Encostado a um canto da suja sala de jantar, Severus observava o rosto vermelho, marcado com vários dedos, de Eileen. Seu pai tinha batido de novo em sua mãe, em um acesso de raiva por não haver em casa mais dinheiro para bebidas.

Sua mãe nunca se defendia das agressões que ele lhe provocava. Dizia sempre que tinha sido por sua culpa. Severus não entendia o porquê. Eilleen já tinha lhe explicado um pouco da situação: quando seus pais se amavam de verdade, tinham feito um voto perpétuo de que nunca se iriam trair, ou abandonar. Por qualquer razão.

Sua mãe sempre falava que a paixão a tinha cegado e que tinha feito tudo o que seu pai lhe tinha pedido.

Tinha abandonado sua família, suas tradições, seu mundo por um Muggle. Considerado por seus pares um ser inferior. Seus pais nunca mais a tinham contatado para saberem como estava, com a vergonha pairando sua família por ela os ter abandonado. Provavelmente, nem sabiam que tinham um neto. E como ela se arrependia até hoje.

Eileen foi à gaveta do fundo do velho armário e tirou de dentro de uma caixa de costura sua varinha. Severus olhou em volta, assustado. Temia que Tobias regressasse e visse sua mãe fazendo magia. Nem queria pensar no que lhe iria fazer caso isso acontecesse.

— Está tudo bem, meu amor. - Falou sua mãe, com voz calma - Seu pai só vai aparecer daqui a algumas horas. Ele descobriu o dinheiro que tinha na bolsa para as compras de amanhã. Já não vou poder comprar pão, nem carne.

— Tem certeza, mamãe? - Perguntou, olhando em redor, assustado.

— Certeza absoluta. - Garantiu Eilleen. Tobias só voltaria a casa depois de ter gastado todo o dinheiro.

Severus se acalmou. Se levantou do chão gelado, tentando se proteger do frio da casa com o grande casaco de adulto, que deslizava atrás de si. Parecia um vampiro, mas se sentia mais quente. Protegido.

Sua mãe lhe deu um abraço e o ajudou a se sentar na cadeira. Não que ele precisasse de ajuda, mas era uma forma de carinho de sua mãe. Eilleen movimentou a varinha, fechando as cortinas para que os Muggles não a vissem fazendo magia.

De seguida, fez mais uns movimentos, limpando a sala. Severus amava quando sua mãe fazia magia, esperava ansiosamente para ir para Hogwarts, sair de Spinner's End.

A velha lareira foi acesa, tornando o espaço mais agradável. Severus se sentiu quente de imediato. Com outro movimento, arrumou a mesa, colocando uma toalha branca, pratos e talheres. A sala parecia outra, mais organizada.

Rapidamente, guardou a varinha debaixo de sua saia e abriu a pequena geladeira, que tinha alguns legumes e garrafas vazias. Estendeu as mãos e Severus viu, maravilhado um pequeno bolo de chocolate nas mãos de sua mãe. Era a primeira vez que tinha um bolo.

Eileen fechou a porta com o cotovelo e pousou o pequeno bolo na mesa. Era redondo, e com dois morangos no meio. O coração de Severus bateu mais rápido.

Sua mãe tirou de dentro de uma gaveta uma vela, com o número 5 gravado e a acendeu.

— Consegui esconder algum dinheiro de seu pai, foi um bônus que a fábrica deu por a gente ter trabalhado bem esse Natal. - Comentou Eileen, pousando o bolo à sua frente. Severus sentiu sua boca salivando, parecia delicioso.

Em voz baixa, para que os vizinhos não escutassem, cantaram os parabéns. Enquanto batiam palmas, Severus observou como a chama da vela iluminava o rosto de sua mãe: as pequenas rugas no canto dos lábios, os olhos amedrontados e atentos à chegada de Tobias.

Por fim, fez seu desejo e assoprou as velas. Desejou o que sempre desejava, quando estava deitado em sua velha cama, no pequeno quarto: que seu pai se fosse embora e que os deixasse ser felizes. Sua mãe lhe deu um sorriso e o abraçou, lhe dando um beijo na testa.

— Feliz aniversário, Severus. - Cortou um pedaço de bolo e deu a seu filho que, ao dar a primeira dentada, soltou um gemido de prazer. Nunca tinha comido nada tão bom. Viu como sua mãe pousava o rosto em uma mão, com um sorriso tenro em seus lábios.

— Coma, mamãe. - Pegou na faca e cortou um pedaço de bolo, estendendo em sua direção. Eilleen pegou, com mãos trêmulas, e deu uma dentada. Ficaram em silêncio, aproveitando aquele momento especial. Nunca tinha tido um aniversário tão calmo. No ano passado, seu pai tinha destruído sua cama e um de seus acessos de raiva e dos outros não se recordava muito bem. Mas sabia que não tinham sido felizes.

Comeram, a felicidade estampada em seus rostos. Cortaram mais duas fatias para cada um, acabando com o bolo. Lambendo os dedos, de barriga cheia, Severus observou sua mãe arrumando a loiça e quebrando os encantamentos, a sala regressando ao seu aspeto feio e frio.

Eileen se virou para seu filho, seu único bebê, e viu uma mancha de chocolate na camiseta. Se Tobias a visse, era seu fim.

— Eu vou ajudar você a se arrumar para dormir.

— Tá bom, mamãe. - Seu coração se aqueceu com aquelas palavras. Como desejava dar uma vida melhor a seu filho. Eileen o ajudou a lavar as mãos e o rosto, temendo que ele deixasse migalhas de chocolate. Bochechou a boca várias vezes e foi para o quarto. Tirou a roupa com cuidado e Eileen a sacudiu pela janela. Vestiu o pijama remendado e se deitou na cama. Deu um sorriso quando sua mãe tirou uns cabelos de frente de seu rosto e beijou sua testa.

— Boa noite, mamãe.

— Boa noite, Severus. - Respondeu Eileen e saiu do quarto, encostado a porta. Severus esperou que sua mãe se afastasse para se levantar. Caminhou silenciosamente para a porta e viu sua mãe guardando a varinha. De seguida, ela aqueceu a água e pegou em uma bacia, procurando por um sabão.

Quando a água estava quente, deitou dentro da bacia. Atirou a roupa para dentro e se ajoelhou no chão frio. Esfregou cada peça com o sabão, tentando remover as manchas do bolo. Seu cabelo negro caindo sob seu rosto e suas bochechas vermelhas pelo esforço.

Se Tobias chegasse naquele momento, só veria sua mulher lavando roupa. Não era tão anormal fazer aquela hora em casa. Eilleen fazia as tarefas domésticas depois de seu filho dormir.

Severus voltou para a cama, ignorando as lágrimas que caiam do rosto de sua mãe. Se deitando na cama, pediu a Merlin que ele e sua mãe fossem felizes. Para sempre.

FIM