Metamorfose escrita por RobbieDawson


Capítulo 1
Capítulo 01 - Despedidas




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A manhã de sábado veio juntamente com uma brisa reconfortante do lado de fora. Pelo breve instante em que fiquei parada em frente a janela do meu quarto, sentindo o vento soprar o meu rosto e observando a rua movimentada abaixo, não consegui evitar e soltei um suspiro um tanto quanto melancólico, já que, é muito difícil para mim ter que lidar com despedidas. E para falar a verdade, sempre foi. 

E eu digo isso, pois durante uma boa parte da minha vida eu tive que me despedir de pessoas à minha volta. Todos tiveram as suas razões para ir embora. E algumas vezes eu me questionava: “Quem sofre mais? Quem vai ou quem fica?”. E até hoje não consegui uma resposta para essa pergunta. 

Eu costumava brincar e dizer que Collingwood é uma cidade de pouca duração. Ninguém consegue morar aqui por muito tempo. E ironicamente, depois de todos esses anos, quem está indo embora, enfim, sou eu. 

Tudo bem que não é para sempre. Estarei indo frequentar uma escola no norte do país até completar a maioridade. E ficar três anos longe de casa não será uma tarefa fácil, porém eu sei que é essencial e importante para o meu crescimento pessoal frequentar a ‘Sweet Amoris’, afinal, ela não é uma escola comum. 

E quando digo que ela não é uma “escola comum”, não é uma forma de exagero.

Por muitos anos, minha família e eu escondemos da comunidade de Collingwood um segredo que ameaça totalmente a nossa segurança por aqui. 

A princípio pode parecer uma piada, mas eu juro que não é.

A verdade é que… nós somos uma família de vampiros.  

E não. Os vampiros não são aqueles clichês que foram falsamente propagados pela cultura mundana. Para você ter ideia, até hoje acreditam em algumas falácias sobre nós, como, por exemplo, que o uso de alho pode nos “afastar” e que precisamos dormir em caixões, assim como nos mantermos longe do sol. Tudo isso que eu citei, e muito mais, não passam de mentiras que foram propagadas durante a história da humanidade com o intuito de zombarem da nossa existência. 

A única verdade passada adiante é o fato de nos alimentarmos também de sangue, mas não necessariamente precisa ser sangue humano.

E como você deve bem imaginar, o que se popularizou foi a nossa pior versão. Sendo assim, essa é a principal razão pelo qual precisamos viver em segredo, já que a qualquer momento, corremos o risco de sermos presos ou até mesmo mortos.

E se já não bastasse todo esse caos, desde que eu me conheço como vampira, os meus pais nunca quiseram adentrar muito no que de fato é ser um vampiro, de modo que, eu me sinto um peixe fora d’água. E é por isso que eu me considero uma vampira ignorante e totalmente medíocre. Porém, existe um motivo pelo qual os meus pais nunca quiseram se aprofundar tanto comigo em relação ao universo sobrenatural. 

Acontece que a minha família praticamente inteira estudou e se formou na ‘Sweet Amoris’, isso inclui os meus próprios pais, que inclusive se conheceram lá. Logo, para ambos, a referida escola é o ambiente perfeito para que eu possa entender com mais propriedade o mundo vampírico. 

E eu devo admitir que até por isso eu estou, por um lado, empolgada de ir para lá, pois não apenas estarei vivendo uma experiência de autoconhecimento, como também estarei indo para me desenvolver como vampira. Além disso, eu irei conviver com todos os outros diferentes humanos-mestiços que estão espalhados pelo mundo afora, afinal, os vampiros não são os únicos seres que existem. Há fadas, sereias, minotauros, dragões… uma variedade infinita de seres-místicos para eu desvendar. 

Um mundo inteiro à minha disposição. 

Um mundo este que eu mal posso esperar para explorá-lo.  

                                                                                                                                                                               [...]

—Pronto! Conseguimos! -Depois de descer cautelosamente do segundo andar, jogo meu corpo para trás e mantenho a minha coluna o mais ereta possível. Em seguida, me encosto na parede buscando um pouco de ar para respirar. 

—Eu sabia que uma mala tão grande assim podia ser um problema. Nós deveríamos ter escutado a sua avó e não ter comprado ela. -Ouço a minha mãe falar tão ofegante quanto eu. 

—Ao menos tudo que é essencial foi guardado aqui dentro. -Brinco dando uns tapinhas de leve na espaçosa mala de viagem que havíamos comprado mês passado como meu presente de aniversário. 

—Como assim você só colocou o “essencial”? -Minha mãe diz colocando as duas mãos na cintura.

—Filha, você enfiou praticamente todo o seu guarda-roupa aí dentro. Eu ficaria até surpresa se você esquecesse, de fato, alguma coisa. -Ela comenta esfregando a testa para limpar as pequenas gotículas de suor que se formaram nela. -Mas pelo menos estamos a meio caminho andado. Agora só esperarmos o seu pai chegar da padaria para irmos até a estação de trem. 

—Sim! -Eu concordo enquanto me arrasto até o sofá velho que temos na nossa sala-de-estar, onde me jogo nele, afundando exageradamente no macio das almofadas.

—E como você está se sentindo com toda essa mudança, meu bem? -Vejo-a se sentar do meu lado, me encarando com os seus grandes e intensos olhos amarelos. 

—Sendo sincera mãe, eu estou bem… ‘tristemada’. -Toda a tensão que eu estava sentindo quase me fez engasgar com a minha própria saliva.

—Você está o quê? -Minha mãe indaga arqueando as sobrancelhas. 

—Eu estou triste e animada, mãe. -A minha resposta soa um tanto quanto ríspida, o que me fez me arrepender quase que imediatamente de ter falado de tal jeito, contudo, a minha mãe, pelo visto, preferiu ignorar esse meu momentâneo lapso de rebeldia - para não dizer, falta de noção.

Ah! -É a única coisa que sai de sua boca conforme a mesma balança a cabeça silenciosamente. Eu não sabia dizer se ela de fato entendia o que eu estava sentindo naquele momento ou se estava apenas fingindo, mas talvez no fundo, bem no fundo, ela soubesse realmente como é esse sentimento, afinal, ela já esteve na minha posição antes, quando tinha a minha idade.

—E você conseguiu se despedir das meninas? -Ela pergunta se referindo a Isabela e Cindy, as minhas melhores amigas do colégio daqui do bairro.

—Até que sim… ontem de noite nós três fizemos uma ligação por chamada de vídeo e na quinta-feira eu tinha ido ao cinema com Isa. 

—Então quer dizer que Cindy ainda não voltou da Austrália? 

—Ainda não. -Digo me sentindo péssima por saber que não conseguirei dar o meu abraço de despedida nela. -Ela volta amanhã de tarde, já que as aulas na Beverly High começam somente na terça-feira. 

—Entendo. Mas e Pietro… vocês dois já se falaram? -A entonação de sua voz transparecia o que eu mais temia. É aquele tipo de pergunta que você faz de tudo para fugir porque os seus parentes adoram bisbilhotar a sua vida amorosa.

Ah, mãe! -Eu ponho a mão no rosto e ela solta uma risada calorosa. 

—Estou apenas curiosa… -Ela diz em um tom brincalhão. 

—A gente chegou a conversar ontem de noite um pouco. Foi logo depois que terminei a ligação com as meninas.

—E então… como foi a conversa? -Aquela maldita entonação de novo.

—A gente só falou sobre coisas banais, mãe! -Acabo respondendo-a com um jeito impaciente, o que parecia estar divertindo ela.

—E ele está bem? Digo… quando ele descobriu que você ia embora para terminar o seu ensino médio em outro lugar, ele aparentou ter ficado extremamente triste com a notícia.

—Sério? Eu não percebi nada além de uma tristeza comum. Por quê? Você percebeu alguma coisa? -Ela assente com uma expressão em seu rosto que diz “eu vou pegar uma lupa para você visualizar melhor”. 

—Por mais que ele não demonstre abertamente a magnitude da sua tristeza, a gente sente pelo olhar dele. Principalmente porque envolve alguém que ele ama…ele gosta de você, filha! 

O comentário da minha mãe me faz ficar completamente vermelha de vergonha. Por mais que eu tentasse negar, eu sabia que Pietro tinha sentimentos por mim. Acontece que eu nunca enxerguei ele de outra maneira. Então, até pra tentar protegê-lo, eu resolvi fingir que não percebia as suas intenções comigo. E eu sei que essa atitude me faz parecer uma completa babaca, mas a nossa amizade é tão importante que eu tenho medo de perdemos essa conexão especial que cultivamos ao longo dos anos. 

—Eu nunca entendi porque você nunca deu uma chance pra ele. -Minha mãe continua discorrendo as suas percepções pessoais, o que me faz ter que me controlar para não fazer uma careta feia pra ela. -Ele é um bom garoto!

—Mãe, será que você poderia parar de insistir nessa… -De repente a minha resposta é interrompida pelo som alto da campainha sendo tocada. 

—Deve ser o seu pai. Provavelmente esqueceu de levar as chaves com ele de novo. 

Apesar do cansaço, minha mãe levanta e vai andando em direção ao hall de entrada da casa. Enquanto isso, eu me mantenho sentada, aceitando a preguiça que tomava conta do meu corpo. 

Nos poucos segundos em que fiquei acomodada esperando a figura do meu pai aparecer carregando aqueles típicos sacos largos que vem recheados de pães frescos. Ele não apareceu. Apesar da voz familiar, não era o meu pai quem estava na porta…, mas sim Pietro. 

—Jessica. Tem uma visita pra você! -Minha mãe aparece com um olhar levemente espirituoso. 

Apesar de naquele momento a ociosidade estar tomando conta de mim, eu não tive muita escolha a não ser me levantar e ir até o hall de entrada para recepcionar Pietro. 

Assim que me aproximei da porta, pude vê-lo parado olhando para o chão. O seu cabelo castanho estava desarrumado como sempre, enquanto os seus olhos azuis pareciam estar mais azulados ainda, e os seus lábios carnudos, que estavam um pouco rachados, faziam com que o cujo parecesse que estivesse com um resfriado.

—Oi! -O cumprimento com um aceno de mão e Pietro acorda de seus devaneios, me mostrando um sorriso tímido. 

—Achei que tinha perdido a hora. -Ele murmura para si mesmo, o que me deixa um pouco confusa.

—Hã?

—Nada não. -Ele sorri de novo. -Estou apenas aliviado que cheguei a tempo para conseguir lhe ver. 

—Bem, você realmente teve sorte porque estamos só esperando o meu pai voltar da rua.

—É… eu notei. -Ele aponta para a mala que eu e minha mãe tínhamos acabado de trazer do andar de cima. 

—Você… quer uma xícara de chá? Ou de café? 

—Não! Não! -Pietro responde corando. -Eu vim aqui porque… eu queria lhe dar um presente antes de você ir embora. 

Ah! Que fofo! -Eu respondo um tanto quanto grata e surpresa. -Venha! Entre! Podemos conversar melhor no jardim. -Eu falo quando noto, pelo canto do olho, que minha mãe nos observava atentamente.

Será que ela não percebe que todo esse papo sobre o Pietro gostar de mim, me deixa sem jeito? Eu mal consigo conversar com ele direito sem me sentir pressionada de alguma forma. Ao menos, no jardim, eu consigo me sentir menos tensa com todos esses olhares indiscretos. 

—Eu vou deixar vocês dois… a sós. -Ouço minha mãe falar conforme ela solta alguns risinhos. 

Eu me esforço para não bufar de irritação, então, prontamente puxo Pietro pela manga de seu casaco e o arrasto até o jardim, onde nos sentamos, confortavelmente, debaixo de uma árvore. 

—Me desculpe pela minha mãe! -Falo, quando, por fim, nos acomodamos na grama seca. 

—Tudo bem. Ela é engraçada! -Pietro responde soltando um riso acanhado. 

—E então? -Início a conversa balançando a ponta dos pés animadamente. -Não me deixa aqui mofando. Qual é o presente que você me trouxe? 

—Caramba, você não se aguenta, não é? -Ele finge ficar bravo comigo. -Eu ia fazer todo um suspense, mas já que você está ansiosa demais para esperar…

—Ei! Corta essa! -Dou uma leve risada. -Isso é jeito de me tratar sabendo que estou indo embora?

—Peço perdão por isso, madame Lopez! -Ele faz uma reverência exagerada, o que me faz sorrir mais ainda. 

—E aí… vai me mostrar ou não? -Pergunto não escondendo a minha empolgação. 

—Tudo bem! Tudo bem! Eu vou mostrar. Mas você tem que fechar os olhos primeiro. É uma surpresa. E não vale espiar, heim?! -Ele fala em um tom alto no instante em que me vê fechando os olhos. 

—Ai! Credo! Não precisa se preocupar! -Digo achando graça em toda aquela situação, até que eventualmente, eu começo a levar toda a surpresa de uma forma mais séria. -Tudo bem. Estou de olhos bem fechados. -Aviso a ele, que por alguns segundos, fica em silêncio. 

Pelo breve silêncio que se instaurou, várias ideias de possíveis presentes começaram a borbulhar na minha mente. O que será que Pietro vai me dar? De qualquer forma, eu logo ia descobrir pois não demorou muito para que eu sentisse um pequeno objeto cair em cima de mim.

Ao abrir os olhos, vejo que há uma pequena caixa preta com um laço cor de rosa sob a minha barriga. Na parte de cima dela, o logotipo da loja em que Pietro havia comprado indicava que era algum tipo de joalheira. 

—O que é isso? -Questiono entre um sorriso e outro, analisando a caixa. 

—Abra e veja! -Ele responde evidentemente empolgado. 

Com a sua permissão, eu seguro a caixa em questão e vou retirando cuidadosamente o laço que compõe ela. Ao abri-la, pude notar, no seu fundo, que havia um colar dourado contendo as iniciais do meu nome.

—Pietro! O que é isso? -Eu indago um pouco emocionada. 

—Bem… você sempre disse que nunca foi boa em lidar com despedidas, então… eu quis lhe dar um presente que resplandecesse não apenas a sua beleza… mas também que… quando você olhasse para ele, você fosse capaz de se lembrar de nós aqui de Collingwood

—Eu… estou sem palavras! -Digo analisando apaixonadamente o colar. -Esse colar é tão… lindo! Obrigada!

—Fico feliz que você tenha gostado! -Ele acrescenta com as bochechas mais coradas do que antes. 

—Eu amei! Obrigada por isso, Pietro! -Eu me curvo em sua direção e entrelaço os meus braços nos seus ombros, o que nos une em um abraço quente e caloroso.

—Quer ajuda para colocar o colar? 

Quando nos separamos, ele me fez a referida pergunta, e eu, ainda bastante emocionada, concordei positivamente com um sorriso, virando-me, logo em seguida, de costas para o mesmo, que com a sua usual delicadeza, pôs o colar em meu pescoço e o ajustou cuidadosamente para que o seu cabimento caísse perfeitamente em mim. 

—Obrigada! -Agradeço pela milésima vez, porém, antes que ele pudesse dizer mais qualquer coisa, os meus pais, de repente, aparecem no jardim. 

—Filha! Pietro! -O meu pai surge ajustando os seus óculos de grau enquanto caminha em nossa direção para nos cumprimentar.

—Olá, Sr. Lopez! -Pietro, imediatamente se levanta, oferecendo um aperto de mão para o meu pai, que lhe retribui.

—Olá, Pietro! Está bem? E a família?

—Estamos muito bem. E o senhor?

—Nós também estamos bem, apesar de que hoje é o último dia da nossa princesinha aqui! -O meu pai me puxa para um abraço de lado.

Ah! Pai! -Eu finjo resmungar um pouco, mas acabo dando risada com ele.

—Mas não se preocupe Pietro. Jessica estará de volta nas férias de Natal e Ano-Novo. -Minha mãe faz questão de mencionar para Pietro, o que faz os nossos olhares se cruzarem, e ela, nem um pouco discreta, me solta uma piscadela. 

—Já não está na hora de irmos? -Com medo da minha mãe criar mais alguma cena constrangedora, eu faço questão de lembrar que temos um horário pré-estabelecido para chegarmos na estação de trem.

Ah, é verdade! -O meu pai se separa de mim e analisa o seu relógio de pulso.

—Vamos logo Lucia, pois Jessica precisa chegar em White Castle a tempo do senhor Louis levá-la de carro. Vocês já colocaram a mala dentro do porta-malas?

—Claro que não! Você já viu o tamanho daquele trambolho? -A minha mãe faz questão de enfatizar a dificuldade que tivemos de lidar com a minha mala recém-pronta.

—E esse treco não tem rodinhas, não? -O meu pai pontua sentindo-se indignado. 

—E eu vou saber? Ficou muito tempo guardado! 

—Ora, como você não viu isso antes, Lucia?

E assim os meus pais vão discutindo sem parar, deixando eu e Pietro, mais uma vez, sozinhos. 

—Acho que agora é o momento em que nós dois nos despedimos, certo? -A tristeza que transparece na voz de Pietro é evidente, o que me parte o coração. 

—Até o final do ano estou de volta… daí eu, você, Isabela e Cindy podemos combinar de tomarmos aquele milkshake de Marshmallow que você tanto gosta. 

—Sim! Isso seria legal… -Pietro murmureja ainda entristecido. 

—Sim! -É só o que eu consigo dizer antes de ficarmos presos num silêncio constrangedor, no qual é quebrado por um outro abraço de Pietro. 

Porém, esse segundo abraço é diferente dos outros. Eu pude sentir que tantas emoções estavam sendo transferidas por aquele abraço que não tive coragem o suficiente de quebrá-lo tão cedo. Logo, ficamos um bom tempo juntos, nos abraçando, até que ele se separou de mim.

—Até um dia, Jess!

—Até um dia, Pietro! 

E mais uma vez, eu retomo mentalmente para aquele mesmo questionamento que sempre ressoa no meu coração: “Quem sofre mais? Quem vai ou quem fica”?

E eu lhes digo…

Algumas vezes, o sofrimento é mútuo. 


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