Natal escrita por elda


Capítulo 1
único




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Por conta da minha religião, eu nunca comemorei o Natal, foi o que pensei quando andava de bicicleta a caminho de minha casa e vi uma árvore toda enfeitada através da janela de um lar que desconheço.

Meus amigos da escola sempre reclamavam dessa época do ano, eles falavam muito que não gostavam de encontrar com os seus parentes invasivos, cheios de perguntas idiotas que só os irritavam e eu nunca entendia por que nunca disseram a verdade, tenho certeza que parariam, afinal, eles já são adultos, certo?

Eu não entendo as coisas que envolvem famílias, porque meus parentes estão em outro país e sempre imaginei se um dia todos nós nos reuniríamos pra saber o que cada um faz, eu não me importaria se falassem da escola que abandonei faz pouco tempo ou das namoradinhas quando vejo os garotos cada vez mais atraentes.

Na verdade eu sinto falta disso. Queria um dia comemorar o natal como qualquer um ali da minha vizinhança. Nós meio que nos sentimos excluídos quando todos falam da mesma coisa, pode ser falado de uma forma feliz e com espírito natalino ou reclamando que é só uma data capitalista, no final todos estariam falando de algo que não faria parte.

Eu pensava isso quando fui levar o lixo para fora e encontrei meu vizinho fumando na calçada, com os olhos mirados na lua. Estava fazendo muito frio e também era noite de natal, por que ele estava ali em vez de comemorar algo que minha religião me impedia fazer? Será que fazia parte do grupo que detestava o natal por motivos bestas?

Resolvi me aproximar, ele era loiro e tinha sobrancelhas enroladas. Como eu já disse, o sobrancelhas me era atraente por ser garoto, embora ele mexesse comigo mais que os outros. Pensando agora, a minha religião não me impedia de me envolver com outro rapaz, mas eu morava num país que isso era mal visto. Parecia que em nenhum lugar era perfeito de estar nesse mundo.

— Parece que nenhum lugar é perfeito para mim nesse mundo. — Disse ele ao sentir-me aproximar.

Eu pisquei os olhos. — Está falando comigo?

— Com quem mais seria? Só tem você ao meu lado.

Fiquei tímido ao ouvir isso. — Incomodo?

— Na verdade não, marimo.

Ele disse tragando o cigarro e eu detestei do que ele me chamou. Mas aquele sobrancelhas tinha um olhar desafiador e ao mesmo tempo triste, embora fosse lindo. Não quis arrumar confusão, queria conhecê-lo.

— Não é muito novo para fumar, sobrancelhas? — Não me aguentei, também lhe dei um apelido idiota, até porque era assim que eu o chamava por ainda não conhecer seu nome

— "Sobrancelhas"? — Ele riu. — Não sei o que mais me surpreendeu nessa sua sentença: o apelido nada a ver comigo ou finalmente alguém se importar com os meus tragos.

O sobrancelhas pisou no cigarro e se sentou no meio fio da calçada, eu fiquei ainda parado onde estava porque sempre que lhe observava era de longe, mas agora de perto pude ter certeza de como era bonito. Eu era um adolescente, estava com os hormônios à flor da pele e meu vizinho não ajudava sendo outro adolescente e um tão bonito.

— Ei, vai ficar aí parado? — Ele me acordou dos meus pensamentos e me apressei para me sentar ao lado dele, enquanto pensava que ele também estava interessado por mim. — Qual é o seu nome?

— Zoro. E o seu?

— Sanji, você mora nessa casa? — Ele apontou pra minha casa.

— Sim, somos vizinhos.

— É? Eu nunca te vi antes... — Sanji piscava os olhos sem cessar como se estivesse procurando minha imagem no seu cérebro. — Por que nunca veio falar comigo?

Eu enrubesci. — Não sei...

Sanji me observava com um olhar confuso. — Quantas vezes me viu e não me deu um "olá"? — Eu não estava nada confortável em responder essa pergunta, mas Sanji reclamou do frio antes que respondesse. — Esqueci de trazer minhas luvas... — Ele assoprava ar quente em suas mãos cobrindo a boca no formato de concha.

— Por que não pega umas na sua casa?

Ele riu abafado pela boca estar ainda coberta. — Eu não volto pra lá tão cedo.

— Mas é ceia de natal.

Sanji passou a apoiar a cabeça nos braços e depois molhou os lábios como se estivesse se preparando para falar algo importante. — Marimo, você também não está lá dentro ceando.

Nesse momento pensei se Sanji fosse mais um daqueles que odiavam o natal. No entanto, eu não tinha ideia do motivo. Só naquela conversa, percebi que ele era muito misterioso e não parecia ser do seu feitio odiar o natal porque era uma coisa pagã nada a ver com Jesus Cristo ou porque era mais uma data capitalista que nos estimulava a comprar mais e mais. Até cheguei a pensar se alguém importante havia morrido perto da data, mas ele me parecia muito resolvido com as coisas.

— Eu sou japonês, minha religião não precisa necessariamente comemorar o natal.

— Mas você quer, né?

Abri os olhos por ele ter acertado em cheio na primeira dedução. — E você não, certo?

Ele soltou um suspiro. — Na verdade, o que mais queria era estar numa casa lotada de pessoas que não nos víamos há meses e até há anos, pedir pra minha tia servir o peru próximo a ela enquanto lhe passasse o prato, ver o quanto a caçula da família cresceu e na hora da sobremesa esperar meu tio fazer a piada do pavê.

Eu dei um risinho com o pavê. — Por que está aqui fora?

— Porque como acontece com sua família, a minha não comemora o natal... e faz um bom tempo...

— Há algum motivo?

— Meu pai é uma pessoa ruim.

Sanji tinha as mãos congeladas dentro do bolso para aquecê-las, mas as tirou para abrir o zíper do casaco e depois puxar as mangas do suéter que havia por baixo.

— Ele me bate.

Não falei ainda nada sobre isso, mas ouvia brigas e gritos da casa dele. Instintivamente, alisei os hematomas sobre a pele alva e nossos olhos passaram a se encontrar. — Feliz natal.

Foi o que passou na minha cabeça, sentado ali no meio fio da calçada com o ar gelado e a lua pendida no céu. Ao meu lado estava um garoto realmente bonito.

Sanji deu um sorriso que esquentou minhas bochechas e resolveu me beijar.

Minha mente ficou a mil, perguntando-se se ele não tinha medo de me afastar e achar nojento ou de lhe dar uma porrada, mas como eu já disse, Sanji era uma pessoa resolvida e aposto que nunca ficaria mal com uma suposta recusa minha, sem falar que era atrevido o suficiente para beijar um desconhecido, assim como os seus olhos me passaram ao encará-lo tão de perto.

Eu respondi, porque até parecia um beijo sob um visco.


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