O relógio e a morte escrita por Isabela Bernardino
— Você se esconde muito bem — Disse a voz turva no meio da escuridão — Quase que eu não consegui te pegar — O riso que veio em seguida foi se afastando aos poucos.
Meu corpo estava pesado, eu não conseguia me mexer, parecia não conseguir obedecer a mim mesmo. Havia um enjoo que subia e descia constantemente pela minha garganta, e isso começou a me fazer sentir calafrios.
— Onde eu estou? — Perguntei.
— Você sabe muito bem onde está.
Com muito custo consegui abrir os meus olhos e consegui ver pequenos feixes de luz, que por um momento foram cobertos por uma sombra. Respirei fundo para tentar aliviar o enjoo e levantei a mão, fazendo a tampa de madeira se abrir.
Eu estava dentro de uma caixa de ripas de madeira sem verniz e com muito esforço consegui sair dela. Meu corpo ainda estava pesado e custava a me obedecer, mas mesmo cambaleando consegui me manter em pé. A pessoa que estava falando comigo era uma moça de cabelos volumosos e ondulados em um castanho bem escuro, ela tinha um lindo rosto.
— Agora consegue reconhecer onde você está? — Ela perguntou enquanto cruzava os braços.
Ela estava certa. Eu sabia muito bem onde eu estava: nós dois estávamos na sala de jantar da minha casa, que estava sem móvel algum, com exceção da caixa de madeira de onde eu havia acabado de sair.
— Quem é você? — Perguntei.
— Não importa.
— O que você quer comigo?
— Quero que você veja, Bruno — Ela disse meu nome asperamente — Quero que você veja o que fez.
— Tirei os móveis de casa?
Ela revirou os olhos e se dirigiu para a sala de estar e eu a segui, mesmo com um pouco de dificuldade.
O cômodo seguinte também se encontrava vazio, e a porta estava aberta. Pensei que ela ia sair, mas ao invés disso, a moça parou no meio da sala e virou para mim.
— Você é um gênio, sabia? — Ela torceu um pouco os lábios após dizer isso — Um gênio incompreendido.
Eu tentei reagir mas o enjoo me obrigou a me curvar um pouco.
— O tempo começou a te tirar coisas, e você não queria as coisas novas que ele estava te dando — Ela deu uma pausa antes de continuar — Mas eu te entendo, o que ele te tirou era insubstituível.
— Eu não estou entendendo — Eu disse — O que você quer dizer com isso?
Ela se dirigiu até a porta e eu a segui, do lado de fora da casa onde me deparei com o quintal vazio,
— Hoje seria o dia da sua mudança — Ela disse — Mas você não existe mais.
A minha cabeça começou a doer e eu me vi obrigado a ajoelhar no chão para poder apoiá-la em minhas mãos.
— Onde eu estou? — Grunhi.
— Eu te disse, você sabe onde está — Ela suspirou ao ver que estava repetindo o óbvio — Você só não sabe quando está.
Com dificuldades eu me levantei e comecei a seguir ela para fora do quintal.
— Você não diz nada com nada — Reclamei — O que está acontecendo?
— Se você ainda existisse, hoje você estaria se mudando com a sua esposa Marina para esta casa, e depois de 5 anos, ela morreria em um acidente de carro por sua culpa.
O enjoo voltou com força, eu tentei encontrar uma lixeira mas acabei vomitando na calçada. Eu estava suando frio e tremia por completo, a minha cabeça parecia girar e a minha visão começou a ficar turva.
— Você nunca se perdoou, então foi atrás de um dispositivo que te prometeram resolver o seu problema — Ela continuou — Te avisaram dos riscos.
— Moça…
— Você com a sua ideia louca de voltar no tempo para impedir o acidente da sua esposa foi um completo sucesso — Ela disse com tom de orgulho — Te deram milhões, então os riscos que tanto te avisaram eram apenas lendas, nada demais.
Ainda tremendo, eu olhei para ela e vi que o rosto dela já não era o mesmo de quando a vi na cozinha.
— Você tentou uma vez, mas ela morreu de novo.
— Moça… — Minha voz saiu tão fraca que foi quase um sussurro.
— Na segunda vez, o acidente acabou sendo ainda pior, teve que ser um caixão fechado.
— Por favor…
— Na terceira vez, nada mudou.
— Me diga logo o que eu fiz — Supliquei.
Ela abriu um enorme e bizarro sorriso.
— Você achou que voltar onde ela havia morrido não iria adiantar, conseguiu convencer os investidores e os responsáveis pela máquina do tempo a te levar a cada vez mais no passado — Ela balançou a cabeça, rindo — E você foi voltando cada vez mais, a cada tentativa mexendo ainda mais com o tempo, mexendo com coisas que não deveria mexer, e então eu recebi um chamado e tive que ir atrás de você.
Ela deu apenas um passo firme em minha direção, e o seu rosto mudou novamente.
— Você percebeu e começou a fugir de mim, mas nem mesmo eu fui capaz de te impedir de mexer com o tempo- Ela fez uma pausa — Você se esconde muito bem, Bruno, quase que eu não consegui te pegar — Ela deu uma leve risada — Mas então você deu um leve tropeço, fez um acidente acontecer e eu te achei. Você causou a sua própria morte.
A minha cabeça voltou a girar e a visão ficou turva.
— O que? — A minha voz tremeu.
— Você brincou tanto com o tempo, que acabou tirando o seu próprio.
O único barulho que eu conseguia ouvir era o vento. O rosto de Lydia já havia mudado completamente e os cabelos negros pareciam mais uma touca.
— Quem é você de verdade? — Questionei.
— Eu sou a morte, e eu vim te buscar para você cumprir a sua pena eterna por ter mexido com o tempo — Ela respondeu.
Tudo à minha volta começou a se desfazer, tornando tudo em grande nada.
Eu já não sentia enjoo, calafrios e muito menos o meu corpo pesado. Eu sentia absolutamente nada. Tudo ficou escuro e permaneceu assim.
Eu tinha o tempo do meu lado, e acabei o deixando contra mim. Achava que tinha nada a perder e acabei perdendo a minha própria alma.
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