais forte do que pensávamos.

 

— Acham que se trata só de ego? — apesar do timbre manso, Kai não escondeu a censura em seu inquérito. A loira engoliu em seco, porém, Akali não percebeu o que a dançarina quis dizer.

 

— Bem, ela realmente vive falando que se ama e tal… Eu achei que ela passaria por cima disso. É a Evelynn, afinal. — a mais nova deu de ombros.

 

— Akali, preciso que entenda uma coisa. — paciente, a mais alta chama a atenção da maknae, endurecendo o olhar e o tom de voz — Evelynn é tão humana quanto nós. Todas recebemos críticas sobre várias coisas idiotas, mas ela não está chateada apenas porque foi chamada de egoísta narcisista. Ela está assim porque isso afetou o grupo todo e ela se sente responsável.

 

— Mas não estamos culpando ela por nada! — exaltou-se Ahri, aflita com a probabilidade de Kai estar correta em sua teoria — Eu tentei falar com ela sobre isso, mas ela não me deixou entrar no quarto.

 

— Talvez você não seja a mais apropriada pra falar, gumiho. Também está tendo de lidar com o pessoal do festival que íamos participar. — suspirou — Eve sabe que você está fazendo de tudo para que nossos próximos shows não sejam cancelados, então ela não vai querer conversar contigo por estar com medo de você culpá-la, mesmo que não vá fazer isso.

 

— O que eu deveria fazer? Ela é minha melhor amiga! — a líder esfrega a mão na testa, tensa — Passamos por muita barra juntas, mas é a primeira vez que não sei o que dizer ou fazer pra me aproximar. Sinto que ela não vai ouvir minha voz se for eu a pessoa que tentar lhe acolher.

 

— Se nem você consegue, eu menos ainda! — Akali resmunga — Eu nem entendo muito bem o porquê de ela estar tão mal. Pra mim, ainda é surreal ver a Eve trancada no quarto.

 

Tanto o par de lumes turquesa da vastayesa quanto as írises azul-índigo da rapper miram a única que restou na mesa, ansiosas e esperançosas. Kai'sa nota os olhares de socorro das amigas e suspira, se levantando de seu lugar após separar alguns pães recheados que preparou e um copo de suco – Eve preferia café, mas cafeína só a deixaria pior no momento.

 

— Vou levar algo pra ela comer. Se esse baixo-astral começar a afetar até sua alimentação e ela ficar doente, vamos ter que nos preocupar com algo pior do que xingamentos na Internet.

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O punho cerrado bate levemente na madeira da porta, demora alguns instantes para que esta seja destrancada e Kai'sa tenha um vislumbre da figura da Diva – que, agora, mal se parecia com a cantora altiva e de humor sarcástico que conhecia –. Evelynn se encontrava num estado pior do que Kai esperava, os cabelos platinados um tanto desgrenhados, a pele mal cuidada, olheiras marcando seu semblante apático… Era difícil não sentir empatia por ela nessa situação, mesmo não se considerando a mais próxima de Eve.

 

— Eu trouxe o café. — murmurou.

 

— Obrigada, querida. — mesmo falando de modo gentil, Kai ainda sentia aspereza e hesitação da sua parte.

 

— Podemos conversar? — interpela suavemente.

 

Sem energia para negar qualquer coisa, a mais velha apenas dá espaço para que a dançarina adentre seu aposento particular. O ambiente estava escuro, o que não era algo anormal quando se trata de Evelynn – ela não era muito adepta de ambiente claros demais, como é o caso do quarto de Ahri –, todavia Kai'sa sentiu aquele antro com um clima mais pesado e desconfortável do que de costume. Era um refúgio sombrio que engolia pouco a pouco a cantora, e mesmo que ela dissesse que não, os sinais estavam transparentes demais: Evelynn estava muito mal e precisava de ajuda urgente.

 

— Sei que não costuma se abrir muito conosco, mas as meninas e eu estamos preocupadas contigo. — iniciou o assunto com cautela, pedindo permissão silenciosa para acender a luz do recinto. Eve concordou com um manear de cabeça e a claridade, a princípio, incomodou as retinas douradas.

 

Tinha permanecido no escuro por demasiado tempo e reparar nisso não a orgulhava em âmbito algum. Eve admitiu que estava um desastre, tanto em aparência quanto psicologicamente falando, não a toa que os mirantes ametistas se espantaram com a sua figura quando a viu segundos atrás – por mais que Kai tenha tentado disfarçar seu choque por educação.

 

É óbvio que Kai'sa se assustaria. A grande Diva do K/DA é conhecida por sua imagem impecável e beleza ímpar. A Evelynn que ela teve o desprazer de ver não se assemelhava em nada com essa Diva.

 

— Eu sinto muito por deixar vocês preocupadas, mas isso vai passar em algum momento. — sentou-se na beirada da sua cama, observando cada movimento da mais nova e percebendo, principalmente, que ela também a observava com minúcia — Sempre passa, de algum modo.

 

— Entendo que precisa de um pouco de privacidade, mas nos deixar no escuro tem sido pior, Eve. — argumentou, imitando-a e sentando com cuidado ao seu lado — Ahri está perdendo as estribeiras porque você não fala com ela, Akali tenta não surtar com esse clima ruim e eu estou tentando compreender seus sentimentos.

 

Eve sente o dissabor assolando sua garganta. Mesmo que não fosse sua intenção, Kai acabou por dizer com todas as letras que suas atitudes atuais também eram egoístas. Ela estava errada em se abrir pro mundo, estava errada em se fechar pras suas amigas, o que diabos Evelynn tem que fazer, então? Tudo o que faz é lido como egoísmo.

 

— Sempre considerei você a mais sensata e honesta desse grupo, então agora eu lhe pergunto, Kai'sa… — voltou-se para a dançarina com um ar de seriedade que deixou-a tensa — Você acha que sou egoísta?

 

Por menores que fossem suas sentenças, cada palavra compondo seu interrogatório tinha um peso para Kai. Não se tratavam somente de aglomerados de palavras vazias, todas tinham um motivo para serem proferidas pela mulher de cabelos prateados. Atentou-se ao fato de que ela a chamou pelo nome inteiro, e não pelos apelidos carinhosos ou gracejos rotineiros como "querida", "paixão" ou "bebê". Evelynn havia mudado, ou ao menos estava disposta a mostrar um lado que esteve oculto por muito tempo. Lado este que Kai'sa considerava frágil, desesperado e humano.

 

— Não. — respondeu, por fim — O que é uma pena. Você deveria ser egoísta, Evelynn.

 

Surpresa, a mais velha enruga a testa, tentando encontrar o sentido daquela piada mal feita.

 

— Essa não foi uma boa maneira de me animar, Kai. — suspirou — Estou pedindo um mínimo de honestidade sua.

 

— E eu estou sendo honesta. Não acho que você seja egoísta, de verdade! Só porque disse que se ama e se auto valoriza, não quer dizer que seja narcisista ou egoísta. Amor próprio moderado não é doença, afinal. — abriu um sorriso curto — Se fosse egoísta de verdade, não estaria se sentindo culpada.

 

— Também é egoísmo da minha parte deixar vocês de fora disso, quando claramente meus atos tem trazido caos pro grupo inteiro. — rebateu.

 

— Eles penetraram fundo na sua cabeça, hein? — sem se permitir abater pelo mal humor da vocalista, a azulada lhe dá um peteleco na testa.

 

— Ei! — pasma, a mais velha reclama da atitude um tanto infantil da dançarina.

 

— Qual é, Eve? Agora tudo o que você faz ou deixa de fazer é egoísmo? Relaxa! — riu da careta fofa que Evelynn exibia. Apesar de não se orgulhar, ela tinha mais do que "egocentrismo" como traço de personalidade. A sua fofura estava ficando bem aparente e Kai gostou de descobrir isso, apesar das circunstâncias — Vamos, você precisa reagir e sair desse lugar! Nós vamos sair!

 

— O quê? Sair? Ficou doida? — arregalou os olhos — Kai'sa, não estou em condições de sair de casa agora! A mídia inteira está focada em me detonar e você quer que eu apareça em público?

 

— "A mídia inteira" quem, Eve? Quem ela representa? — questionou — Não quero nem saber. A senhorita vai sair desse quarto escuro e eu espero que esteja com uma aparência melhor quando eu voltar!

 

— Mas Kai-

 

— Toma um banho, relaxe a mente, o corpo… Desembaraça esse cabelo, pelo amor de Deus!— riu, tendo a audácia de bagunçar ainda mais os fios prateados com a destra — Tome seu café e me aguarde. Roupas leves e tênis, porque não vamos pra nenhum lugar chique.

 

— Kai'sa, mas eu não poss-

 

— Eu preciso repetir? — interrompeu-a mais uma vez. Evelynn se calou e suspirou — Não deixe a peteca cair, Eve. Se esforce um pouquinho e prometo que até o fim do dia, você vai estar melhor. Queremos a nossa Diva como ela sempre foi, ok? Traz só um pouquinho dela de volta e eu me encarrego de puxar o resto!

 

— Tudo bem. — de ombros encolhidos e cabisbaixa, a platinada não teve muita opção além de ceder ao pedido da dançarina.

 

Kai sorriu, cheia de expectativa, e num impulso acabou por rodear a mais velha com seus braços. Evelynn levou um pequeno susto com isso, mas não se desfez do abraço, tanto por não sentir uma grama de energia para tal fim quanto por ter gostado de ser abraçada assim, ainda que repentinamente. Ela se sentiu bem por saber que Kai'sa se preocupava com ela e, pensando melhor, o que poderia haver de ruim em colaborar com os planos de Kai? Ela tinha razão, se continuasse trancada no quarto daquele jeito, nunca se recuperaria e isso traria consequências devastadoras para suas amigas. Precisava dar um basta e, se Kai'sa se dispôs a auxiliá-la nessa jornada de recuperação, não seria ela quem ousaria reclamar.

 

— Não precisa ter pressa. — sussurrou assim que se afastou do abraço, com a face pálida descansando sobre suas palmas — Só precisa saber que eu vou estar aqui por você, Eve.

 

Ficaram poucos instantes assim, se encarando com afinco. Era nítido o carinho e apreço que Kai'sa depositava em si, seria injusto não retribuir tamanho esforço com um mínimo de consideração.

 

— Sei que vai. — reiterou.

 

Ainda esbanjando um sorriso acolhedor e gentil, aproveitou-se da proximidade e da diferença considerável de altura para direcionar um selar breve e caloroso na testa alheia, ainda que por cima da franja bagunçada da vocalista. Evelynn sentiu o peito voltar a aquecer com esse gesto genuíno de afeto e, com isso, também criou certa expectativa para o que quer que Kai tenha planejado para o dia de hoje.

 

Ao se retirar do quarto de Evelynn, a azulada deu de cara com Ahri e Akali ouvindo toda a conversa atrás da porta.

 

— Ui! — chiou a rapper assim que a porta foi aberta pela dançarina, que franziu o cenho.

 

Sem nem disfarçar, as duas saíram andando em direções opostas como se nada tivesse acontecido, com Akali se escondendo no seu próprio quarto e Ahri assobiando enquanto foge à passos apressados para a sala.

 

— Fofoqueiras… — resmungou Kai'sa.

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Não foi fácil adquirir ânimo para acatar às ordens de Kai'sa, porém, Evelynn poderia se considerar vitoriosa por ter conseguido o mínimo. Mais de uma vez, relutou à ideia de sair de casa depois de tanto tempo sendo alvo de paparazzis loucos por notícias suas, entretanto, tinha dado sua palavra para a dançarina de que pelo menos tentaria. Não precisava se vestir como a Diva poderosa e inabalável de sempre, com um look glamouroso ostentando peças caríssimas de grife, dois litros de perfume para deixar rastros de sua presença por onde quer que passe e suas preciosas garras metálicas que são sua marca registrada. Ela mal conseguiu pentear o cabelo direito, tendo uma enorme dificuldade em desembaraçar os nós nos fios ressecados, quem dirá fazer um penteado elaborado como era de praxe antigamente.

 

Todo o seu corpo pedia por uma sessão de autocuidado, mas não seria hoje que ela o faria, sem chance!

 

Desistindo da ideia de arrumar seu cabelo, apenas fez um coque despojado sem a menor pretensão de que os fios não se embolassem ainda mais. Como lhe fora sugerido, vestiu-se com uma camiseta branca gigante qualquer que tinha roubado do armário de Akali pra fazer de pijama e uma calça de moletom preta também furtada que pertencia à Ahri – uma que ela usava nos ensaios das coreografias –. Olhou-se no espelho e soltou outro suspiro sem emoção, realmente não se parecia com a Diva do K/DA, Evelynn mal se reconhecia naquele reflexo e isso estava lhe matando por dentro. Desde quando ela era tão desleixada com a própria aparência?

 

— Você está pronta? — a azulada retornou ao aposento depois de uma hora, se dando por satisfeita em ver que Evelynn ao menos lhe escutou e se alimentou — Aê! Não voltou pra cama, já é um bom sinal!

 

— Sinceramente, não 'tô nem um pouco empolgada, Bokkie. — confessou, um tanto envergonhada por ser vista nesse estado deplorável.

 

Ao contrário do que Eve pensava, Kai'sa não a achou feia ou coisa semelhante. Aliás, notou bem rápido que as peças que compunham o vestuário da amiga pertenciam à Akali e Ahri, e achou fofo que, indiretamente, Evelynn estava levando-as consigo para o passeio.

 

— Hey! Você já está vestida, fez o que podia com o ânimo que tinha, isso já é uma vitória por si só! — a mais alta se aproxima, tentando transferir um pouco do seu bom humor e energia para a mulher a sua frente — Hoje é um dia para não se importar com nada além de se divertir.

 

— Juro que estou tentando acreditar em você, querida. — respondeu, indo até seu closet para encontrar algum par de tênis decente.

 

Se bem que nada a faria parecer decente neste momento. Evelynn acreditava que estava igualzinha a uma moradora de rua, só faltava pedir esmola.

 

Em retrospecto, Kai'sa observou cada movimento da mais velha, achando-a adorável. No entanto, essas encaradas eram sutis demais para serem percebidas pela cantora, concentrada em calçar seus tênis aos resmungos.

 

— Você vai se empolgar em breve, tenho certeza. — afirmou convicta.

 

Devidamente pronta, a platinada dá uma olhada no visual da companheira de grupo, que não trajava nada de extravagante também.

 

— 'Tô me sentindo esquisita por sair na rua assim. — declarou.

 

— O quê? Por que? Você continua linda! — elogiou sem pensar muito, surpreendendo a mais velha outra vez.

 

— Com certeza, querida. Um look básico pra ir na padaria? Talvez. Mas não precisa mentir dizendo que 'tô bonita, porque eu não 'tô! — o humor sarcástico parecia estar retornando gradualmente, o que para Kai'sa era uma ótima notícia.

 

— Você subestima sua beleza natural, Eve. — estalou a língua no céu da boca com um semblante de diversão, agindo de modo tão misterioso que acabava contagiando Evelynn com a curiosidade, de certo modo — E não se preocupe. Ninguém vai reparar na gente.

 

— Onde diabos você quer me levar, Kai'sa? — ergueu uma sobrancelha em desconfiança.

 

— Dirija de acordo com minhas instruções e vou te levar ao meu paraíso secreto! — brincou, girando a chave de um dos veículos da coleção luxuosa da Diva.

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Talvez Kai'sa estivesse certa na sua estratégia de sair para se divertir. Sem dúvida que dirigir era uma das coisas que curavam Evelynn de qualquer malefício mental, seu corpo vibrava com a adrenalina de um passeio de carro, por mais que não estivesse numa velocidade alucinante. Estar parada por muito tempo num lugar sempre trouxe sensações estranhas para a cantora, era por isso que apreciava sair o tempo todo para curtir sua vida e, em especial, dirigir a toda velocidade em momentos que as rodovias lhe "permitiam" infringir os limites. Sentiu saudades de dirigir e da alegria que lhe acometia quando o fazia, o estresse recente realmente estava lhe transformando numa pessoa diferente; uma Evelynn desanimada e que se perguntava o tempo todo se merecia o que tinha.

 

Ela nunca deveria ter dado ouvidos ao que invejosos dizem por trás de uma tela de computador, protegidos pelo anonimato. Eles nunca souberam nada sobre sua vida e não seria agora que saberiam. Ela se conhecia melhor que qualquer um, então deveria saber que dirigir seria parte vital do seu processo de recuperação. Kai'sa acertou muito ao lhe tirar do quarto e estava cada vez mais convencida de que, ao final do dia, a dançarina cumpriria com sua promessa de ajudá-la e animá-la.

 

Reviver a Diva adormecida na Evelynn depressiva. Tal missão parecia absurda, mas Kai faria tudo ao seu alcance. E no momento, o que estava ao seu alcance era levar sua amiga para um Arcade em um bairro não muito popular de Seoul.

 

— Esse é seu paraíso secreto? — não disfarçou o espanto ao mirar a fachada do local por detrás dos óculos escuros.

 

Ninguém diria que as duas mulheres paradas na porta do Tryezz Space eram Evelynn e Kai'sa do K/DA. Além das roupas folgadas e simplórias, usavam máscaras e óculos escuros para não serem reconhecidas – e a mais nova ainda se deu ao trabalho de colocar um boné sob os cabelos totalmente soltos.

 

— Vai desfazer essa careta preconceituosa quando o espírito competitivo lhe dominar. — a maior abaixou a máscara por um segundo e sorriu de canto, puxando-a pela mão para adentrar o estabelecimento.

 

Evelynn não estava acostumada a frequentar esse tipo de ambiente, mal gostava de jogos, aliás. Contudo, se Kai'sa dizia que aquilo seria útil para melhorar seu humor, que mal faria sentir uma fagulha de esperança?

 

— E se alguém perceber que não somos anônimas mal vestidas? — inquiriu com acidez evidente. Parece que ela está mesmo voltando a incorporar a persona de Diva, estava começando a transbordar a verdadeira essência sarcástica do seu ser.

 

— Pare de falar que está mal vestida, Eve! São as roupas das meninas! — riu.

 

— Tem razão. Estou indiretamente falando mal do gosto delas. — fingiu se importar, quando ambas sabiam que ela não ligava de ferir o ego de Akali e Ahri — Só que essa combinação é digna de pijama, meu bem.

 

— As pessoas normais se vestem assim, sabia? — apontou discretamente com o queixo para outros clientes que desfrutavam dos jogos naquela tarde — E você não aproveitaria nada se tivesse que brincar com um vestido e um salto!

 

— Por que está tentando me fazer jogar essas coisas? Eu nunca fiz isso na vida!

 

— Jogos são ótimos para extravasar raiva e frustrações. Eu venho muito aqui desde… — a mais alta hesita por um instante, o que aumenta a curiosidade de Eve — Desde que encerramos as promoções de Pop/Stars.

 

— Por que você parece triste quando diz isso, querida? — indagou, vendo a animação da azulada se desfazendo por alguns segundos. A máscara e abaixada uma segunda vez e ela logo torna a abrir um sorriso leve ao lhe encarar.

 

— Não estamos aqui pra falar de mim. Estamos aqui por você. Vamos jogar!

 

Mesmo incomodada com essa mudança rápida de expressão, Evelynn decidiu não confrontar sua amiga, por enquanto.

 

O primeiro brinquedo que decidiram testar era um jogo de corrida, a mais velha acreditou que não seria tão difícil vencer Kai'sa nessa modalidade, afinal, se considerava uma excelente motorista e a sua companheira nem possuía habilitação ainda. No entanto, a azulada era bem mais habilidosa do que a Diva pressupôs. Mesmo girando o volante de mentira pra lá e pra cá, Eve não conseguia ganhar vantagem alguma contra a maior, que ria da sua situação e do fato de ela estar, aos poucos, entrando no espírito da coisa. A corrida foi um caos do lado de Evelynn, que acabou perdendo e pedindo revanche, inconformada com a derrota.

 

Mais algumas tentativas, todas fracassadas, e a menor assumiu que não seria hoje que venceria esse embate com Kai'sa. Ainda precisava de muito treino pra domar aquela porcaria de volante, pelo jeito.

 

— A sua sorte é que isso aqui é só um jogo, na vida real você comeria poeira. — resmungou, o que fez a mais nova rir.

 

— Tenho medo de você dirigindo de verdade, Eve. Até hoje não sei como gravamos aquele take em Pop/Stars, porque achei que você ia me atropelar!

 

— Jamais faria isso contigo, querida. — ironizou.

 

— Ok, vamos mudar de jogo antes que você me mate de verdade! — a dançarina sente a aura maligna se instalando na mais velha e toma a sábia decisão de parar de provocá-la.

 

Aprendeu mais uma coisa sobre Evelynn: ela realmente detestava perder. Particularmente, isso também era adorável aos seus olhos, mas como prezava pelos dentes em sua boca, não ousaria falar em voz alta para não receber um murro da mulher irritada.

 

O Arcade era maior do que Eve pensava, a fachada modesta enganava muito bem e nenhuma pessoa imaginaria que um tesouro como este estava escondido em um local tão aleatório em Seoul. Kai'sa continuava de mãos dadas consigo enquanto perambulavam pelo espaço, os outros clientes nem reparam nelas e seguiam com suas próprias diversões, alheios uns aos outros. O desânimo inicial e o nervosismo foram se dissipando e Evelynn se permitiu sentir-se mais à vontade, apreciando aquela nova experiência.

 

— Aqui! Esse é um dos meus favoritos por motivos óbvios! — o indicador da mais alta aponta para a próxima parada.

 

— Você tá tentando me humilhar, né? — protestou assim que identificou a máquina à sua frente: um jogo de ritmo, ou melhor dizendo, de dança — Eu não vou vencer nesse negócio nunca!

 

— A intenção não é só vencer, Eve! É se divertir, errando ou acertando! — argumentou, toda risonha — Podemos jogar juntas no modo cooperativo.

 

— Até porque no competitivo não seria uma disputa, seria um esculacho gratuito! — resmoneou, sentindo de antemão um pouco de preguiça, pois aquele tipo de brinquedo implicava em se movimentar bastante.

 

— Apesar de gostar muito, esse jogo é difícil até pra mim, então não se surpreenda por me ver errar passos de dança pela primeira vez!

 

Arriscaram-se a deixar as máscaras abaixadas, pois dali pra frente fariam um exercício que dependeria, também, de fôlego, além de coordenação motora e atenção. Kai'sa se dedica em explicar como a máquina funcionava para que Evelynn não se sentisse desconfortável por cometer alguns erros, dizendo que era normal não pegar o ritmo logo de cara quando se é iniciante. A platinada não estava muito confiante, todavia se Kai admitiu que não era tão boa assim, ela também não tinha obrigação alguma de mostrar alguma competência nisso, então relaxou. Copiando a postura da "veterana" em se agarrar ao suporte vermelho, a música escolhida se inicia e os comandos surgem nas telas. Como o ritmo era lento a princípio, não foi tão difícil conseguir acertar a sequência de setas e Evelynn alimentou a crença de que não seria ruim se continuassem assim. 

 

Ledo engano. A música não era lenta o tempo todo e o instrumental foi acelerando de ritmo, obrigando ambas a dispor de mais vitalidade para conseguir acompanhar as novas sequências. Agora Eve entendia porque precisava se segurar na barra para tentar acertar os botões do piso, a música entrou numa constância frenética e elas tinham que pisar mais rápido se queriam garantir pontos. Kai'sa começou a rir do desespero de sua acompanhante, que xingava quando não conseguia acertar as benditas setas.

 

— Vai, Eve! Você consegue! — incentivou aos berros.

 

— CALA ESSA BOCA! TÁ ME DESCONCENTRANDO!

 

Ainda que tenha sido grosseira, a azulada não pôde deixar de rir mais alto, observando pelo canto do olho a expressão de fúria e a agitação da vocalista, tão absorta no jogo que mal desviava o olhar da tela e das setinhas coloridas que surgiam como comando. Não seria uma boa ideia tentar provocar ainda mais a platinada, então apenas se permitiu se divertir enquanto jogavam juntas.

 

As duas ficaram vidradas na máquina, dando seu máximo para acertar os botões na ordem correta. Quando a música se encerra, ambas estão cansadas, sem muito fôlego, mas com o humor revigorado pela diversão. Devido às gafes cometidas, obviamente não conquistaram a melhor das pontuações, porém, isso era de longe o que menos importava. Pela primeira vez em dias, Evelynn se esqueceu de tudo o que vinha acontecendo desde a maldita entrevista, todos os comentários odiosos foram deixados para trás e não possuíam mais significado para si. Eve sorriu genuinamente, em tempos, e essa foi uma grande vitória para Kai'sa.

 

Ao final disso tudo, Kai ainda tentou pegar algum prêmio de uma das máquinas de garra, mas falhou três vezes. O mais cômico foi que, mesmo sem experiência nenhuma com isso, Evelynn conseguiu agarrar uma pelúcia na primeira tentativa, o que indignou e impressionou a mais nova na mesma proporção. Depois de gastarem tempo no Tryezz Space, era hora de voltar para casa, mas não antes de pararem no meio de uma estrada deserta no meio do caminho para apreciar o pôr-do-sol juntas. Descartaram os óculos escuros e as máscaras, a brisa fresca de início de noite trouxe leveza para a alma de Evelynn. Se divertiu como nunca e estava em débito com Kai'sa por isso.

 

— Obrigada por ter me tirado de lá. — disse de repente.

 

A dançarina sabia que o "lá" era um lugar mais profundo e sombrio do que o quarto onde Eve esteve trancada recentemente. Estava dentro da sua mente, atormentando-a sem descanso.

 

— Não precisa agradecer por isso. — refutou, encarando a paisagem magnífica.

 

Os céus pincelando traços de azul escuro no meio do rosa, vermelho e amarelo do crepúsculo vespertino, um grande espetáculo para fechar com chave de ouro esse dia tão especial para Eve. Mas ainda não bastava para a mais velha ter se divertido a beça numa tarde pacífica, ainda tinha uma questão para a mulher ao seu lado e decidiu se pronunciar sobre:

 

— O Arcade é seu paraíso secreto por qual razão, Bokkie?

 

Chamá-la com um timbre tão sereno era um golpe baixo. Kai'sa não lhe negaria a verdade se usasse esse tom de voz consigo.

 

— Desde que nos tornamos famosas com o K/DA, eu percebi que a maioria dos nossos fãs me consideram a membro menos relevante. — desabafou, por fim. Evelynn se assombra com tal revelação, não imaginava que Kai se sentia subestimada — Eu fingia que isso não me afetava, porém, afetou e ainda afeta.

 

— Então você se sente menos importante que eu? Ou Ahri e Akali?

 

— Sempre. — confirmou — A Internet se tornou um antro perfeito para pessoas cruéis. Elas são venenosas, Eve. Conseguem nos manipular a acreditar no que elas querem. Eu acreditei que era irrelevante pro grupo e isso me deixou muito mal. — soltou um suspiro pesado, se recordando dessa época.

 

Era insuportável aparecer em público para sessões de autógrafos, tendo a falsa ilusão de que os BLADES não ficavam empolgados com a sua presença assim como ficavam pelas outras garotas. Ahri era a Idol perfeita que todos amavam, Evelynn por si só era conhecida como uma artista avassaladora e Akali era seu próprio holofote graças ao rap impecável em Pop/Stars. Ninguém se lembrava de Kai'sa, ninguém se dignou a prestar atenção no seu papel dentro daquele grupo e isso era torturante para seu psicológico.

 

— Eu pensei em sair do grupo, uma vez... — disparou uma última confissão, sem prever o impacto que isso causaria na Diva.

 

— O quê? — transtornada, Evelynn desencosta do capô de seu veículo, incrédula com a ideia de que, um dia, Kai'sa cogitou abandoná-las.

 

— Não se preocupe, eu não penso mais nisso. Eu amo o K/DA, amo fazer parte disso e aprendi a me amar um pouco mais com o tempo. — tranquilizou-a, achando fofa a carinha de tristeza da platinada — E isso graças a você, Evelynn.

 

— A mim? Mas eu nem sabia que você estava passando por isso!

 

— Você me disse isso uma vez, bem no comecinho das promoções de Pop/Stars. — relembrou — "Se você não se amar, como caralhos vai amar outra pessoa?"

 

— Na verdade essa frase é da RuPaul

 

— Foi porque você me disse, Eve! — gargalhou, constrangendo-a — É isso o que estou tentando dizer! Essa frase não teria impacto nenhum em mim, se eu só tivesse ouvido a RuPaul falando. Foi porque foi você quem me disse, que eu passei a acreditar em mim mesma!

 

— Tá, se a sua intenção era me deixar encabulada, conseguiu! — riu, tentando ignorar o rubor se instalando em suas maçãs do rosto, fitando o céu escurecendo.

 

— Só estou sendo franca, assim como você costuma ser. — Kai'sa sorri, observando a face corada ao seu lado — Sempre admirei você tanto como pessoa quanto como artista, Eve.

 

— Mesmo conhecendo meu lado egoísta? — sorriu sarcástica.

 

— Não escolhemos gostar das pessoas focando em suas qualidades. — explicou — Apenas escolhemos quais os defeitos que toleramos. E os seus, pra mim, não são nada que não possa adorar também.

 

Silêncio. Evelynn não sabia o que dizer depois de ser elogiada com tanta sinceridade e de maneira tão gratuita. Agora parecia bobagem ter acreditado no que diziam a seu respeito, não havia nada de errado em demonstrar que se amava e se priorizava. As pessoas deveriam ser livres para ser elas mesmas, e reaprender tal lição com a companhia espetacular de Kai'sa fora, de fato, uma agradável surpresa.

 

— Bem, está ficando tarde. Ahri vai arrancar as próprias caudas se demorarmos demais! — brincou.

 

— Kai'sa. — chamou, segurando seu pulso para que ela não se afaste. A mais nova a fita, meio confusa — Acho que você merece uma recompensa por passar esse tempo extraordinário comigo.

 

— Ora, Eve… Não precis-

 

Num ímpeto, a menor a puxa para mais perto e interrompe sua fala ao encostar seus lábios nos dela. Os lumes ametista ficam arregalados por culpa do choque, mas não por muito tempo. O beijo perdura por alguns instantes – os melhores daquele fim de tarde –, lento e com carinho de ambas as partes. Presumindo que era suficiente, Eve se afastou primeiro, sentindo o coração batendo bem rápido e um nervosismo pela reação da mais alta.

 

— Uou, eu não estava esperando por uma recompensa dessas!

 

— Me precipitei? — perguntou receosa.

 

— Nem um pouco. Acho que mereço mais doses dessa recompensa! — riu com malícia.

 

Evelynn sorri antes de iniciar outro beijo com a mais nova. Talvez ela ainda fosse uma pessoa muito egoísta por ter tanto amor próprio, mas e daí? Deste tipo de egoísmo ela não irá se abster nunca mais.

 

.

.

.

 

Eu quero ser egoísta

Eu ainda tenho muitos desejos

Para ter que me ajustar aos padrões do mundo

É melhor fazer do meu jeito

 

Às vezes sendo egoísta

Não entenda mal, não tenho más intenções

Eu serei um pouco mais honesta

Eu me amo

 

Eu quero ser livre

Apenas ser livre

Eu quero ser livre

Me fazendo sentir tão bem

 

Eu quero ser livre

Apenas ser livre

Eu serei mais honesta comigo mesma

A partir de hoje


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