Margaery Tyrell: A Rosa Dourada de Highgarden 🌹 escrita por Pedroofthrones


CapĂ­tulo 27
De Volta a Winterfell




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Sansa acordou com o toque de Wylla em seu ombro, que fazia uma leve pressão na região com a palma. Abriu os olhos, preguiçosamente, sentindo-os pesados. Estava deitada sobre o colchão de palha de seu quarto. Estava desconfortável, graças às argolas em seus pulso, calcanhares e pescoço. Um travesseiro de penas estava sob sua cabeça, para tentar dar algum conforto em sua cabeça — infelizmente, não estava surtindo efeito. Era difícil dormir naquele estado, ainda mais que não podia nem tomar um banho decente.

— Lady Sansa — disse Wylla, enquanto Sansa tentava fitar ela com um olhar —, o arquimeistre da rainha quer vê-la.

Ouvir aquilo a deixou mais alerta. Ela abriu mais os olhos. Sentia que estavam cheios de areia. Um pedaço de remela estava grudada no canto de um deles, dificultando a abertura. Levou uma mão para o canto do olho, sentindo que a argola que prendia seu pulso pesava como chumbo, dificultando seus movimentos. Cutucou a área com remela e retirou a crosta do olho com a ponta do dedo. Piscou um pouco e voltou a olhar para a sua aia.

— Me ajudem a me levantar — ordenou, tentando se levantar, fazendo a palha sob o seu corpo se contorcer sob seu peso.

Wylla e Hoster ajudaram Sansa a se levantar com cuidado. Wynafryd deu-lhe uma taça com água e limão para que ela limpasse a garganta e acordasse. Barbara puxou uma cadeira para que ela se sentasse, botando uma almofada para ela sentar-se de forma confortável. Wylla pegou uma chaleira de bronze que estava na lareira e derramou o conteúdo que havia nela em uma bacia com pétalas de rosa do inverno.

Sansa gostaria de receber o arquimeistre de pé, de cabeça erguida, mas estava se sentindo muito cansada e dolorida para ser orgulhosa assim. Recostou-se na cadeira, descansando as costas e tentando relaxar. Barbara e Wylla pegaram alguns lenços e os molharam na água da bacia. Usaram os panos molhados para limpar o rosto de Sansa. Ela estava há dias sem trocar de roupa, seu lindo vestido branco com brocado prateado estava sujo, amarrotado, desconfortável. Não conseguiria tirá-lo sem rasgar e, caso o fizesse, ela não teria como vestir outro depois, e ela não poderia simplesmente ficar nua.

Quando Sansa sentiu que seu rosto estava limpo, ela acenou com a cabeça e deu a ordem de que poderiam abrir a porta. Quando Bárbara fez o que ela mandou, Marwyn entrou, com uma expressão bruta e zangada. Claramente desgostoso com a demora.

— Finalmente — ele disse, rudemente. Seus dentes e lábios estavam vermelhos, seu queixo se movia, mascando folhamarga. — Me fez esperar tanto, mas nem está assim tão arrumada.

Sansa tentou conter a irritação com o comentário daquele rude homem.

— Faço o que posso — rebateu — dada a minha atual situação.

O homem de cabeça pequena e feia ignorou o que ela disse.

— Trago notícias.

Sansa respirou fundo, se preparando para o pior.

— Bem, então diga-me.

Ao invés de falar logo algo, o homem virou a cabeça e fez um aceno aos guardas imaculados que o acompanhavam, falando algo que Sansa não entendeu pois era de um dialeto era de uma língua que ela não conhecia, parecido com o valiriano.

Os guardas se moveram, indo em direção a Sansa, que ficou assustada com eles. Hos tentou ir contra eles, mas ela o parou com um gesto da mão.

— Levante-se — ordenou Marwyn.

Com dificuldade, segurando nos braços da cadeira, com os pulsos doloridos e os calcanhares gritando de dor com o peso de seu corpo. Wylla a ajudou, segurando seu braço. Hos pareceu tentar ir até ela, mas Bárbara o impediu, tocando em seu ombro e balançando a cabeça. Os guardas se aproximaram quando ela se afastou da cadeira. Sansa fechou os olhos quando viu um deles erguer a mão, levando-a até o seu pescoço…

E então, sentiu uma leve pressão contra o seu pescoço, e ouviu um “clack” e a argola em seu pescoço se abriu, caiu e ficou pendendo no ar, dependurada pela corrente de elos dourados. Sansa abriu os olhos, surpresa, e levou uma mão até o pescoço de forma instintiva. Sentiu respirar de novo, sugando ar pelos pulmões como se não respirasse há tempos. O sangue correu livre pelo seu pescoço, passando pelas veias, fazendo-a senti-lo formigar e arder. Alisou a garganta.

Um dos imaculados soltou seus pulsos e o outro se agachou e soltou os seus calcanhares. Seus membros soltos pareceram arder, doloridos, e ela soltou um gemido de dor, desconfortável. Sentou-se novamente na cadeira de seu quarto, dolorida. Mexeu um pouco a cabeça e sentiu seu pescoço estalar. Alisou a parte de trás do pescoço, onde sentia a ponta de sua espinha arder. Flexionou os dedos da mão, os fechando e depois abrindo, sentindo-os rígidos e doloridos.

Sansa olhou para Marwyn, surpresa.

— Obrigada — disse, de forma dura. — Mas o que significa isso?

Em silêncio, o arquimeistre foi até ela e lhe entregou uma carta, tirando-a de um bolso escondido em sua manga. Ela não pode não notar a cor da cera do lacre quebrado: prateada. A cor dos Stark. A letra, entretanto, não era a de seu irmão.

— O que diz? — perguntou Wylla, curiosa demais para manter a compostura e se segurar.

— Xiu! — censurou Wynafryd.

Quando Sansa leu, a indignação tomou conta dela. Leu e releu. Ainda era difícil acreditar nas palavras escritas em tinta negra.Deixando o papel de lado, amassando-o, olhou para Marwyn.

— Que pantomima rídicula é esta? — indagou, sentindo a fúria tomar conta de seu peito. — Isto não pode ser sério! Meu irmão irá casar-se com Daenerys? 

Os outros jovens no quarto se entreolharam, chocados com a palavra da Lady.

— Que disparate! — exclamou Wylla.

— Quieta, Wylla — mandou Wynafryd, sua irmã mais velha.

Sansa respirou fundo, tentando se acalmar, esperando a resposta do arquimeistre e ignorando a falta de postura de sua aia.

— É a verdade — garantiu o homem com várias correntes no pescoço. — Eu a libertei, como foi-me ordenado na carta. Minha rainha e seu irmão logo estarão aqui, devo preparar tudo para eles e para a viagem ao tridente, como fui ordenado.

— Devo ficar aqui e não fazer nada? — questionou ela, irritada. — Eu sou a lady de Winterfell!

Ele deu um dar de ombros.

— A carta só dizia para eu a libertar e cuidar do castelo — respondeu. — Não fala mais nada sobre você. Trate de não causar-me problemas, e espere por eles. — O homem saiu, junto dos imaculados e fechou a porta atrás deles. A corrente que outrora prendia Sansa continuou no chão, esquecida.

— Livre-se desta coisa maldita! — ordenou, irritada, para ninguém em específico. Hos pegou as correntes e as ergueu.

— Onde as coloco? — perguntou o jovem Blackwood.

— Existem sete infernos — ela respondeu, rispidamente —, qualquer um servirá.

O garoto enrubesceu com as duras palavras, fazendo-a sentir-se mal por ter sido rude com ele.

— Aqui! — disse Wylla, abrindo uma janela do quarto. Hos foi até ela e defenestrou a corrente dourada, um leve barulho de chocalho foi ouvido e ela sumiu da vista de Sansa, caindo na neve fofa.

Sansa deu um sorriso cansado.

— Obrigado, Hos — agradeceu. — Lamento pela minha reação.

O rapaz deu um sorriso afável, mostrando que entendia.

— Que dizia a carta? — indagou Wylla, fechando a janela de cristal. — É verdade que Jon se aliou a Daenerys?

A Stark tentou nĂŁo se irritar novamente. Sabia que aquela possibilidade poderia acontecer, mas nĂŁo quisera acreditar que aquilo iria acontecer. Entretanto, era real, seu irmĂŁo estava para casar com a filha do rei louco, o mesmo homem que o pai deles foi para a guerra tentando destronar seu terrĂ­vel reinado apĂłs a morte injusta de seu pai e de seu irmĂŁo mais velho.

Sansa acreditou que após aquela estrangeira maldita ter matado alguns dos lordes e ladies do Norte, qualquer possibilidade de aliança com a Targaryen seria algo impossível de acontecer, algo impensável para qualquer um; todavia, estava errada.

— É verdade — disse, amassando mais o papel em sua mão. Virou-se para Bárbara e lhe entregou o papel. — põem isto no fogo.

A dama de companhia assentiu e fez o que era mandado, pegando o papel e o jogando na lareira.

— Como ele pode fazer isso? — questionou Wylla, incrédula. — Como pode se aliar aquela… aquela monstra. — a jovem começou a piscar os olhos conforme eles se enchiam de água. Daenerys havia matado seu tio.

Devo confiar em Jon, pensou, enquanto olhava para o papel se contorcer e enegrecer, sumindo conforme as chamas o consumiam. Devo confiar em meu irmão.

— Meu irmão é Rei do Norte por um motivo — disse Sansa, talvez tentando se convencer daquilo. — Ele é o melhor para o Norte. Devemos confiar em suas decisões. Se ele acredita que uma união com a rainha dragão é o melhor para salvar o reino, dever-lhe-emos um voto de confiança.

Apesar de tentar acalmar a jovem, suas palavras em nada pararam as lágrimas da pobre Wylla, que quebrou e começou a chorar. Hos foi até ela e a abraçou, ela agarrou as mangas do gibão preto com rendas vermelhas que o rapaz usava, apertando com as suas mãos, como se quisesse cravar as unhas em seu braço. O garoto acariciou as suas costas, tentando acalmá-la.

— Calma, Wylla, calma… — Hos dizia. — Chega de lágrimas, por favor. — ele colocou uma mão no queixo dela para fazê-la erguer a cabeça e lambeu as lágrimas dela, como se fosse íntimo dela.

Wynafryd foi até a irmã mais nova e a afastou do rapaz, colocando as mãos nos ombros da jovem chorosa, como se não gostasse da proximidade deles. A jovem olhou feio para Hos, que se encolheu com o olhar dela, enrubescendo-se, como se tivesse feito algo ruim.

— Wynafryd — ordenou Sansa —, leve-a até o arquimeistre. Peça-lhe um pouco de sono doce. Junte-o no leite, e deixe-a dormir em algum quarto. Fique com ela.

A jovem assentiu e levou a irmĂŁ mais nova para fora do cĂ´modo. Quando elas se foram, Sansa virou-se para Hos e disse:

— Venha cá, Hos — pediu. Quando o enorme garoto veio e ajoelhou ao seu lado, ela indagou: — Gosta de Wylla, não é?

O jovem corou novamente, abaixando os olhos, dando um sorriso tĂ­mido.

— Bastante, Vossa Graça — ele disse, tratando-a pelo título antigo.

Sansa sorriu.

— Bom, ela parece gostar de você — disse. — Dependendo do que for acontecer, posso casá-los. Afinal, estou a cargo de encontrar uma boa esposa para minhas aias e meu copeiro, e vocês têm sobrenomes fortes para uma boa união marital.

O rapaz a olhou, um brilho de felicidade resplandeceu em seus olhos e em seu sorriso.

— Sério, Vossa Graça? Oh, eu prometo ser um bom marido para Wylla, posso até mudar-me para Porto Branco, caso ela não queira deixar a casa dela.

A rainha destronada assentiu, sorrindo. Sabia que eles seriam um bom par — um garoto calmo e leitor, que preferia palavras a espadas, dificilmente seria visto como um marido ideal para uma dama, afinal, alguns pais iriam preferir tais características em suas filhas, e não em seus filhos. Lembrava-se de que Lorde Blackwood havia pedido que Jon treinasse mais seu filho, pois temia que ele preferisse livros. De fato, Hoster seria melhor como meistre do que guerreiro, e Sansa poderia dizer isso ao seu pai, mas como ele havia demonstrado sentimentos pela jovem Wylla, seu pai poderia ficar feliz com seu filho ter um bom casamento — sem dúvida, quando Wylla tivesse filhos, Lorde Tytos poderia ficar feliz em ter um filho “viril”.

— Hos — disse Sansa —, quero que veja se os servos do norte foram libertados. Mande que tragam minha banheira de bronze e um caldeirão com água quente. Quero me limpar logo. — Continuou: — E vá até as cozinhas, veja se tem algo para mim, e para você.

O rapaz de altas pernas se levantou e fez uma reverĂŞncia.

— Sim, Vossa Graça — e foi fazer o que lhe foi mandado.

Sansa se levantou da cadeira. Seu corpo estava menos dolorido, mas ainda fraco e machucado. Seus dedos ainda estavam com os nós doendo. Virou-se para Bárbara Bracken:

— Pegue o meu roupão, Bárbara — disse, desamarrando o vestido que envergava, com certa dificuldade, por causa da rígidez dos dedos.

A Dama de Companhia assentiu e pegou o roupão no cabide, deixando-o na cama de Sansa, e foi ajudar a sua ama com as fitas do vestido. Quando o desamarraram, Bárbara o pegou e enrolou em seus braços, jogando-o de qualquer jeito na cadeira onde Sansa havia se sentado.

Sansa cobriu a nudez do corpo com um roupão prateado, dando um laço forte na cintura com o cinto prateado. Enquanto a banheira não chegava, ela deitou-se na cama, querendo relaxar o corpo depois de tanto tempo. Seus pulsos e calcanhares pareciam respirar de novo, sem o peso cortando a corrente de sangue deles. Seu pescoço também estava melhor. Para ajudar, tijolos aquecidos foram colocados embaixo de seus pés, e um novo braseiro cheio de carvão em brasas foi colocado sob seu colchão de palha ainda fresca. Pousou a cabeça em travesseiro de penas, descansando e sentindo o pescoço ficar menos tenso. Fechou os olhos pesados e cansados. Durante os últimos tempos tinha tido grande dificuldade em dormir, ou para manter o sono. Volta e meia acordava com dores e demorava para dormir — e, quando dormia, acordava no meio do sono, com dores e desconforto, causados pelas argolas da corrente que a prendiam.

Agora, entretanto, estava finalmente livre — bem, em partes, visto que sua vida ainda era um caos sem sentido em que ela não podia botar ordem, mas, tirando este mero detalhe, estava se sentindo bem melhor…

Provavelmente acabou por cochilar, pois ouviu Bárbara chamar seu nome. Um cheiro doce de noz-moscada e percebeu que a moça havia acendido as velas vindas do Vale, pois o clima estava muito escuro por causa do inverno, por mais que ainda fosse de dia.

— A banheira está quase pronta, milady — disse a filha de Lorde Bracken. A banheira de bronze foi colocada perto da lareira. Dois caldeirões cheios de água foram trazidos das cozinhas e colocados por cima das chamas, aquecendo o líquido. Havia apenas o jovem Hos pegando um dos caldeirões e despejando o conteúdo na banheira. Wynafryd estava de volta aos aposentos, junto de uma mulher alta e magra, parecida com Arya. Reconheceu ela como Lady Alys.

Sansa levantou-se, erguendo o dorso do colchão de palha. Seus cabelos castanho-avermelhados estavam um pouco bagunçados. Hos saiu do quarto, indo pegar mais água

— Olá, lady Alys — saudou Sansa. — Bom vê-la novamente, fora de sua prisão.

A jovem Karstark assentiu.

— Bom revê-la novamente, Lady Sansa — respondeu Alys. — É verdade o que o Blackwood me disse? Vosso irmão casou-se com a tirana?

Sansa assentiu, a contragosto.

— Vai casar-se — corrigiu. — Infelizmente, este é um preço para a paz.

— “Paz” — Alys repetiu a palavra com desdém. — Meu irmão foi morto, decapitado, pelas ordens daquele rainha-bruxa. Lorde Tallhart, Manderly e as Ladies Maege Mormont e Barbrey Dustin. — lembrou-lhe, e concluiu: — Existe muito sangue entre as casas do Norte e a usurpadora. E já havia desde que o pai dela matou o pai e o irmão de seu pai. E quando Rhaegar capturou a irmã. Eu conheço seu irmão, ele salvou-me de meu tio e me deu um bom marido, então não creio que ele seja tão inocente a ponto de acreditar que será tão fácil assim acalmar o Norte.

Sansa sabia que as palavras da moça tinham sentido. O Norte detestava Daenerys, sempre detestaria. Era como pedir para ela perdoar Cersei e Joffrey depois de tudo que fizeram a ela e a sua casa. Na verdade, mais fácil seria se aliarem a Aegon contra ela, mas os deuses não os ajudaram nesta questão. Se estivesse solteira, e ele também, poderia tentar uma aliança de matrimônio com ele. Mas o — suposto — filho de Rhaegar já havia arrumado uma nova esposa, e Sansa estava comprometida de qualquer forma.

Pensar em seu matrimônio a fez se perguntar como estavam as coisas no tridente. Esperava que seus tios estivessem ajudando Harry — ela sentia que ele tinha pouca aptidão para governar, mas graças aos deuses ele estava longe de demonstrar qualquer sinal de tirania, pelo menos assim ela acreditava. De qualquer forma, sabia que seus tios e os bons lordes do Vale, em especial o honroso Lorde Yohn Royce, iriam tratar de tonar as melhores decisões para o seu marido.

— Devemos confiar em meu irmã, Lady Alys — disse Sansa. — É tudo o que podemos fazer agora.

A mulher assentiu. Parecia cansada, tal qual Sansa, com sombras grandes sob os olhos cinzas. Sua trança estava mal feita, com fios soltos e sem fitas ou pingentes para prendê-los de forma decente. Ao ver aquilo, Sansa se virou para Bárbara.

— Pegue uma de minhas fitas para prender o cabelo de Lady Alys, por favor. Aquela com pérolas — pediu. Depois, virou-se para Wynafryd. — Como está sua irmã?

— Dormindo, Milady — respondeu a jovem. — Está muito abalada, mas agora está bem. Vou voltar para ela assim que terminar por aqui, ver se ela já está acordada.

Sansa assentiu. Tal qual a morte do irmão de Alys Karstark a fez Lady de Karhold, Wynafryd era agora Lady Porto Branco. De fato, havia muitas ladies dominantes do Norte agora. Nem sabia quem era o herdeiro de Lady Barbrey Dustin — se é que ela tinha em mente algum —, agora que ela estava morta, talvez nem tivesse alguém com sobrenome Dustin para herdar as terras de Vila Acidentada — Pelos deuses, nem sabia se quem estava a cargo da Ilha dos Ursos sequer estava ciente da morte de Maege.

Na verdade, não tinha total conhecimento sobre o caos que estava no Norte, pelo menos não desde que fora presa. Só podia torcer para que os reinos ao sul do Gargalo estivessem em melhor condição.

Hos pegou o segundo caldeirão, com cuidado para não se queimar, e verteu o conteúdo na banheira. Fumaça saia da água quente e borbulhante. Wynafryd colocava pétalas de rosa de inverno e lavanda na água escaldante. Bárbara terminava de ajudar Lady Alys a amarrar sua trança, enquanto esta olhava seu próprio reflexo em um espelho de prata bem martelada e polida.

— Onde estão os servos? — indagou Sansa, vendo que ninguém estava lá para lhe ajudar além de suas aias e seus copeiros. Nenhum servo veio ajudar Hos ou ver se lhe faltava algo.

— Não os libertaram, Vossa Graça. Libertaram apenas Lady Alys quando ela jurou se comportar — explicou Hos, indo levar o caldeirão para as cozinhas. — Eu pude apenas pegar dois caldeirões que eu achei.

A jovem Stark franziu o cenho.

— Isto é um absurdo! — ralhou Sansa, levantando-se na cama, ainda sentindo-se cansada. — Devo ir até quele bruto arquimeistre e falar em defesa dos servos e ladies! É um absurdo estarem presos até agora!

— Espere pelo menos tomar seu banho, Milady, por favor — pediu Lady Wynadryd.

Sansa suspirou, assentindo.

— Está bem — aquiesceu.

Hoster terminou de despejar o conteúdo do caldeirão e pegou o atiçador da lareia — cuja ponta estava vermelha e incandescente —, e afundou a pobna na água quente, que um "shiii..." ao entrar em contato com o conteúdo da banheira. Descansou o atiçador ao lado da lareira e colocou uma chaleira de bronze cheia de água na lareira e saiu do cômodo, para não ver Sansa descobrir o corpo, e para pegar comida para ela. Quando o rapaz saiu, ela desamarrou o roupão de veludo prateado e o retirou, ficando nua. As damas de companhia as ajudaram a entrar na alta banheira. Colocou uma perna e depois a outra, sentindo a água escaldando queimando-as, mas fez o que pode para não demonstrar dor. Se agachou na banheira, levemente, deixando a água quente inundar seu corpo tenso e cansado. Sentiu seus músculos ficarem moles e leves, como se flutuasse.

Suas servas pegaram sabonetes e escovas ásperas e esfregaram sua pele rosada até ficar vermelha. A água chegou a ficar turva conforme a sujeira era expulsa de seu corpo. Seus ombros ficaram em carne viva conforme os esfregavam com as escovas, retirando as crostas de sujeiras que haviam neles. Sansa fez uma expressão leve de dor por causa da força que as damas de companhia faziam para lhe esfregar.

Quando terminou de se banhar, saiu da banheira e Wynafryd a ajudou a se secar com uma toalha. Enquanto retirava a água quente do corpo, ouviu uma batida na porta.

— Lady Sansa — falou Hos, atrás da porta —, é o arquimeistre Marwyn, ele quer falar contigo.

Sansa fez um som exasperado.

— Espere um pouco — disse, enquanto Bárbara lhe levava o roupão de veludo. Sansa passou um braço e depois o outro pelas mangas. Quando deu um nó forte no cinto, disse: — Pode entrar.

Hos abriu a porta e Marwyn entrou nos seus aposentos dela.

— Preciso de sua ajuda — ele disse, sem modos, para variar. — Seus servos não nos obedecem. Não tenho confiança neles. Entretanto, seu irmão e minha rainha insistiu que deveria libertá-los. E preciso deles para preparar o castelo e servir os reis quando estes chegarem.

Sansa deu um leve sorriso. Era bom saber que seu povo ainda era fiel.

— Bem, você me disse para ficar aqui e eu fiquei — retrucou. — Tal qual minhas aias e meu copeiro.

— Eu sei, mas…

— Se você não pode cuidar deste castelo — Sansa disse, num tom incisivo —, não deveria ter este poder em suas mãos. Deixe-me voltar ao comando como lady de Winterfell, liberte meu meistre, afaste os seus lacaios estrangeiros e liberte o povo nortenho, e posso ajudá-lo com tal fardo.

O homem grunhiu, como um animal selvagem. Um fio de saliva vermelha escorreu pelo canto do queixo dele, que tremia de raiva, como um cachorro rosnando.

— Não — ele respondeu, inflexível quanto a sua posição. — A Rainha me colocou no comando até ela voltar. Devo cumprir suas ordens. E você irá me ajudar; vai até as celas e vai ordenar os seus servos a me ajudar! Senão… — Ele deixou a ameaça no ar.

Sansa o olhou nos olhos. Eram olhos duros e pequenos. Um olhar feio, em um rosto feio, de um homem feio. Ela manteve o olhar firme, nĂŁo o desviando.

Sansa havia aprendido há muito tempo que devia ficar calada com pessoas de maior poder. Joffrey, Cersei, Lysa, Daenerys, até mesmo com Petyr… Mas Marwyn não era como eles. Ele era um homem que atuava como regente de Daenerys, mas não tinha o mesmo pulso firme que ela, pelo menos não o bastante para fazer algum mal a Sansa.

— “Senão” o que? — ela indagou. — Eu sou a irmã de Jon Stark. Faça algo contra mim, e meu irmão, junto de todo o Norte, vai procurar vingança. Nem mesmo Daenerys poderia defendê-lo.

O homem tentou manter a expressão séria e ameaçadora, mas não conseguiu. A expressão furiosa logo deu lugar a uma expressão de quase desespero.

— Precisa me ajudar — ele insistiu, tentando manter a seriedade na voz, mas falhou.

— Boa sorte, arquimeistre — ela disse. — Sugiro que seja rápido, o caminho daqui até a muralha não é longo. — Continuou: — Estou cansada, preciso me lavar agora. Ah, e seja gentil com os servos, sim? Sugiro retirá-los das celas negras e realocar-lhes para as celas superiores; são para os de alto nascimento, mas acho que Jon vai ficar menos irritado do que se os visse enclausurados em prisões escuras, apertadas e sujas.

O queixo quadrado de Marwyn tremeu de indignação, mas saiu, furioso. A bengala de aço valiriano fazia “tap, tap” conforme ele a batia no chão, como se fosse um velho com a sua bengala. Hoster fechou a porta atrás dele.

— Que homenzinho petulante aquele — disse Hos após fechar a porta. Sansa deu um sorriso ao ouvir o comentário.

— Bem, ele agora sabe o lugar dele — disse Sansa. — Não vai mais ficar me aporrinhando. Agora, por favor, vá buscar um pouco de comida para mim, Hos?

O rapaz assentiu e saiu do quarto, indo fazer o que lhe era pedido. Quando ele saiu, as aias de Sansa ajudaram-na a se vestir. Wynafryd botou-a numa camisa de linho pela sua cabeça. Sansa colocou um vestido de veludo azul com renda de prata. As empregadas a ajudaram a amarrar o vestido.

— Nossa — exclamou Sansa —, como é bom poder colocar outra roupa. E poder tomar um banho. — Não sabia como Arya podia não ter a mesma sensação.

Espero que ela esteja bem, rezou. E meus tios também.

Wynafryd fez uma referĂŞncia.

— Vou ver minha irmã, com a vossa licença — pediu. Sansa assentiu e a jovem foi embora.

Hos trouxe seu prato — deve ter sido difícil conseguir comida na cozinha, com tantos estrangeiros sem entender o que ele dizia para eles — e o deixou na mesa para ela. Ele colocou os talheres em cada lado do prato, pegou uma jarra de água e encheu uma taça, pousou a jarra e puxou uma cadeira para Sansa poder se sentar. Deu tapas numa almofada, como se para tirar qualquer vestígio de poeira.

O prato era de madeira, simples, mas bonito, pintado de vermelho. A comida era alho poró com migau de aveia. Não tinham muito, visto que ela mandara que a maior parte da comida fosse distribuída para o povo — povo esse que constantemente estava em frente às muralhas de Winterfell, clamando pelo seu nome. Perguntou-se se aqueles libertados por Daenerys tinham o mesmo amor por ela, afinal, ela os libertou de tiranos. Pensar naquilo a fez se questionar se a mulher era assim tão monstruosa como achava que era…

Não importa, disse a si mesma, ela ainda é a assassina daqueles que lutaram pela minha causa. Eu a odeio, tal qual odeio Joffrey e Cersei.

Pensar na antiga rainha deposta a deixou desgostosa. Como aquela mulher horrĂ­vel ainda poderia estar viva apĂłs tantas atrocidades, quando quase todos os familiares e aliados de Sansa estavam mortos? Aquilo nĂŁo era justo!

Entretanto, ela sabia que não adiantaria remoer-se. Deveria guardar suas forças para o futuro. Devia aguardar a rainha dragão e seu meio-irmão.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Daenerys e Jon aterrissaram na neve fofa. A cobertura branca e fria pareceu guinchar e derreteu quando Drogon desceu sobre ela, afundando no solo, criando uma poça profunda de água escaldante, que borbulhava e soltava fumaça. Havia um enorme lago perto de onde estavam, inteiramente congelado e quase totalmente coberto de neve. Se não tivesse visto lá de cima, poderia ter pousado errado e Drogon teria quebrado a camada de gelo. Haviam árvores de Pau Ferro cobrindo a área, cujas as folhas estavam todas cobertas de neve, outras estavam totalmente congeladas, cristalizadas, como se banhadas em ambâr endurecido. Um lobo uivou a distância.

Dany desceu da sela. Jon também, com certa dificuldade. Para andar no gelo, Daenerys e o Rei do Norte usavam botas especiais, com espinhos na sola, que quebravam o gelo sob os pés e firmavam a sola no chão. Dany deu tapinhas no longo e negro pescoço de seu filho, dizendo a palavra “voar” em valiriano.

Rápido em entender — e provavelmente esfomeado —, seu filho bateu as asas coriáceas translúcidas e vermelhas, iniciando voo e sumindo no céu escuro.

Jon pegou alguns galhos que haviam ali e juntou em um círculo. Bateu duas pedras de sílex, criando faíscas e fazendo os galhos secos e mortos pegarem fogo e soltar fumaça acre. Dany se sentou no tronco ao lado dele, retirando as manoplas de aço e luvas de couro com enchimento de pele de carneiro, mostrando as palmas para as chamas, absorvendo seu calor que exalavam.

Apesar do frio, o Stark usava um simples gibão cinza com renda preta, que estava coberto de neve por causa da viagem, sem se importar com o gelo que cobria até seus cabelos — ele usava uma capa preta com capuz forrada de pele de urso negro, mas não cobria a cabeça. Sua coroa estava presa bronze e ferro estava amarrada em sua cintura. O fogo tampouco lhe importava, pois o calor que emanava do corpo de Drogon, que era capaz de queimar pele com o mais simples toque, parecia causar-lhe qualquer incômodo. Nem mesmo Dany — que era do sangue do dragão puro — tinha tamanha resistência a temperaturas altas.

— sabe que lugar é este? 

Jon olhou em volta, analisando a área com os olhos desiguais.

— Lago Longo — ele disse. — Fica a Nordeste de Winterfell, e é a fonte de água do rio Faca Branca, o rio mais importante do Norte, e deságua na Dentada. — ele pegou um galho e o usou para remexer na lenha, aumentando o fogo. Um galho crepitou, quebrando-se, e cuspindo faíscas laranjas.

Dany havia enviado três corvos da Muralha para Porto Branco — enviou mais de um, como garantia, caso algumas das aves morresse no meio do caminho , dizendo para os homens de ferro deixarem o castelo e irem até ela.

— Estamos longe de Winterfell? — ela indagou.

— Uns três ou quatro dias, se continuarmos nesta velocidade.

Pensar em chegar ao castelo dos Stark dava um nó no estômago de Dany. Ela ainda se enjoava ao lembrar da carnificina que Drogon causara lá, não tinha dúvida de que os nortenhos que sobreviveram e viram aquilo também se lembravam.

NĂŁo importava, ela fez o que achava certo. Aquilo era guerra, e coisas ruins eram feitas na guerra. Ela nĂŁo era melhor ou pior do que qualquer lorde na guerra.

— O que faremos quando chegarmos lá? — perguntou, sabendo que era uma pergunta idiota.

Jon pareceu nĂŁo se importar e respondeu mesmo assim:

— Vamos arrumar Winterfell, e preparar as coisas para viagem — disse. — Não gosto da ideia de largar minha casa novamente, depois de tanto tempo lutando para reconquistá-la, mas será melhor assim.

Dany notou que ele evitou falar do principal motivo para ela ter feito a pergunta: Sansa.

A neve caia em peso no chão. O céu era cinza e escuro, sem qualquer sinal do sol. Um vento frio soprava, diminuindo a pequena fogueira que Jon montou, quase a extinguindo. O Stark legitimado olhou para ela e perguntou se ela tinha fome e Dany negou com a cabeça. Tinha consigo uma bolsa de couro com carne seca e alguns legumes — já congelados pelo vento, mas se quisesse poderia usar a pequena fogueira para descongelar —, mas estava sem nenhum apetite. Jon também quase não havia comido nada, apenas quando ela insistiu para que ele o fizesse.

Suspirando, ela olhou a neve cair, esperando Drogon voltar. Na realidade, não tinha pressa alguma para voltar para o Winterfell e enfrentar Sansa Stark e sua arrogância novamente.

— Lamento que minha irmã tenha matado vosso amante — disse Jon, conforme o mundo ia escurecendo. Ela ouviu um rugido distante de Drogon. — E sor Barristan.

Dany tentou fingir não se importar,  mas era difícil. Daario fora o homem que lhe dera prazer, e Sor Barristan havia sido um de seus mais fiéis defendores. E agora, eles se foram, e eles nem esteve com eles.

— Espero que não planeje nada contra ela — ele disse, mexendo no fogo que parecia brilhar mais conforme a escuridão tomava conta de tudo. — Afinal, aquilo foi guerra.

Dany tinha todos os motivos para querer matar a irmã daquele rapaz, até mais do que tinha para matar Sansa, todavia, sabia que seria hipócrita de sua parte, dado o que a própria fez em Winterfell — além de que isso minaria qualquer chance de aliança com o Norte.

Teria de aceitar que não haveria justiça contra a morte de Daario e Sor Barristan, assim como muitos lordes teriam de aceitar que não obteriam justiça em nome dos lordes e ladies que Dany matou no Norte.

— Não farei nada contra ela — garantiu Dany. — Tem a minha palavra.

Jon levantou o galho que usava para cutucar o fogo. A ponta estava em brasas, e a luz tremeluzente refletia no olho negro dele, como se fosse o olho de um dragão: brilhante como fogo transformado em carne. Ele assoprou, apagando as luzes, e fumaça acre subia da madeira enegrecida pelas chamas.

— Que bom — ele falou. Virou-se para encarar ela, fixando seu olhar desigual e escuro nos olhos púpuras de Dany. O olho de vidro e a cicatriz em seu rosto longo e calado dava um ar sinistro para o homem, assustando ela. Sentiu um frio percorrer sua espinha. Depois um tempo em silêncio ele falou: — Se você ousar tocar em um fio de cabelo de minhas irmãs, eu juro que eu mesmo lhe mato.

O medo e nervosismo de Dany rapidamente deu ligar a raiva. Sentiu-se tentada a fazer aquele rei petulante virar comida para o seu filho.

— Não farei nada contra elas, Stark — garantiu. — Mas acredite, não sou tão fácil de matar.

Surpreendentemente, ele sorriu para ela. O olho de pedra brilhou.

— Que bom — ele respondeu. — Gosto disso numa mulher.

Não se segurando, Dany fez a indagação que estava corroendo-a por dentro:

— Você contará para suas irmãs a verdade? — ela indagou.

Jon voltou a ficar o olhar no galho enegrecido, sem se importar com a neve acumulada em seus cabelos e roupa.

— Você não verá como algo ruim? — indagou ele. — Quer que eu fale?

Dany tirou o elmo e o deixou no chĂŁo de neve fofa. O mundo havia escurecido totalmente, com apenas a fraca fogueira de Jon emitia alguma luz.

— Não sei — respondeu, suspirando. Toda a vida ela quis ter outro Targaryen com ela, mas a vida não havia sido justa com ela: seu irmão foi uma pessoa detestável e Aegon a traiu, e nem sequer sabia se ele era legítimo. Não sabia se poderia confiar em Jon.

— Bem, nós não temos provas além de Howland — disse ele, voltando a mexer na fogueira com o galho queimado. — Então, fique tranquila, ninguém vai saber. — ele a olhou de soslaio. — Mas, caso tenhamos um herdeiro...

— Deixe-mos tal questão para depois — ela interrompeu, sabendo que tal questão talvez nunca chegasse a realmente a ser importante. — Mas, caso venha a acontecer gostar-me-ia de ter um herdeiro - ou herdeira - com o meu sobrenome.

Jon assentiu e voltou a olhar para a pequena fogueira.

— Que seja.

Dany ouviu outro uivado, desta vez, mais prĂłximo de onde estavam.

— Será que é uma alcateia? — Ela indagou, sentindo um pouco de medo de estarem sendo rodeados pelas feras, pois seu filho não estava por oerto para protegê-los. Eu sou do sangue do dragão.

Jon virou-se, encarando as árvores e a escutidão entre elas.

— Não estamos sozinhos — disse ele, sombriamente.

Dany virou, olhando na mesma direção que Jon. O lume da pequena fogueira estava sumindo, sumindo conforme a escuridãp crescia.

Ela percebeu olhos a observando, brilhando na escuridão. O lobo moveu as patas dianteiras, andando para fora das árvores, mostrando os dentes e rosnando para os dois que estavam sentados no tronco. Não era grande como o lobo que Dany viu acompanhando Jon, e nem tinha a mesma pelagem branca e olhos vermelhos, tendo pelo variando entre cinza e castanho, com olhos de ambar.

Um lobo uivou e Dany virou se para frente, Lobos caminhavam na neve, aproximando-se da dupla, e saindo da escuridĂŁo. Seus olhos brilhavam com a luz das chamas, como moedas incandescentes. Estavam rosnando para as suas presas, como se tivessem Ăłdio deles.

Dany se remexeu para perto de Jon, que parecia calmo, apesar da situação alarmante.

— Eles não temem humanos? — indagou Dany, sem saber o que fazer.

— Estão esfomeados — observou Jon, com o olho de vidro brilhando com faixas azuís. — Olhe os corpos, estão magros.

Era verdade, era possível ver algumas silhuetas de ossos aparecendo através dos pelos do corpo.

Dany pensou em jogar um pouco de carne para eles, entretanto, antes que fizessem algo, um lobo preto mordeu um dos companheiros e o fez se afastar. Toda a alcateia olhou para ele, que uivou e depois mostrou os dentes para a matilha. Obedientes, todos os animais caminharam para trás, de volta para as sombras das florestas, sumindo.

Quando percebeu que se foram, Dany olhou para Jon, que em nenhum momento se deixou desesperar pela ameaça — ou escondeu o medo muito bem —, sem nem tocar no cabo da espada.

— O que houve...?

Um barulho parecido com o de trovões foi ouvido, e Dany ergueu a cabeça, olhando para o céu cinzento. Viu as asas vermelhas e tranlucidas de seu filho, batendo no ar. Drogon trazia algo na boca.

A sombea alada voo para a poça que havia feito antes, quando pousou pela anteriormente. Pousou o corpo na depressão no solo de neve, fazendo um "ssshhh..." ao pousar. Largou a presa carbonizada no chão. Parecia ser um cavalo gordo ou uma vaca magra. Afundou a cabeça e mordeu a carne, arrancando um pedaço enorme e quente.

A presença de Drogon aquecia o ambiente, fazendo toda a neve por perto derreter. O gelo nas árvores quebrava e caía no chão, a pequena fogueira de Jon voltou a acender, aumentando a labareda. Dany sentiu o calor tomar conta de seu corpo, como uma baforada potente e ardente.

Jon virou--se para encarar Dany e sorriu.

— Tem fome? — indagou ele.

Em outros momentos, Daenerys teria comido a xarne carbonizada sem pestanejar...

Entretanto, enquanto observava Drogon cravar os dentes negros na carne da caça queimada, Dany lembrou-se dos cadáveres em Winterfell, e seu estômago ficou embrulhado.

— Não.

 

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

 

Demorou cerca de uma quinzena para que o imenso dragão de Daenerys surgisse nos céus escuros, como uma sombra alada e terrível. Viu-o aterrizar no pátio. Seu irmão, Jon Stark, estava atrás dela. Sansa fechou as persianas, não querendo ver a cena, enojada.

— Chegou a hora — Sansa, olhando para as aias e o copeiro. — Hos, vá falar com eles — virou-se para as moças —, e vocês peguem meu vestido branco prateado e a minha rede de cabelos e o colar, aqueles com pedras da lua — quando as moças e Hos começaram a se movimentar, ela mudou de ideia. — Na verdade, mudei de ideia, peguem meu vestido preto e meu véu de lã preta.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Jon viu que junto das bandeiras com o símbolo Stark, haviam bandeiras Targaryen. As com o brasão Stark, um lobo cinza em um fundo branco, estavam enlameadas, entretanto, provavelmente foram retiradas da lama às pressas, mas não reclamou. Dany ficou aliviada ao ver que haviam retirado as cabeças das estacas na muralha.

— É bom estar em casa — ele disse, seco.

Dany assentiu, sem saber se era sarcasmo. Marwyn andou até eles a passos largos e agitados. Quando se aproximou, fez uma reverência desajeitada — típica para um homem rude e sem modos como ele.

— Vossa… Vossas graças — ele se corrigiu. — É um prazer vê-los.

— Tenho certeza que sim — zombou Jon, com um sorriso simples nos lábios e o olho de vidro de dragão brilhando.

O arquimeistre lambeu os lábios. Parecia nervoso. Dany franziu o cenho.

— Algum problema, Marwyn? — indagou ela.

Ele fez que não com a cabeça.

— Nada com que devam se preocupar — respondeu ele. — Só… hã… Alguns imprevistos.

Ela nĂŁo gostou de ouvir aquilo.

— Que tipo de imprevistos? — questionou. — São os greyjoy? Eu enviei um corvo para Porto Branco, dizendo que deveriam vir para cá.

Ele negou com a cabeça novamente.

— Não. Na verdade, eu não sei nada deles.

A rainha acenou com a cabeça, deixando a questão de lado. Eles não tinham corvos para lhe responder, o mais provável é que apenas estivessem em marcha para Winterfell; embora o mais provável fosse que o castelo estava vazio e eles navegaram para o sul — talvez para se unir a Aegon ou, mais provavelmente, a Euron, olho de Corvo. Isto é, caso sequer soubessem o que estava acontecendo a sul do gargalo.

Dany e Jon entraram no Grande Salão. O rei avaliou a área, vendo que não havia nenhum nortenho por ali. Virou-se para Marwyn.

— Onde está o meu povo? — indagou, era visível o descontentamento em seu rosto.

Marwyn puxou um elo de bronze de sua larga corrente, desconfortável com a situação.

— Estão… Estão nas celas, vossa graça — respondeu o meistre que era mago, suando perante o olhar escuro e irritado do rei.

— Solte eles, seu idiota — ordenou o rei —, ou mandarei enforcar você com a porcaria sua corrente. — ameaçou.

Harwyn olhou rapidamente para Dany e depois voltou a olhar o rei, assentindo, e saindo dali rapidamente para fazer o que lhe era mandado.

Hoster Blackwood entrou correndo e foi até eles. Os imaculados estavam prestes a barrá-lo, mas Dany os impediu com um gesto. O jovem fez desceu um joelho, retirou o chapéu vermelho com pena preta, o levando para o peito, e abaixou a cabeça.

— Vossas Graças, é um prazer vê-los — ele disse. — Lady Sansa está se arrumando e logo estará pronta para vê-los, ela está radiante por rever seu irmão e celebrar tal união.

Quanta falsidade desnecessária…, pensou Dany. Sabia que ser polido era importante, mas aquilo era de um exagero sem tamanho. Entretanto, Jon sorriu, parecendo divertido com as palavras falsas e polidas do jovem. 

— Diga à minha irmã que ela não precisa descer — disse ele. Fez um gesto para que o rapaz se ergue-se. — Logo, eu e minha rainha vamos vê-la em seus aposentos.

O rapaz assentiu e partiu — não sem antes olhar de relance para Dany, entretanto.

— Vamos — disse Jon, pegando-a gentilmente na mão e a levando até os aposentos que pertenciam aos lordes de Winterfell.

Irri e Jhiqui esperavam nos aposentos. Quando a viram, fizeram uma reverĂŞncia ao ver sua rainha.

— Khaleesi — saudoi Irri —, é bom vê-la de novo.

Dany sorriu para as suas aias de pele escura.

— É bom revê-las também — disse.

As mulheres olharam o futuro consorte de Dany, parecendo assustada ao ver ele.

— Este é meu futuro marido — Dany anunciou, sem querer perder tempo. — Preparem-nos um banho. E peguem a minha roupa westerosi — ordenou. Havia trazido algumas roupas à moda de westeros, caso não estivesse em combate.

As damas assentiram e foram fazer o que eram mandadas, ainda olhando para Jon.

— Não quero banho para mim — ele disse — e creio haver alguma roupa para mim, alguma que não devo ter levado para a muralha.

Ela assentiu, enquanto os servos de essos traziam uma banheira de madeira e levavam para perto da lareira do cômodo. Irri e Jhiqui, junto de um servo de essos, trouxeram baldes de água quente e despejaram na banheira. Uma serva com pele de ébano ajudou Dany a retirar a armadura. Retirar as placas de metal, as tiras de couro e a cota de bronze a fizeram soltar um gemido de dor, sentindo seus músculos doerem. Sua carne branca estava cheia de marcas vermelhas onde outrora a armadura estava apertando.

O rei do Norte retirou as botas de couro, lameadas e chamuscadas, um pouco derretidas nas beiradas, pelo calor corporal de Drogon.

— Queria Cetim aqui — disse Jon, retirando a capa com capuz e a deixando cair no chão, e tentando desamarrar o gibão cinza.

— Posso pedir para um servo lhe ajudar — disse Dany, ficando nua. Cobriu os seios, meio sem graça de estar sem roupa ao lado dele. — Ou chamar algum servo do norte.

Jon fez que não com a cabeça. Ele a olhou, pelada, por um tempo, com seu olho de vidro brilhando de malícia, mas depois voltou a tentar retirar as vestes.

Dany sabia que eles deveriam se acostumar a se ver nus — afinal, logo iriam compartilhar um leito —, mas o olhar estranho de Jon ainda lhe dava um certo desconforto.

— É bom voltar para a casa — disse ele, retirando o gibão molhado e com neve e o largando no chão. — Uma pena ter de ir embora novamente — Tirou a camisa de linho e a deixou no chão, assim como fez com o gibão.

Dany viu as cicatrizes de batalha de Jon e ficou chocada com o tamanho delas. Provavelmente foram feitas em alguma batalha contra os selvagens, pois era enormes e profundas, mal cicatrizadas. Uma delas era tão escura que parecia preta. Reparou que as pontas de seus dedos também eram escuros, pretos, como a ferida.

Tentou não ficar olhando, mas aquilo era estranho para ela — até onde sabia, apenas cadáveres tinham partes pretas como aquelas. Caso a pele ficasse naquele estágio quando a pessoa ainda estava viva, o certo seria amputar os membros; todavia, Jon parecia não se importar.

— Sabe que terá de ficar comigo na Capital dos Sete Reinos, não é? — Dany indagou, relaxando os seus músculos na água quente. Tudo que queria era dormir. — Claro, podemos visitar o Norte e Winterfell algumas vezes.

Jon assentiu, não demonstrando emoções, enquanto retirava os calções pretos e ficando totalmente, com o falo molenga pendendo entre as pernas — não era um homem bonito, mas Dany teve que dar graças aos deuses que o membro viril dele também era preto como o de um cadáver.

Ele pegou as roupas no cabine, sem se importar em estar nu no meio de estranhos.

— Sabe, estou feliz em rever minha irmã — ele disse, enquanto se arrumava. — Uma pena não poder ter trazido meu irmão.

Dany assentiu, achando toda aquela situação constrangedora — não só a nudez e frieza de Jon, mas a ideia de que teria de rever Sansa era ainda pior; aquela família inteira era insana para ela. Irri e Jhiqui ergueram os braços dela e passaram escovas, retirando as crostas de sujeiras que havia em seu corpo.

Aquele homem frio e esquisito logo seria seu marido. Ele era mais um estranho que ela devia aceitar para cumprir o seu dever. Estava farta de ter fazer aquilo mais uma vez, mas teria de fazer aquilo por um bem maior. Afinal, seus desejos pessoais pouco importavam.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Sansa vestiu o simples vestido de lã preta, a cintura era bem alta, indo quase até o peito, coberto por uma estola de pele de raposa cinza. Um corte profundo revelava o tecido de seda preta que havia por baixo. Um fino véu preto foi preso por um grampo de osso de baleia, cobrindo seus longos cabelos ruivos.

Hoster voltou pouco depois para lhe informar que os reis estavam indo vĂŞ-la. Foi um tanto surpreendente para ela, pois esperava ser chamada no Grande SalĂŁo.

— Prepare tudo para eles, Hos — ordenou.

O rapaz assentiu e foi rápido em fazer o que ela mandou: ajeitou as cadeiras na mesa, pegou a chaleira e despejou a água quente numa bacia de bronze com pétalas de rosas do inverno e colocou o recipiente de volta na lareira. Alimentou o fogo com lenha e carvão, e alguns pinheiros, fazendo um perfume doce exalar no quarto. Pegou a jarra de hipocraz na mesa e a deixou em frente a lareira. Voltou para perto da mesa para pegar a bacia de bronze e esperou perto da porta.

De repente, seu irmão surgiu em seu cômodo, com Daenerys ao seu lado. Sansa teria ficado radiante ao rever o seu irmão, entretanto, ver a figura da rainha Targaryen ao seu lado a impediu de ter o prazer de tal sentimento. Sentiu raiva, indignação, traição, até mesmo nojo…

Hos estendeu os braços e o rei e a rainha molharam os dedos na água de rosas, lavando as mãos. Após isso, ele deixou a bacia de lado e foi para perto de Sansa.

Daenerys era luz enquanto Jon Snow era sombras. Seu cabelo loiro-prateado estava trançado, combinando com a pele pálida, e seus olhos púrpuras brilhavam. A rainha trocara a armadura negra por um vestido de negro, no peito havia um corte profundo, que descia até o umbigo, coberto por um painel triângular com renda vermelha de Myr. As mangas eram longas, com boca de sino, e forradas por um enchimento vermelho com cortes que revelavam o tecido preto por baixo.

O companheiro da rainha usava um simples gibão com ombros bufantes, de veludo preto com renda preta mais escura. Havia cortes no tecido que revelavam o tecido prateado por baixo. Em sua cabeça, o diadema dos reis do inverno e do norte pendia sobre seus cabelos castanhos e longos, agora um tanto grisalhos, apesar de seu irmã nem sequer ter trinta anos.

— Irmã — disse Jon, a fitando com seus olhos desiguais e escuros. — É um prazer revê-la.

Sansa assentiu. Era uma situação terrivelmente esquisita e desconfortável. Fez uma vénia profunda.

— Meu rei — ao olhar para Daenerys disse: — Minha rainha — sua voz soou dura.

Dany corou ao ver a jovem futura nora. Preferia enfrentar um dragĂŁo com um chicote do que estar ali.

— É um prazer revê-la, princesa Sansa — disse, tentando tratá-la pelo nome real. — Apesar de certos… infortúnios que enfrentamos juntos.

Alys fez um “humpf!” com a boca e Wylla olhou para Daenerys de soslaio. A própria fingiu não ter percebido nada, mas sentia o rosto arder de vergonha. Jon limpou a garganta.

— Sentem-se, por favor — pediu Sansa, quebrando o ensurdecedor e desconfortável silêncio.

Os dois monarcas assentiram e se sentaram nas cadeiras. Wylla iria pegar a jarra, mas Hos — talvez querendo que ela não servisse a mulher que matou o seu pai — pegou a jarra de vinho antes dela e serviu as taças de prata antes dela. Após terminar de verter o hipocraz nos copos e se afastou, segurando a jarra pela alça.

— Vejo que Hos tem feito bem seu serviço — Jon disse, sorrindo para o rapaz, que sorriu e acenou de volta em resposta, e depois para a irmã.

Sansa aquiesceu.

— Ele e minhas damas de companhia têm me servido muito bem — Olhou de soslaio para a rainha. — Apesar dos problemas que enfrentaram.

Dany tentou segurar a irritação. Aquela maldita loba realmente iria dificultar as coisas entre elas?

— Princesa Sansa — disse Dany —, lamento pelas coisas que aconteceram entre nós, mas quero que saiba que eu e seu irmão queremos pôr um fim na querela entre nossas casas e tentar o melhor para o reino.

E o que te faz pensar que vocĂŞ Ă© o melhor para o reino?, quis perguntar, mas se conteve.

— Obrigada, Majestade — ela respondeu, tentando se acalmar. — Mas sinto que deveria falar disso com eles — acenou com a cabeça para as aias e o pajem.

Daenerys os observou com seus olhos púrpuras. A mais velha tinha uma trança e usava um vestido azul-marinho, assim como uma moça mais nova — Dany se lembrava dela como Wylla — que usava uma trança verde. Dany tinha visto aquelas moças antes, assim como o alto garoto, mas havia uma moça nova: alta, magra, de olhos azuis-acinzentados, com o cabelo trançado e um vestido de lã simples.

Dany se levantou da cadeira e ficou de frente a eles e respirou fundo. A jovem de cabelo verde a olhava com ódio, mas a moça que devia ser a sua irmã a segurava por um braço.

— Eu lamento por tudo que tem passado — Dany disse. — É meu dever como rainha dos Sete Reinos defender o reino de qualquer ameaça. — Continuou: — Infelizmente, eu mesma acabei por ser enganada, e tal erro me fez ir contra vocês e os seus. Erros foram cometidos, e minha mão agora tem sangue nelas. — Olhou para Jon Stark e seus olhos desiguais e forçou um sorriso. — Entretanto, o rei de vocês, Jon Stark, me ajudou a ver a verdade. Nós, em breve, iremos nos unir numa união matrimonial, mas antes, deveremos ir contra a grande ameaça que assola o reino, e restabelecer a paz.

Os jovens trocaram olhares de soslaio.

— E as outras casas? — indagou Alys, olhando para o rei. — Elas aceitaram tal união?

Jon se levantou e ficou ao lado de Daenerys.

— Eles tem suas questões, mas sabem que assim é um caminho melhor para a guerra — respondeu. — Aegon roubou o trono de Daenerys, é um falso dragão, vamos ajudá-la a reconquistar.

Wylla, irritada, se soltou do braço da irmã.

— E o que será feito quanto aos lordes mortos? — ela indagou com cólera na voz. Olhou para Daenerys — Ela matou meu pai! Eu havia acabado de revê-lo depois dele ser preso pelos Frey e ela o tirou de mim! Deu para o seu dragão estúpido como se fosse carniça e ordenou que a cabeça ficasse apodrecendo nas muralhas!

Sansa se levantou. Entendia os sentimentos da garota, mas ela estava pedindo para ser executada com falando aquelas coisas.

— Wylla, quieta! — ordenou. — Já chega!

A irmã dela tentou pegar ela pelo pulso, mas Wylla torceu o braço e se libertou.

— Não! — Exclamou sem fôlego, furiosa. — Ela matou meu pai! Matou a Lady Mormont e a Lady Dustin — virou-se e encarou Lady Alys. — Ela matou o seu irmão, e vai ficar por isso mesmo?

— Quieta, Wylla! — berrou Jon. A jovem encolheu ante seu olhar frio e desigual. Virou-se e fitou a irmã mais velha dela. — Leve-a daqui. Amordace-a se precisar.

A jovem assentiu e pegou a irmã mais nova pela trança tingida, machucando-a e fazendo com que ela abaixasse a cabeça e soltasse um guincho de dor. Wynafryd apertou e tentou levá-la até a porta. Hos deixou a jarra de vinho se espatifar no chão e o vinho escuro escorreu como sangue no chão. Ele agarrou o braço da irmã mais velha, fazendo-a parar de andar.

— Está machucando-a — exclamou ele, tentando fazer ela soltar trança.

— Fique fora disto, Hoster — Ordenou Sansa, desesperada com a cena.

— Fique fora disto, idiota — exclamou Wynafryd, agarrando e torcendo a trança da irmã, machucando-a, e tentando empurrar o rapaz alto e magro. Ela tentou se soltar da bruta mão do Blackwood. Wylla se debatia e acertou o seio da irmã e depois a bochecha.

— Parem com isso! — Ordenou Jon, em tom severo. Ele tentou ir até eles, mas Dany o parou, tocando em seu braço, com medo do que ele poderia fazer, não querendo assustar mais aqueles jovens.

Bárbara Bracken tentou ir até eles, mas Alys a puxou de forma delicada pelos ombros.

Hos, conhecido por sempre ser pacífico, torceu o pulso que agarrava da mão que agarrava a trança verde e Wynafryd soltou um grunhido de dor, conforme o braço virava. Logo, ela não aguentou e soltou a trança. Logo, Wylla se viu livre, com uma dor horrível na cabeça. Ela se segurou nos ombros de Hos, que a abraçou e a afastou da irmã mais velha, de maneira protetora.

Wynafryd tocou no pulso, onde era visĂ­vel uma marca vermelha, crescendo em sua pele branca. Olhou furiosa para Hos.

— Como se atreve? — perguntou ela, para além da fúria. — Como se atreve a tocar-me, seu leitorzinho fajuto? — Sua face estava ficando tão vermelha quanto o hematoma em seu braço.

— Desculpe-me, Milady, realmente lamento — disse o rapaz, com sinceridade, sem desviar o olhar. — mas estava a machucar sua irmã.

— Chega disso! Esta situação é ultrajante! — ralhou Sansa, se afastando de sua cadeira. — Vocês não são mais crianças para agirem de tal modo, ainda mais em frente a dois monarcas!

Os três jovens se olharam em silêncio. Hos ainda abraçava a jovem Wylla, como um irmão protege a irmã ou um marido protege a esposa, sem se importar com o olhar furioso de Wynafryd.

— Saiam — ordenou Jon, numa voz fria. Seu olhar era frio e furioso. — Saiam todos daqui. Agora.

Apesar de confusos, todos foram rápidos em assentir e sair do local. Logo, apenas Jon, Sansa e Daenerys permaneceram. O rei olhou para a rainha.

— Você também — ele ordenou. — Saia.

Dany o olhou, chocada com a ordem.

— Eu não…

— Saia — ele repetiu a ordem, indo até a cadeira e se sentando.

Irritada, ela olhou para Sansa que a ignorou e sentou-se de frente ao irmĂŁo. Vendo que nĂŁo era bem-vinda e farta daqueles dois, ela saiu, furiosa.

Quando eles ficaram a sĂłs, Sansa, mais uma vez, quebrou o silĂŞncio:

— Vocês irão casar-se aqui? — indagou.

Seu irmão respondeu que não com a cabeça.

— Casar-nos-emos em Harrenhal — respondeu. — Diante de todos os lordes aliados, mas para tal, temos de limpar o castelo.

Sansa franziu o cenho.

— Que quer dizer? — Perguntou. Que aconteceu em Harrenhal? 

— Euron, olho de Corvo — respondeu. — Ele aconteceu.

— Euron? Euron Greyjoy? O tio de Theon? —  a última coisa que lembrava-se de ter ouvido que ele estava atacando a Campina. — Que ele faz no Tridente? Aliou-se a Aegon?

Seu irmão negou com a cabeça novamente.

— Algo pior — disse ele. — Muito pior.

O irmĂŁo nĂŁo falava coisa com coisa.

— Jon, não tem como Euron ter tomado Harrenhal. Sei que ele e seus lacaios asquerosos têm milhares de navios, mas não é possível tomar Harrenhal. É praticamente inexpugnável.

— Não se você tem um dragão — ele rebateu, surpreendendo a irmã com a resposta.

Sansa o olhou por um tempo, confusa.

— Ele se aliou a Aegon ou não? — indagou. — Não tem como ele…

— Olho de Corvo não tem nada com Aegon, Sansa — Jon lhe assegurou. — Ele está do próprio lado, acredite em mim.

— Certo — ela disse, sabendo que o lado de Euron Greyjoy não era o mais importante naquele momento. — Mas e Arya e os meus tio? Que houve com eles? Estão capturados, ou…?

Seu irmĂŁo fez um gesto com a mĂŁo, indicando que ela deveria deixar de lado tais pensamentos.

— Não estão em Harrenhal, disso eu sei — ele lhe assegurou. — Entretanto, não sei onde ela e os outros estão agora… provavelmente vagando em um tridente devastado por Dothrakis e Homens de ferro.

Sansa bufou e disse:

— Sua rainha não consegue controlar os próprios aliados? — indagou, irritada.

— Ela não tem como avisar os dothraki — ele a defendeu. — Estão esparsos no tridente, sem um local específico.

— Oh, pobrezinhos — Sansa zombou com uma voz amarga. — Tenho certeza que as mulheres que eles estão estuprando e as vilas saqueadas devem estar alegrando eles enquanto esperam a rainha deles.

Jon não achou graça alguma.

— Vejo que seu tempo sozinha a deixou de bom humor — ele comentou, seco.

— Ah, pelos deuses, não dê uma de Stannis Baratheon — Ela reclamou. — Inclusive, ele ainda está vivo?

— Claro que está. Está liderando os nortes que estão descendo da muralha.

— E ele aceitou assim o governo de Daenerys?

Seu irmão sorriu. Parecia fazer séculos que ele não fazia isso. Seu olho de obsidiana cintilou de divertimento.

— Bem, isto fica para o pós-guerra — ele explicou. — A ameaça maior precisa ser detida primeiro.

A irmĂŁ franziu o cenho, confusa.

— Contra Euron ou Aegon? — ela indagou. Nenhum deles parecia ser uma ameaça tão grande para que Stannis deixasse a sua reivindicação de lado.

— Nenhum dos dois — seu irmão respondeu — A guerra que está por vir é muito maior do que qualquer guerra pela porcaria de uma cadeira de ferro.

Sansa sabia o que o irmão queria dizer, embora nunca tivesse visto a tal “Grande Ameaça” do qual ele e Stannis tanto falavam.

— E quando vai ser essa tal “Guerra que está por vir”, irmão? — indagou ela.

Jon deu de ombros. Ele pegou a taça de hipocraz e bebericou um pouco.

— Não sei — ele respondeu, após beber um pouco. Seu irmão bebia e comia bem pouco. — Bran me assegurou de que logo irá acontecer.

Ao ouvir aquilo, Sansa arqueou as sobrancelhas. Sua cabeça estava tão cheia de caos que esqueceu de perguntar pelo irmão.

— Bran? Onde ela está?

Jon deixou o copo na mesa.

— Está vindo. Não achei seguro trazê-lo, então deixei-o com os outros lordes.

Ela nĂŁo gostou de ouvir aquilo.

— Stannis e os lordes podem usar ele como peão — ela disse. — Eles claramente não gostam dela, e Stannis pode se declarar regente. Não deveriam ter largado eles, Aegon usou disso para…

Jon levantou uma mĂŁo, indicando que ela deveria calar a boca.

— Isto não irá ocorrer, acredite.

Ela torceu um pouco a boca, se segurando para nĂŁo falar nada. Esperou seu irmĂŁo falar de Bran, quando ele nĂŁo o fez, ela indagou:

— E como está Bran?

Novamente, ele deu de ombros.

— Surpreendentemente bem. Pode ficar tranquila quanto a isso — ele garantiu. — Só está… estranho.

—Como assim? Que quer dizer?

Jon deu um sorriso amarelo.

— Ah, Sansa, o normal está morto — brincou ele. — Acho que você terá que esperar para ver e entender… Bom, pelo menos tentar.

Sansa não sabia como reagir. Não gostava de ficar no escuro, mas aquilo — o fato de Bran estar “estranho” — a fez se perguntar se a visão que tivera de Bran no bosque era real. Ela sentiu seu irmão ali, com ela.

Talvez no passado tivesse achado toda aquela situação mais bonita e esperançosa, mas só a achava muito assustadora e bizarra — ou viu coisas e estava ficando louca, ou seu irmão estava fora do normal de um jeito que fugia da realidade. Aquilo que seu irmão mais velho lhe disse era verdade: o normal parecia estar morto há muito tempo.

Teria que deixar as questões mais esquisitas de lado; era hora de tentar entender as situações mais básicas — que eram complicadas por si só.

— Bem, e eu ainda sou tratada como da realeza? — indagou, lembrando-se do tratamento que Daenerys usou para se dirigir a ela. — “Princesa”?

Jon assentiu.

— Eu ainda sou o Rei do Norte — explicou. — o que faz de meus irmãos príncipes e princesa — deu um sorriso. — Combina com você, não acha?

Sansa não se deu ao trabalho de tentar entender se aquilo era uma troça ou um elogio genuíno.

— O Vale declarou meu marido rei e eu rainha — lembrou-o. — Não vão gostar…

— Nenhum lorde do Norte gostou — Jon a cortou. — Não tenho dúvida de que os Lordes do Tridente e do Vale tampouco, mas eles vão ser obrigados a aceitar.

— E por que o fariam?

— Eu não sei… hmm… Bom senso, talvez?

— Bem, se é “bom senso” não ir contra dragões, isso não os impediu de ir contra dragões de qualquer forma — rebateu. — Na verdade, nem a você ou a mim.

Jon pareceu não ter gostado de sua sinceridade, mas logo sua expressão séria acabou por dar lugar a uma gargalhada seca.

— Quem diria — ele disse, sorrindo —, você se tornou a irmã petulante.

Ela corou um pouco ao ouvir aquilo. De fato, estava mais “petulante”. Era Winterfell. Ali, ela sabia, não devia nada a ninguém, nem ao próprio irmão.

— Bem, e o que farei agora? — Ela quis saber, ignorando o comentário do irmão mais velho. — Fico a cargo de cuidar de Winterfell e dos problemas de sucessões das casas enquanto você viaja para o Sul ou você vai lidar com tais questões?

— Sansa, você vai para o Sul — ele respondeu de forma rápida e simples, como se não fosse nada. — Assim como eu e Dany

Ao ouvir aquilo, ela sentiu como se ele lhe tivesse estapeado e jogado um balde de água fria nela. Apertou os braços da cadeira, tentando se acalmar, sentindo o sangue esquentar. Fixou o olhar nos olhos desiguais e escuros do irmão coroado.

— E para onde eu vou?

— Harrenhal, é claro. Bem, assim que o tomarmos de volta. Você e todo o Norte.

— “Todo o Norte”? — indagou, surpresa com a ideia. Seu irmão assentiu.

— Iremos deixar o Norte totalmente vazio — explicou. — Quem ficar para trás, está sob a própria sorte.

Sansa ficou chocada.

— Não pode achar…

— Tem razão — ele a interrompeu —, eu não acho, eu sei. E você vai junto, querendo ou não, irmã.

Revoltada, ela se levantou de forma abrupta, empurrando a cadeira em que estava sentada, fazendo-a tombar no chão, num baque estrondoso que reverberou pelo cômodo. Jon — que até então estava calmo — ficou um tanto surpreso com a reação da irmã, que rogou uma praga e andou, irritada, até o lado da alta lareira de seu quarto. Ela apoiou um braço na quina da lareira, tentando se acalmar; entretanto, não obteve qualquer sucesso, pois estava para além da fúria. Era como se um lobo selvagem rosnasse dentro dela.

— Como pode se casar com aquela monstruosidade? — indagou ela, sem fôlego, perdida em sua própria raiva. — Nosso pai foi a guerra para depor a tirania do pai dela!

— Daenerys não é Aerys — ele rebateu. — Ela não é o rei louco…

— Pode ser até pior — ralhou. As imagens das execuções, o barulho do rugido do monstruoso dragão, e o cheiro de carne torrando adentraram em sua mente. Ver as pobres pessoas sendo decapitadas e botadas em espinhos a fez lembrar de seu falecido pai. — Você não sabe como foi… ver aquele horror que ela fez… O cheiro da carne queimando, o cheiro acre da fumaça… — parou, tentando se recompor. — Não. Você não sabe, Jon. Não a conhece. Não viu o que eu vi.

Durante muito tempo, ela havia evitado pensar naquele dia. Evitar lembrar-se da horrível pilha de cabeças decapitadas e das montanhas dos corpos mortos que eram consumidos pelas chamas negras e rubras da criatura alada de Daenerys.

A visão de Sansa começou a ficar turva e ela percebeu que estava chorando. Piscou para expulsar as lágrimas, sentindo-as arder conforme caiam em suas bochechas. A fúria deu lugar a tristeza, e ela lembrou-se de como o pai havia sido decapitado e ela vira tudo, impotente, e, depois, Joffrey a obrigara a ficar olhando para ele, junto de tantas outras pessoas que ela conheceu e cresceu junto em Winterfell. E Daenerys havia feito o mesmo com as irmãs Manderly e Alys, pobrezinhas. 

NĂŁo, nunca poderia perdoar aquela estrangeira do mal por aquilo. Jamais.

Ao ver sua irmã e agonia, Jon se levantou da cadeira e foi até ela. Ele a abraçou por um tempo, de maneira protetora, mas fria e distante. Quando terminou de abraçá-la, se afastou um pouco e tocou-a nos ombros, olhando para os olhos azuis dela. Suas mãos eram bem frias também, podia sentir o frio nelas, mesmo através das luvas negras.

— Eu sei que odeia isso — ele disse. — Mas precisa ser forte agora, Sansa. Nós temos que nos proteger agora. — continuou: — Preciso que confie em mim, entendeu? Preciso que esteja comigo nessa.

Respirando fundo e se acalmando, ela assentiu.

— Está bem — ela respondeu, tentando se recompor e segurar as lágrimas —, confiarei em você.

— Ótimo — ele disse. — Agora, venha comigo, vamos rezar no bosque sagrado. Acho que fará bem a você pegar um ar. Parece tão cansada, irmã… Ah, e eu já ia me esquecendo! — Continuou: — Mande uma carta para o Vale, para aquela sua amiga, Myranda, e mande que ela nos encontre no Tridente. E que traga Margaery, a rainha quer falar com ela.


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