A VIDA DE GARFIELD virou de cabeça para baixo desde que Tara decidiu terminar o relacionamento de quase 5 anos. E para ajudar, eles eram vizinhos de apartamento, de segunda a sexta tinha que cruzar com ela na hora de ir trabalhar e ver aqueles belos azuis cruzando com os seus ainda fazia seu coração palpitar forte no peito.

Mas era bola para frente, pelo menos era isso que ele queria, antes de se derreter com seu perfume, quando tiveram que dividir o mesmo elevador, naquela manhã. Ela parecia neutra, olhando o número do elevador descer e apertando a alça do bolsa.

— E aí, o Ginger se recuperou bem da cirurgia?

Com certeza falar sobre gatos era a melhor aposta para se puxar uma conversa.

— Sim, ainda bem. — Ela respondeu sem desviar o olhar. — Garth foi bem atencioso com ele.

Garth, o veterinário de confiança, ou pelo menos costumava ser, até ele ver os dois saindo de mãos dadas de um restaurante, duas semanas após terminarem.

— Pelo visto você mantém bastante contato com seu veterinário.

O elevador chegou no térreo.

— Desculpa, mas isso não é da sua conta. — Forçou o sorriso e saiu, deixando-o desnorteado para trás. Até mesmo o faxineiro franziu o cenho ao vê-lo estático no elevador e ignorar suas duas perguntas.

Depois de ter subido e descido do elevador mais uma vez, Garfield teve que enfrentar dois metrôs lotados antes de chegar em seu serviço. E ainda se molhou com a chuva de vento que surgiu, duas quadras antes de chegar na empresa.

Quando se sentou em sua cadeira e viu que seu trabalho do dia anterior não havia sido salvo, pôde ter certeza que aquele seria um dia daqueles.

— Cara, você precisa sair dessa. — Victor disse, eles estavam no horário do almoço. — Você tá horrível.

— Nem me fale.

— E suas olheiras tão enormes — Dick, seu outro amigo do trabalho, observou, bebendo seu suco. — Tá comendo e dormindo direito?

Garfield bufou. Estavam num restaurante barato e do lado da empresa. Foi ali que teve seu primeiro “encontro” com Tara, ela era a nova estagiária da sessão de economia e seu chefe a deixou sob a responsabilidade dele.

No começo, Tara era tímida, mal ouviam sua voz, depois começou a implicar com ele sem motivo e terminou com eles dois nos amassos, no banheiro mal cheiroso e apertado do segundo andar.

Tudo ali lembrava dela, que azar o dele.

— Quer a resposta sincera? — Levantou o olhar. Ele brincava com o garfo e mal havia tocado nas batatas.

— Não precisa, apenas queria a confirmação. — Dick disse. — Cara, eu entendo o quanto a Tara foi importante para você, afinal 5 anos não se esquecem do dia para a noite, mas você precisa viver! Já faz tipo quantos meses que vocês terminaram, 2?

— 4. — Garfield corrigiu.

— Pior ainda!

— E até ela seguiu em frente. — Victor observou. — Com o veterinário.

— Não precisava me lembrar disso. — Gar fez careta.

— Se ela seguiu, você também precisa, meu caro. — Tocou o ombro do amigo, por cima da mesa. — Vamos fazer um trato? Eu termino a sua parte do “Crescimento Financeiro 360 Pro”, mas só se você voltar a frequentar a academia, fazer a barba, prometer se cuidar, sair de casa e instalar o Tinder. — Enumerou com os dedos.

— Instalar o Tinder? — Gar levantou o olhar, com o cenho franzido. — Os primeiros tópicos eu até entendo, mas qual é a precisão do Tinder? Não tô com cabeça pra namoro no momento.

— Mas não é pra ser algo sério — Victor argumentou — É mais algo casual, pra você relaxar a cabeça e dar os primeiros passos para superar a loira, tô certo?

— Certíssimo. — Bateram as mãos. — Pegar ou largar. — Dick deu de ombros.

— Mas e se eu curtir adoidado e a Tara aparecer na minha porta, de madrugada, pedindo para voltar e me ver com outra mulher?

— Gar. — Dick chamou.

— Ela não vai voltar. — Victor completou.

Gar desviou o olhar, e piscou várias vezes, fingindo que as lágrimas não queriam dar as caras. Os amigos se entreolharam. Victor suspirou e falou:

— Maninho, eu aceitaria a oferta. Afinal, o que você perde com isso? E, por quanto tempo ainda está disposto a esperar por algo que não vem?

— Droga — Fungou. — Só vou aceitar isso porque o projeto que o Sulliman me passou é um saco e não tô a fim de escrever aquela merda toda de novo. — Os três riram. — Mas vocês vão ter que me ajudar em uma coisa: Como se usa esse Tinder?

Os amigos piscaram ao mesmo tempo.

— O que é? Sou ao vivo e em cores, nunca precisei dessas coisas.

[...]

A primeira grande missão foi liberar espaço no celular de Garfield, que estava cheio de fotos e vídeos dos 5 anos de relacionamento e de aplicativos de jogos desnecessários, que Tara sempre jogava para passar o tempo. Mas isso não era nada perto do desafio de encontrar alguém interessante no Tinder.

Tinha muita mulher linda, isso era impossível de negar, mas nenhuma parecia ter aquele q de interessante. Ficou até tarde observando, analisando e dispensando perfis, até que alguém de match com ele.

Uma mensagem.

“Adorei a sua foto no show do Iron Eclipse”

Olhou a foto de perfil, era de uma mulher branca, de cabelos pretos e cortados num corte Chanel, ela usava uma maquiagem gótica leve, de cor roxa e batom rubro, e um piercing de argola no nariz.

Ela era um bom colírio para os olhos. Como uma arte neoimpressionista, que poucos sabiam ou possuíam paciência para interpretar suas camadas.

“Oh, obrigado, você também é fã?”

Respondeu, após curtir sua resposta.

“Desde a adolescência! Se bobear, nos esbarramos naquele show. Você foi no ano passado, aqui mesmo em Gotham, certo?”

“Sim, foi um sufoco conseguir ingresso para aquele show. Uma pena que eles só resolveram fazer um por aqui, ainda mais levando em consideração como essa cidade é enorme”

Em seguida, enviou uma outra selfie que ele tirou do show. Estava de óculos de sol, uma faixa branca amarrada na cabeça com um copo plástico amarelo de cerveja na mão livre. De longe, dava para ver os cantores no palco e a multidão alegre ao seu lado. Obviamente, ele cortou Tara da foto.

“Concordo demais, eles poderiam ter tido mais consideração com os fãs daqui”.

Ela também encaminhou uma foto dela no show, ela estava aparentemente num camarote, debruçada e com seus cabelos cheios de glitter e seu batom sendo um roxo marcante. Ela estava com vários colares que iam até de crucifixo a caveiras. E um piercing a mais, no septo.

“Você é bem bonita” digitou, mas apagou em seguida, não queria parecer tão direto ao ponto de parecer esquisito. “A estampa da sua blusa é bem bonita”, novamente apagou, não queria que desse a entender que ele era um pervertido que estava olhando seus seios. “Gostei do seu colar, você comprou no show?” De todos, foi o que soou mais adequado.

E assim, a conversa se guiou.

Descobriu mais sobre ela. Era natural de Gotham, amava bandas de rock e os livros de terror de Stephen King, assim como amava literatura num geral. Era nascida em 31 de Outubro e era do signo de escorpião. E que todos seus aniversários na infância foram a fantasia. E que por mais que não parecesse, seu desenho favorito era “Pegasus é Fofo Demais” e por causa dele, seu maior sonho era ter um pônei de estimação. Ela também tinha um rancho que pertencia ao seu pai — apesar de seu convívio com ele não ser dos melhores — e participava de competições de hipismo quando tinha a oportunidade.

“Também amo cavalos. Você já conseguiu algum prêmio competindo?”

“Fui medalha de bronze aos 11 anos e medalha de prata o ano passado”

“Uau! Isso que eu chamo de talento”

“Se ganhar ouro, gabarita”

“Valeu”

“Desculpa, mas vou ter que desligar agora, tenho compromisso hoje cedinho. Mas podemos conversar de novo mais tarde”

Nesse momento, os olhos do Logan dobraram de tamanho ao ver que era quase 1h30 da madrugada.

“Nossa, já é 1 hora!”

“Nem vi a hora passar”

“Também tenho que trabalhar cedo”

“Foi muito bom conversar com você”

“Tenha bons sonhos!”

[...]

Apesar da cabeça doer, pelas poucas horas dormidas, o dia pareceu mais claro para Garfield naquela manhã. Nada de encontros desnecessários no elevador, nada de metrôs incrivelmente lotados e nada de chuva, só um sol ameno e um clima fresco. Ficou até aliviado em ver que não teria que digitar igual um camelo em um projeto que ele detestava.

— “Bons sonhos”? — Victor leu, estavam novamente no restaurante. — Você tá conversando com quem, sua mãe?

— Pelo menos já é um grande avanço. Como o roteiro avançou de um dia pro outro — Dick observou. — Já marcaram um primeiro date?

— Ainda não, mas não tenho pressa também.

— Por que?

— Ela é uma garota legal, talentosa, fã de Iron Eclipse, gente boa e é muita areia pra mim. Seria muito mesquinho da minha parte usá-la para tapar o buraco que a Tara deixou. Ela merece mais.

— Então, vai partir pra outra? Tenho boas sugestões se quiser usar outros meios. — Dick sugeriu.

— Não, vou melhorar para poder merecê-la!