Hoje eu acordei com uma notícia que era melhor eu continuar dormindo

Achar a foto foi um acidente completo. Eu não estava procurando, não foi de propósito, eu apenas fiquei curioso quando vi o belo envelope vermelho naquela pilha de correspondência. A cor era rica e vibrante, se destacando numa pilha de papeis cor de creme, me atraindo como um farol. Eu não consegui resistir a pegar – eu sabia que não era para mim, mas não pude evitar.

Abri o envelope com cuidado, ele era tão delicado, e fiquei chocado quando vi seu conteúdo. Era uma foto. Uma única foto. Não era o que eu esperava, nem o que eu queria ver. Meu coração disparou, a garganta secou, meus olhos queimaram. Eu não queria chorar, mas não consegui controlar. Porque doeu. Porque ainda dói. Aquela foto machucou o que ainda não tinha sarado.

E no lugar do café, abri uma cerveja pra ver se eu acredito

Eu ignorei o café fresco que me esperava. Ignorei os sanduiches, o bolo, os biscoitos de gengibre, e até a torta de abobora – minha favorita. Abri a geladeira e peguei uma garrafa de cerveja amanteigada. Ao abrir o lacre, eu engoli a metade da cerveja de uma vez, meus olhos nunca deixado a foto que segurava na outra mão. A primeira cerveja terminou rápido, a segunda e terceira também, mas não estava fazendo o efeito que eu desejava.

Eu queria esquecer que vi aquela foto.

Deixando as garrafas para trás, eu fui ao escritório no fim do corredor. Bebidas alcoólicas mais fortes não eram deixadas na cozinha, não desde que a casa começou a encher de crianças, mas eu sabia onde encontrar o que precisava. Na prateleira mais alta, mal escondido sob um feitiço de desilusão, eu encontrei a garrafa de Firewhisky.

O primeiro gole ardeu. Queimou a língua, depois a garganta, e depois todo o caminho até o estomago.  Mas ao dar uma outra olhada na foto, eu bebi de novo. E um gole veio atrás do outro. Nem notei que tinha bebido tudo até não haver um próximo gole.

Mas uma garrafa não foi capaz de apagar a imagem daquela foto – aquela maldita foto!

Nessa foto da sala vazia, vocês dois sorrindo, uma pilha de presente
Ele segurando a chave e você com uma plaquinha escrito: Novo cantinho da gente

A foto, aquela assombrosa foto, era sua. Você estava usando um vestido floral azul, tão bonito em você, seu cabelo estava solto, cheio e indomado – como sempre. Você tinha um sorriso tão grande, os lábios grossos estavam pintados em um rosa suave, eu nunca vi você sorrir assim antes. Não comigo, pelo menos. Foi difícil parar de olhar para você. Mas foi mais difícil parar de olhar para seu companheiro na fotografia. Ele estava atrás de você, com suas roupas mais sofisticadas e mais cuidadas que as suas, seu cabelo ainda estava cheio de gel e ele exibia um pequeno sorriso.

A foto era mágica então você se mexia. Você se inclinava para trás, deixando sua cabeça encostar no ombro dele, e mostrava para câmera uma pequena placa escrito na sua caligrafia bem cuidada: Novo cantinho da gente. E ele, com uma mão, puxava você ainda mais para perto enquanto a outra mão erguia um molho de chaves preso a um chaveiro em forma de Pomo de Ouro.

Eu não conseguia parar de estudar cada canto da foto: havia uma pilha de presentes ao seu redor, ainda fechados a espera de vocês, havia uma mesa de doces e bebidas no canto, havia balões e faixas penduradas na parede de atrás.

Pra quem não dividia o teto antes do casamento, se explica agora

Fez até chá de casa nova, ai, ai

Doeu perceber o significado daquela foto. Você havia me contado, muito tempo atrás, sobre essa tradição trouxa onde faziam uma festa de casa nova. Como se fosse um casamento, vocês receberiam presentes ao se mudarem juntos para uma casa nova. Um dia, eu esperava seguir essa tradição com você. Agora, a prova está em minhas mãos, eu vejo que você seguiu essa tradição com outra pessoa.

Doeu porque você nunca quis fazer isso comigo. Eu queria tanto morar com você, queria que seu rosto fosse a última coisa que eu visse antes de dormir e a primeira coisa que veria ao acordar. Mas você sempre recusava quando eu tocava no assunto. Você dizia que precisávamos casar, ou quebraríamos uma regra do cortejo bruxo – onde uma bruxa não poderia morar com um bruxo sem estar unidos em matrimonio. Eu nunca liguei para as regras de cortejo. Eu não sabia porque você ligava tanto. Você sempre foi independente, sempre fazendo seu próprio caminho, nunca cedendo a regras arcaicas. Mas essa regra boba você quis seguir. Foi porque minha mãe insistia em ser dessa forma? Foi porque meu pai dizia que não daria sua benção se quebrássemos essa regra?  Ou foi por minha causa? Isso foi só uma desculpa para não morar comigo? Você já sabia, a muito tempo, que não era comigo que você queria viver isso?

Porque ele está vivendo isso com você? Porque é com ele que você vai morar? O que ele fez que eu não fiz para merecer acordar ao seu lado todos os dias? Onde eu errei, e ele acertou, para estarmos aqui agora? Enquanto eu ainda moro com minha mãe, bebendo mais do que deveria, ele está com você na nova casa de vocês.

Minha vontade é baixar na sua porta
E jogar pra fora a raiva que eu senti

Eu quero ir até aí, quero bater na sua porta até deixar marcas na madeira, quero que seus vizinhos me escutem e vejam o quanto estou machucado. Quero que você veja o quanto estou machucado. Eu quero exigir que você me explique, que você olhe nos meus olhos e conte quando você notou que eu não era o que você procurava. Você tem as respostas, não é? Você sempre tem as respostas. Para tudo. Eu também quero as respostas. Quero saber porque não fui o suficiente. Quero saber onde errei. O que eu deveria ter feito. Eu também quero saber porque você escolhe ele. O que ele tem de bom? O que ele fez que te enfeitiçou dessa maneira? Porque você parece enfeitiçada. Você parece absurdamente feliz. Você está quebrando suas regras por ele. Você está diferente com ele.

Mas esse sorriso aí eu nunca vi
No fundo, eu tô feliz por você tá feliz

Mas eu não posso fazer isso. Porque, mesmo que meu coração esteja doendo e quebrando, eu vejo como você está feliz. Eu vejo no seu belo sorriso. Vejo o brilho nos seus olhos. Você está brilhando de felicidade. E isso acalma meu coração. Eu não suportaria a ideia que você estivesse sofrendo como eu. Você não merece ficar triste. Você merece a felicidade – e eu vejo que isso envolve ele.

Minha vontade era voltar no tempo

Eu queria ter um vira-tempo. Ou uma máquina do tempo – aqueles filmes trouxas me educaram bem. Eu queria acordar quando estávamos juntos. Eu queria acordar e descobrir que você ainda era minha. Queria ir até você e viver o que estávamos vivendo antes de tudo ruir. Porque éramos felizes, não éramos? Por um tempo, no começo e no meio, éramos bons juntos. Estávamos felizes. A gente se amava, não é? Eu queria ter isso de novo. Queria mais dos seus beijos. Mais do seu carinho. Mais do seu amor. E até mais das suas mãos geladas. Eu queria mais tempo com você.

Se eu pudesse voltar no tempo, eu te levaria mais vezes para jantar. Você ficava encantada quando eu aparecia no seu escritório para leva-la para jantar de surpresa. Eu não lembro porque parei de fazer isso. Você ainda vai naquele pequeno restaurante no Beco Diagonal?

Eu teria levado você para dançar. Eu era péssimo dançando, eu odiava, mas você era perfeita. Você balançava por toda a pista, quase flutuando como uma bela fada, e sua beleza atraia todos os olhares. Eu reconheço que ficava com muito ciúmes desses olhares e fui por isso que parei de leva-la para dançar. Você ainda sai para dançar?

Eu teria dedicado mais tempo para seus hobbys. Eu teria levado você ao mercado de fazendeiro, mesmo odiando acordar cedo e não entendo porque você insistia em comprar verduras em feiras trouxas em vez do mundo bruxo. Teria levado você a passeios em museus, mesmo não entendo as histórias por trás das pinturas trouxas, nem gostando de ver figuras que não se mexiam. Teria me esforçado mais para escutar sobre seus livros, sobre que tipo você leitura você mais gostava, mesmo que eu não gostasse de ler. Teria sido mais atencioso quando você falava sobre suas aulas de culinária, teria até mesmo te acompanhado, em vez de apontar que você ainda não cozinhava como minha mãe.

Mesmo já sabendo que ia ser assim
Sou parte da história de final feliz

Uma vez, num filme, eu vi que não há como mudar o final de uma história. Não há como alterar o passado. Não importa o caminho que você tome, o que faça, ou o quanto tente, uma vez escrito, o final não pode ser alterado. Isso vale para nós? Não importa o que eu tivesse feito, caso voltasse no tempo, você ainda terminaria escolhendo ele? Eu não teria conquistado você de novo? Ou esse é final já escrito?

Eu sou apenas uma parte da sua história, Hermione, e ele é o seu final feliz?

O amor da sua vida é esse cara aí

Eu ouvi Harry e você conversando. Eu cheguei de surpresa na casa dele, vocês não me ouviram, mas quando eu ouvi sua voz, eu me acovardei e me escondi. Não nos falávamos a meses. Você não respondia minhas cartas. Você não vinha mais a toca. Você não aceitava convites onde sabia que eu estaria. Então, quando vi você ali, eu só queria vê-la por alguns minutos. Eu senti sua falta, sabe?

Você estava usando um jeans velho e rasgado, havia manchas de tinta na sua camisa, e por causa da cerveja amanteigada, você tinha um bigode. Você estava linda. Incrivelmente linda. Eu queria ir até você, queria implorar para que você voltasse para mim, queria confessar o quanto sentia sua falta. Mas quando dei meu primeiro passo, eu ouvi você. Você estava contando sobre esse cara com quem você estava saindo a algumas semanas. Como você estava gostando da companhia dele. Como ele era divertido e inteligente. Como ele a fez rir demais, no seu último encontro, que você cuspiu cerveja sobre a mesa toda e isso o fez rir também, e ele engasgou com um pedaço de pão.  Eu não vi graça, não como você, tudo que senti foi inveja. Porque esse cara estava tendo o que eu queria – seus sorrisos, seu tempo, sua atenção.

Eu não sabia quem ele era na hora. Você não disse o nome dele. Eu perguntei a Harry depois, quando você se foi e eu parei de me esconder, quem era e ele também não sabia. Você estava mantendo-o em sigilo. Harry me assegurou que era apenas um relacionamento rápido, não duraria para sempre.  Mas Harry não te conhece como eu. Eu sabia que esse cara tinha algo especial por causa do seu tom de voz – você falava tão apaixonada e enérgica, como só acontecia quando você estava muito interessada em algo.

Eu fiquei obcecado por quem era o cara. Você o manteve em segredo por meses, nunca contou seu nome, nem mesmo para Gina e Harry. Eu sei disso porque perguntava todos os dias. Eles ainda diziam que não era nada sério, mas já não tinham mais certeza. Gina comentou que você estava mais feliz ultimamente. Que havia um brilho em seus olhos. Meu coração doía com a ideia de que esse cara estava lhe conquistando.

Eu tive certeza quando você o trouxe para a festa de aniversário de Teddy. Quando você apareceu na sala, eu só pude observar como você estava bonita, como aquele batom combinava com você. Mas então você olhou para trás e eu o vi. Eu fiquei com raiva. Eu fiquei com muita raiva. Porque ele? Porque tinha que ser ele? Justo ele!

Ele não te merecia, Hermione. Ele foi seu valentão em Hogwarts, ele foi um covarde durante a guerra, ele era um criminoso. Eu sei que você não se importava com o dinheiro dele, e o seu nome valia mais que o dele, então o que você faz com ele? O que você viu nele? O que ele fez que te conquistou? Como ele mudou tanto para você gostar dele?

Eu tive que assistir vocês a tarde inteira. Você não se aproximou, sabia que eu explodiria se me desse uma brecha, mas você não o escondeu. Você segurou na mão dele o tempo inteiro, riu quando ele falava algo, sorriu quando ele lhe trouxe uma bebida. Você o puxou para dançar. Você deixou que ele te abraçasse, que ele colocasse um beijo na sua testa, que ele dissesse algo em seu ouvido que a fez enrubescer. Eu não consegui parar de olhar. Você estava bem ali com ele e meu coração partiu-se.

Você não o escondeu mais. Você era vista frequentemente com ele, em passeios no Beco Diagonal  e Hogsmeade, você o trazia para almoçar com Harry e Gina, você o tornou uma parte permanente na sua vida. E eu assisti ele te conquistar mais e mais, eu vi você se apaixonar por ele, eu vi você começando a ama-lo.

Eu odiava reconhecer que ele era sua outra metade. Mas ele te completava. Ele tirava você da sua concha, fazia você arriscar-se, fazia você explorar. E você aceitava porque sabia que ele te acompanharia todo o caminho, ele não soltaria sua mão, não lhe deixaria cair. Você também o acalmou. Você o fez menos arrogante, menos exibido, mais humano.

Eu sabia que você tinha encontrado alguém para te debates sobre as teorias do universo, sobre alquimia ou sobre como a migração de Quito afetava a fauna e flora de todo o mundo. Alguém que apreciaria seu desejo por aprender cada vez mais sobre tudo. Alguém que iria dançar com você. Alguém que faria você rir tanto que passariam vergonha. Alguém que amaria você da mesma maneira que eu faço.

Era para ser assim, não é? Você estava vivendo seu final feliz com ele. Ele é realmente o seu cara, não é? Ele é o amor da sua vida, Hermione.

E tá doendo aqui

Foi agridoce saber que você estava feliz com ele.

Machucava perceber que eu não tinha mais chances com você. Que eu tinha que abrir mão e deixar você ir. Você já não era mais minha, não é? Você tem ele agora.

Mas aliviava, como um balsamo, saber que ele cuidaria de você. Que ele protegeria você. Que ele incendiaria o mundo por você – eu vi nos olhos dele, quando o encontrei sozinho, que ele mataria e morreria por você.

Mas o amor da sua vida é esse cara aí

Meu coração não suporta, mas o álcool ajuda, então eu finalmente decido parar de esperar. Parar de imaginar que você vai voltar para mim. Me despeço da nossa história. Digo adeus a você.

— Seja muito feliz, Hermione — Eu desejo, passando a mão pelo seu rosto na foto — Que você conquiste tudo que deseja. Que você construa uma vida longa e duradoura com ele. Que ele te ame para sempre. E você, eu odeio muito você, cuide dela. Escute quando ela reclamar sobre alguma legislação, elogie sua comida mesmo que esteja queimada, leve ela para dançar e nunca solte sua mão. E acima de tudo, por favor, a ame para sempre. A ame com todo o seu coração. A ame como eu a amo, por favor.

Eu sussurrei essa última parte para o homem ao seu lado, Hermione. Aquele com quem você decidiu morar junto, com quem você está escrevendo sua história, aquele que você deixou entrar no seu coração.

Eu não me importo de chorar agora. Eu preciso liberar essa dor. Meu coração está partindo-se de novo. Eu até posso ouvir os cacos. O quanto resta dele ainda? Há algo batendo no meu peito ainda? Eu nem percebo que tenho companhia até ser envolvido em um abraço apertado. Gina me segura como nossa mãe costumava fazer quando nos machucávamos. Ela me embala contra o seu peito, afaga meu cabelo, e sussurra promessas que tudo vai ficar bem. Eu acredito nela.

— Ame-a como eu a amo, Draco Malfoy — Eu imploro, num sussurro embriagado, para o homem na fotografia — Ame Hermione como eu amo, por favor.

Eu não olho para a foto quando a solto. Eu não posso mais segurá-la – nem a foto, nem Hermione. Esse é meu adeus.

E tá doendo aqui
Mas o amor da sua vida é esse cara aí