As Crônicas de Kanto escrita por WriterM


Capítulo 2
Um começo, uma escolha


Notas iniciais do capítulo

Oi, como estão?

Desejo a todos uma boa leitura e espero que gostem! xD



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— Certo, acho que já está bom. – Disse Red ao fechar, finalmente, o zíper da mochila.

Ele suspirou, analisando a mochila cor de areia sobre a cama ainda desarrumada. Red havia arranjado o conteúdo dela três vezes antes, e somente agora, na quarta vez, acreditava ter organizado tudo o que de fato precisava para a jornada. A mochila era nova – um presente que sua mãe lhe dera pouco antes da graduação ocorrida dois dias atrás – e era consideravelmente maior e mais forte do que aquela que Red usava para ir a escola, tendo em seus quatro compartimentos espaço suficiente para carregar o essencial e ainda deixando um pouco vago, caso ele precisasse. Ele fez uma revisão mental: estaria levando consigo um pijama (o qual ainda estava vestindo), um moletom, uma segunda camisa, um jeans, duas mudas de meias e roupas íntimas, pente, desodorante e escova de dentes, além de um saco de dormir pequeno. Em um dos bolsos laterais, levava uma garrafa térmica; no outro, sua carteira e a cópia das chaves da casa. Tudo cuidadosamente arrumado para o peso ficar bem distribuído. Red assentiu, dando-se por satisfeito. Estava ótimo, como queria.

Só então o despertador do seu Pokégear começou a tocar sobre o criado mudo ao lado da cama.

Red desligou-o e conferiu o horário; marcava exatamente sete da manhã, mas ele estava de pé já fazia mais de uma hora. A euforia tinha lhe despertado mais cedo. Red pôs o Pokégear de volta no móvel. A seu lado, estava um cartão verde-claro contendo uma foto 3x4 sua e algumas informações pessoais importantes. Red o pegou e virou-o, os olhos brilhando, e viu o seu número ID escrito sob o selo da ALPK – Associação da Liga Pokémon de Kanto. Aquele pequeno pedaço de plástico, o tão sonhado cartão de treinador, o legitimava como um treinador de verdade.

É hoje.

Ele engatinhou sobre a cama e abriu a janela, afastando as cortinas. Dali, Red usufruía de uma boa vista dos quarteirões mais próximos. Uma brisa fresca soprava, fazendo carícias em seu rosto enquanto ele contemplava o sol coruscante pairar, soberano, no céu com poucas nuvens sobre a cidade de Pallet. Ele viu alguns comércios próximos abrirem as portas, como a floricultura da Sra.Violet, sua vizinha, que como sempre estava acompanhada do seu inseparável Tangela. Red imaginou que a sua mãe provavelmente já devia estar na cafeteria naquele horário. Pôde ver Pokémon ali também: havia muitos Pidgeys ciscando pelas ruas, e tantos outros empoleirados nos telhados e nos fios de eletricidade. Red viu até mesmo um Pidgeotto chilrear despreocupado sobre um poste. Sorriu. Era uma manhã linda, e ele logo soube que sentiria falta de acordar e ter aquela vista todos os dias.

Red afastou-se da janela e se trocou, substituindo o pijama e os chinelos por uma camiseta preta básica e um colete vermelho e branco, calça jeans azul-claro e tênis esportivos vermelhos com detalhes pretos e sola branca. Arrumou a cama, guardou o pijama na mochila e a pôs nas costas. Ele pegou o Pokégear e o cartão de treinador, guardando-o na carteira, e por fim encaixou o seu boné favorito na cabeça, um vermelho de aba branca com um semicírculo também branco bordado na parte rubra. Ele estava prestes a sair, os dedos já tocando a maçaneta da porta, quando permitiu-se parar por um segundo e despedir-se de seu velho quarto com um último olhar nostálgico. Passou os olhos com carinho por cada canto; da sua cama aos pôsteres nas paredes, do guarda-roupa ao seu videogame.    

— Vou sentir saudade deste lugar – murmurou entre um meio sorriso. – Eu já estou indo. – E saiu do quarto.

Quando desceu as escadas e foi até a cozinha, Red notou que a casa estava vazia e silenciosa, o que confirmava que sua mãe estava fora, mas esta havia deixado o café da manhã preparado. Ele sentou-se à mesa e se serviu de uma xícara de café e duas fatias de bolo de chocolate, comendo avidamente, tamanha a sua pressa, embora ainda não fossem nem sete e meia e o Professor Carvalho só fosse recebê-lo a partir das oito. Red estava tão animado para começar a jornada que se certificara de agendar a escolha do seu primeiro Pokémon ainda no dia da formatura.

Sentiu o Pokégear vibrar no bolso da calça quando já estava perto de terminar o desjejum. Red pegou o aparelho e viu que era uma ligação, levantando as sobrancelhas, surpreso, ao ver de quem era. Ele hesitou por um momento, mas atendeu:

— Oi, pai.

— Red, meu garoto – a voz dele soava animada. – Bom dia. Como você está?

— Eu vou bem… E você?

— Ótimo. – Disse, fazendo uma pausa. – Eu, hum, liguei para conversar um pouco com você. Sua mãe me disse que estará partindo em uma jornada hoje, então… eu quis parabenizá-lo. E também, liguei para pedir desculpas.

Red ficou quieto, ouvindo o pai suspirar desconcertado no outro lado da linha.

— Lamento por não ter ido à sua formatura, filho. Queria muito ter conseguido ir, mas tenho estado com tanto trabalho ultimamente que não consegui uma folga a tempo.

— Está tudo bem, pai. Eu entendo, sério. Não se preocupe com isso.

— Não posso evitar. Eu sou o seu pai, e não estava lá em um momento tão importante. Me desculpe, de verdade. Pelo menos eu quero te felicitar agora. Você cresceu tanto, Red… lembro-me de quando você era uma criança, andando para lá e para cá dizendo que iria se tornar um grande treinador, e agora você já está formado, quase um homem, e pronto para correr atrás dos seus sonhos. Eu estou muito orgulhoso de você.

Red esboçou um sorriso desajeitado.

— Obrigado, pai. Significa muito para mim. – Disse. Ele o ouviu rir baixinho, parecendo aliviado.

— Fico feliz em ouvir isso. Eu acredito no seu potencial, Red, e sei que você vai conseguir alcançar tudo o que deseja. Já estou esperando pelo dia que eu vou te ver batalhando na final da Liga Índigo e levantando a taça de campeão! – Exclamou. Red conseguiu sentir a convicção irradiar da voz dele. – Só peço que tome cuidado. Sei que você pode cuidar muito bem de si mesmo, mas é um mundo bem grande lá fora, e há perigos demais escondidos por aí.

— Eu sei – o professor disse o mesmo. – Eu vou ficar bem.

— Já decidiu qual vai ser o seu primeiro Pokémon?

— Ainda não…

 — Entendo. De qualquer forma, eu tenho certeza de que vai fazer a escolha certa.

— Eu espero que sim.

Ficaram em silêncio, uma pausa embaraçosa. Red tamborilava os dedos na mesa. Para ele, cada segundo parecia demorar uma eternidade.

— Enfim… era só isso, filho. – Ele ouviu o pai dizer, dando um fim à mudez. – Te desejo boa sorte em sua jornada. Mande lembranças minhas à sua mãe. E, Red… sei que pode não parecer, mas se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode sempre contar comigo.

Red demorou um instante para responder:

— Obrigado pelo apoio, pai. Se cuida, ok?

 Pode deixar. Até mais.

Assim, a ligação foi encerrada, e Red viu-se encarando, absorto, a tela desligada do Pokégear. Guardou o aparelho no bolso e terminou de comer lentamente a fatia de bolo restante, a cabeça cheia de pensamentos. Quando havia conversado com o pai pela última vez? Eles se falavam por mensagem, às vezes, mas não era a mesma coisa. E Red nem conseguia lembrar direito da última vez que o vira pessoalmente. Foi há dez meses? Ou um ano? Talvez mais? Independente de quanto, fora há bastante tempo. Tempo demais, pensou.

— Não é hora de pensar nisso – resmungou, balançando a cabeça. Olhou o horário mais uma vez e viu que já passava um pouco das sete e meia. –  Eu preciso ir agora.

Apressado, Red organizou a mesa e escovou os dentes; conferiu o conteúdo da mochila mais uma vez, apenas para ter certeza de que não estava se esquecendo de nada, e então saiu de casa. O laboratório do Professor Carvalho ficava no norte, próximo à saída de Pallet, e Red calculou que provavelmente chegaria lá em cerca de vinte minutos de caminhada, bem na hora combinada. Havia pouco movimento nas ruas; os seus passos eram rápidos, quase eufóricos, e ele acabou por espantar alguns Pidgeys desavisados pelo caminho. À medida em que andava, Red olhava de modo afável e meio saudoso para aquele cenário que, por tanto tempo, foi o lugar que ele chamou de lar. Vislumbrou as ruas de paralelepípedos, quase sempre forradas pelas folhas que caíam das árvores que erguiam-se ao longo das calçadas, fornecendo sombra para pessoas e Pokémon que buscavam refúgio do sol nas horas mais quentes. As casinhas simples, algumas tão antigas que Red nem conseguia imaginar quando haviam sido construídas. Os comércios que ele havia frequentado tantas vezes. Os rostos que eram familiares desde a infância. A banca de jornais na praça, onde tinha comprado enésimos quadrinhos. Nem todo o êxtase do mundo era capaz de suprimir o aperto no peito que Red sentia ao encarar o fato de que estava deixando tudo isto para trás para embarcar em sua própria aventura.

Suspirou. Pallet irradiava uma atmosfera singular. Das praias de areia branca ao sul, onde o pequeno canal de Pallet projetava-se do mar, até o icônico laboratório de Samuel Carvalho, a cidade era pitoresca como um todo. Talvez fosse por isso, imaginou Red, que ele sempre tivesse amado o lugar. Nenhuma outra localidade de Kanto era como aquela.

Ainda estava divagando a respeito quando o contorno do laboratório surgiu em seu campo de visão, avultando, imponente, sobre a área ao redor da colina baixa na qual fora construído. Em comparação com as demais edificações da cidade, o laboratório do Professor era grandioso, parecendo apregoado demais para um lugar tão comum; uma enorme construção retangular de dois andares, com paredes de tijolos alaranjados e um telhado de laje cinza. Um moinho imenso girava as suas quatro hélices lentamente um pouco atrás do prédio, ladeado à esquerda por árvores baixas. Uma cerca de madeira branca delimitava o perímetro, e, presa à parede bem ao lado da porta de vidro verde-escuro, uma grande placa de metal dizia:

LABORATÓRIO DE PESQUISA SAMUEL CARVALHO

Red subiu a colina rapidamente, passou pelo portãozinho da cerca e atravessou o jardim garboso que enfeitava a entrada do laboratório, parando diante da porta e vendo o próprio reflexo meio obscurecido no vidro. Ele prendeu a respiração, depois exalou o ar bem devagar. Aquela não era a primeira vez que ele ia até ali, mas, agora, era diferente. Red estava se sentindo um pouco nervoso. Logo estaria com o seu primeiro Pokémon! Com qual dos três iniciais – Bulbasaur, Charmander ou Squirtle – ele devia começar sua jornada? Tinha decidido há tempos que tomaria tamanha decisão somente quando estivesse frente a frente com os três monstrinhos; queria olhar cada um deles nos olhos e escolher aquele com quem viesse a se afeiçoar mais. Agora, o peso dessa escolha parecia cair sobre ele: será que tomaria a decisão correta? Ele achava que sim – pelo menos, queria acreditar nisso – mas não tinha como ter certeza.

Acalme-se e vá em frente, ele pensou, cerrando os punhos, mas quando estava para entrar no laboratório, ouviu passos atrás dele. Red olhou por cima dos ombros e surpreendeu-se ao ver o garoto que se aproximava. Ele vinha meio cabisbaixo, parecendo pensativo, com as mãos enfiadas nos bolsos e o longo e espetado cabelo castanho caindo suavemente sobre o rosto. Vestia uma camisa preta encimada por uma jaqueta verde de manga curta, calças arroxeadas e botas de cano curto marrom escuro. Trazia também uma pochete cinza-claro na cintura e uma mochila preta pendurada nas costas. Ele levantou a cabeça quando notou a sua presença, os olhos verdes observando-o com um traço tênue de surpresa.

Green Carvalho.

— Você… – disse Green, parando ao lado de Red.

Red aprumou-se. Percebeu que o Carvalho era alguns poucos centímetros mais alto do que ele.

— Acho que nunca nos apresentamos. O meu nome é Red. Eu era da turma 10-B na Escola de Viridian. – Explicou. – Eu te conheço. Você é Green Carvalho.

Green anuiu.

— Já ouvi falar de você – disse com uma voz monocórdia.

— Igualmente. – Red estava surpreso por ele o conhecer.

— Também veio buscar o seu Pokémon?

— Sim.

Green estudou Red silenciosamente por um momento, e então, sem dizer mais nenhuma palavra, ele entrou no prédio, as portas automáticas abrindo-se com um baixo zumbido mecânico. Red olhou para ele com perplexidade e o seguiu. O hall de entrada era um espaço retangular; as paredes alvas exibindo quadros de aviso e um mapa da região de Kanto. Dois vasos de lírios-da-paz margeavam a entrada, um de cada lado, e um sofá de couro preto ficava rente a parede ocidental em um ângulo reto. O comprido balcão da recepção estendia-se pela direita; uma recepcionista ruiva cumprimentou-os, dizendo-lhes que Samuel Carvalho já havia chegado e, portanto, eles podiam prosseguir. Atravessaram um corredor, passando por três portas fechadas, uma à esquerda e duas à direita, e chegaram em um salão muito mais amplo que o anterior. Havia um lance de escadas no canto esquerdo que conduzia até o segundo andar e, no direito, um corredor menor ia um pouco mais a fundo. Red sabia que aquele levava até a biblioteca do Professor Carvalho – um cômodo muito grande com centenas de livros espalhados por mais de uma dezena de estantes. A parede oriental tinha uma grande porta dupla semiaberta, encimada por uma plaquinha na qual estava escrito “Enfermaria” em letras vermelhas. Como Pallet não dispunha de um Centro Pokémon, o laboratório do Professor também servia como uma clínica para Pokémon debilitados.  

Eles subiram as escadas. Green ia na frente, já familiarizado com o lugar. Ele empurrou uma porta no fim do caminho, deu mais alguns passos adiante e parou. Red veio logo atrás. Observou o novo ambiente com atenção; era um amplo saguão retangular que devia ocupar, no mínimo, metade do segundo andar. Bem à frente havia três grandes janelas quadradas com vista para a cidade, todas entreabertas, a bruma matinal soprando para dentro do recinto, arejando-o com um frescor entorpecente. Outras duas portas fechadas selavam os cômodos atrás da parede oposta e, por fim, na extremidade mais distante, o escritório do Professor Carvalho revelava-se aberto. De onde estava, Red só conseguia ver a ponta de uma mesa e um quadro pendurado atrás dela.

O Professor em si estava do lado de fora, parado frente a janela mais afastada, segurando uma xícara branca fumegante. Sob o vapor que subia, a expressão em seu rosto era serena. Samuel Carvalho vestia as suas roupas mais habituais naquela manhã; invés do elegante traje social gris que usara na cerimônia de graduação, ele agora trajava uma camisa polo vermelha e calça cáqui marrom, além de um jaleco impecavelmente branco que descia até os joelhos. Ele apreciava a vista matutina distraidamente, e não reparou na chegada dos garotos até que Green o chamou:

— Avô.

— Hum? Oh, Green, você chegou – Samuel virou-se para o neto e percebeu a presença de Red. – Red, você também. Muito bom dia para vocês garotos, como estão? Imagino que devam estar bastante ansiosos para hoje, hein?

— Com certeza. – Red confirmou de imediato. – Foi o fim de semana mais longo da minha vida.

O Professor riu, divertido, e sorveu com gosto o líquido na caneca.

— Eu posso imaginar, Red – disse o Professor, afastando-se da janela. – Já que vocês dois são os primeiros treinadores que eu recebo hoje. Bom, não quero fazê-los perder tempo. Venham comigo, por favor. 

Ele os conduziu para dentro do escritório, imediatamente dando a volta na mesa e abrindo algumas gavetas. Olhando de perto, Red viu que o recinto era horizontalmente mais comprido do que largo, e não tinha muito espaço vago, tornando impossível abrigar muitas pessoas ali dentro. Duas poltronas velhas ocupavam a maior parte do espaço ao longo da parede ao lado da porta, e uma dupla de grandes estantes, preenchidas majoritariamente por grossas pastas de arquivos, formavam um “L” no canto adjacente. Havia ainda um arquivo de aço meio afastado da mesa, rente a uma das estantes. Red ficou imaginando quantas centenas – talvez milhares – de dados deviam estar armazenados num lugar tão pequeno. Mas não foi apenas isso que chamou sua atenção.

Ele parou os olhos no quadro atrás da mesa. Era na verdade um porta retrato; a moldura dourada já bem desgastada indicando que ele tinha alguns bons anos de existência, e a foto que exibia também começava a desbotar. Nela, o Professor Carvalho – cujo cabelo era apenas meio grisalho na época que fora tirada – aparecia ajoelhado e abraçado a duas crianças em algum lugar arborizado. Uma das crianças era uma menininha muito nova, de cabelos castanhos e olhar inocente, que devia ter três ou quatro anos, no máximo. Red não a conhecia, mas reconheceu o outro, um menino de olhos verdes e cabelos arrepiados. Ao contrário do avô e da menina, sorridentes, Green estava, na foto, com uma expressão neutra, embora Red desconfiasse que o seu olhar naquele momento longínquo parecia consternado, até um pouco triste.

Ou culpado.

— Aqui está. – Disse o Professor ao colocar uma grande maleta prateada sobre a mesa. Em seguida, ele também depositou sobre ela uma dezena de pokébolas minimizadas e dois aparelhos vermelhos.

Green inclinou a cabeça. Red estava com os olhos brilhando.

— Cada um de vocês vai receber cinco pokébolas. É claro que já sabem disso, mas, só para relembrar, usem-nas para capturar Pokémon selvagens e integrá-los às suas equipes. Tomem cuidado para não desperdiçá-las. – Eles adiantaram-se e pegaram as cápsulas assim que a explicação terminou. Red prendeu-as em seu cinto. Green as guardou na pochete. – E aqui estão as suas Pokédex – Samuel entregou o aparelho vermelho para eles, um eletrônico de tela dobrável, acabamento de plástico duro, com cerca de vinte centímetros. – Se lembram do que é e como usá-la?

— É óbvio – disse Green, monocórdio. – A Pokédex funciona como uma enciclopédia eletrônica, usada para registrar informações sobre qualquer Pokémon, como nome da espécie, tamanho, peso e habitat. Esse é o modelo mais recente da região de Kanto. – Ele abriu a tela, e ouviu-se um “bip” baixinho quando o fez. Uma luz branca se acendeu na superfície dobrável. – Basta apontá-la para um Pokémon e ela irá escaneá-lo e fornecer as informações mais básicas. Se ele for capturado, ela também registra dados mais específicos, como a natureza e a habilidade do espécime e os movimentos que ele conhece. E aliás – Green olhou para o avô – foi o senhor que a criou.

Samuel Carvalho sorriu, orgulhoso.

— Muito bom Green. Muito bom mesmo. Mas, embora seja verdade que eu, juntamente com o Professor Rowan da região de Sinnoh, tenha inventado a Pokédex eletrônica, a ideia de uma enciclopédia Pokémon existe desde muito tempo antes disso.

Era verdade, pensou Red. Ele lembrava-se de ouvir o seu pai lhe contar, quando criança, que na época em que ele saíra em jornada, havia levado consigo uma pesada enciclopédia física, mais ou menos do tamanho de um livro de bolso, com mais de trezentas páginas. Mas só alguns treinadores tinham esse privilégio – aquele era um luxo que nem todos podiam pagar. Vasculhando ainda mais na memória, Red também recordou-se de ver em alguma aula de História na Escola de Viridian que o primeiro compilado de informações sobre Pokémon, descoberto na região de Sinnoh, datava de aproximadamente quatrocentos anos atrás, uma época em que a região ainda era conhecida como Hisui.

Bom, de quatro séculos até aqui, pensou Red, os métodos usados para armazenar informações e transmitir conhecimento haviam evoluído enormemente. A Pokédex era um fragmento recente desta longa história – o aparelho fora criado há apenas uma década. E graças ao seu invento, os Professores Carvalho e Rowan tinham revolucionado totalmente o mundo dos treinadores, uma vez que os comitês que regulamentavam as Ligas ao redor do planeta tornaram obrigatória a sua distribuição para todos os novatos. Pessoas como Red. Ele admirou a própria Pokédex, sentindo a superfície lisa e fria contra a pele dos dedos. E então ouviu o Professor Carvalho dizer:

— Agora, o mais importante – ele abriu a maleta, revelando três pokébolas encaixadas cuidadosamente em um fundo de espuma preta. – A escolha dos seus primeiros Pokémon. Tomem essa decisão com calma e cuidado, rapazes. Eles serão seus parceiros confiáveis, e irão acompanhá-los por toda a sua jornada.

Samuel Carvalho pressionou o botão que lacrava as esferas vermelhas e brancas e, uma por uma, elas se abriram, liberando feixes de luz vermelha que materializaram-se sobre a mesa na forma de três criaturas vivas. Red involuntariamente sorriu ao vê-las, sentindo uma onda súbita de excitação enquanto o seu coração acelerava.

O primeiro Pokémon era um monstrinho quadrúpede, de aparência reptiliana, com cerca de setenta centímetros de altura e um bulbo nas costas. Sua pele escamosa era verde com algumas manchas em um tom mais escuro. Os olhos eram grandes e vermelhos. Ele inclinou a cabeça suavemente para um lado, olhando de Red para Green com uma expressão dócil e curiosa.

Green apontou a Pokédex para ele. Uma voz robótica soou:

“Bulbasaur, o Pokémon semente. Tipos Grama e Venenoso. O bulbo em suas costas armazena a energia da luz solar e a converte em nutrientes, permitindo que ele passe por longos períodos sem comer. O bulbo está enraizado no seu corpo desde o nascimento e cresce junto com ele.”

O segundo era um Pokémon bípede, também de aspecto réptil, a pele laranja e amarela, na barriga, coberta por escamas. Com cerca de sessenta centímetros de altura, ele mantinha-se perfeitamente ereto sobre as patas traseiras, balançando uma cauda comprida com uma chama crepitante na ponta. Desta vez, foi Red quem apontou a Pokédex:

“Charmander, o Pokémon lagarto. Tipo Fogo. Quando ele nasce, uma chama se acende na ponta de sua cauda. A chama reflete as emoções de Charmander, oscilando suavemente quando ele está feliz ou queimando intensamente quando está empolgado ou com raiva. Ela também simboliza a sua vida. Se a chama se apagar, ele morre.” 

Tudo aquilo era muito empolgante. Red, por fim, olhou para o Pokémon restante. Ele era uma tartaruga bípede de cinquenta centímetros de altura, de pele rugosa e azul. Seu casco era marrom na parte superior e bege na região do ventre, e ele possuía uma cauda levemente encaracolada. Ele piscou os grandes olhos castanhos repetidas vezes, observando com ansiedade.

Novamente, a Pokédex de Red disse:

“Squirtle, o Pokémon mini tartaruga. Tipo Água. Embora seja mole quando nasce, o seu casco endurece rapidamente à medida em que ele cresce. O casco não serve apenas para proteção: seu formato arredondado e as ranhuras na superfície minimizam a resistência da água, permitindo que Squirtle nade a altas velocidades.”

— Pois bem – disse Samuel Carvalho. – Quem irá escolher primeiro?

Red estava pensando nisso quando Green se pronunciou, dando um passo à frente:

— O senhor me disse que eu fui o primeiro a agendar a escolha do Pokémon, certo? – Indagou, e o Professor balançou a cabeça em concordância. – Nesse caso, parece justo que eu seja o primeiro.

Então ele foi ainda mais rápido que eu! Pensou Red, atônito. Green estava olhando para ele com o canto dos olhos. Sem ter como contra-argumentar, ele suprimiu um suspiro e assentiu, dando espaço para o Carvalho. Não pôde evitar certo aborrecimento – mesmo que não tivesse nenhum Pokémon específico em mente, era desconcertante ter uma opção a menos –, mas ele tinha de reconhecer que era apropriado. Apesar disso, Red imediatamente percebeu que não teria que esperar muito para ter a sua vez. Green olhou apenas brevemente para Bulbasaur e Charmander, sem dar-lhes muita atenção, e parou na frente de Squirtle. A pequena tartaruga ergueu a cabeça para ele, os olhos brilhando.

— Eu já havia me decidido antes mesmo de chegar aqui – anunciou Green Carvalho, pegando a pokébola do Pokémon de água. – Eu ficarei com o Squirtle.

— Ótimo – Samuel assentiu, parecendo satisfeito. – Uma excelente escolha.

Green apontou a cápsula e recolheu o seu mais novo Pokémon, tragando-o com o mesmo feixe vermelho que o pusera para fora. Ele encarou a pokébola por alguns segundos e esboçou um sorriso tênue. Guardou a Pokédex na pochete, mas não minimizou, nem guardou, a pokébola de Squirtle. Tampouco saiu do escritório. Invés disso, ele escorou-se ao lado da porta e cruzou os braços, esperando.

— Muito bem, Red, agora é a sua vez.

Red engoliu seco e se aproximou dos monstrinhos restantes, Bulbasaur e Charmander, ambos encarando-o com expectativa. O inicial de grama não tirava os olhos dele. O de fogo balançava a cauda insistentemente e flexionava os dedos das mãos no ar. Red estava empolgado. Muitíssimo empolgado. Ele também estava nervoso e indeciso. Olhou de um para o outro e repetiu o movimento, de novo e de novo. Red mordiscou o lábio inferior, pensativo, e fez uma revisão mental sobre tudo o que sabia sobre os dois Pokémon. Suas forças e fraquezas. Ambos eram excelentes. Qual deles escolher? Será que, ao invés de deixar para tomar uma decisão tão importante de última hora, ele deveria tê-la tomado previamente? Se preparado mais, pensado mais seriamente a respeito?

E será que isso realmente teria feito alguma diferença?

Os olhos, relembrou-se, olhe no fundo dos olhos.

Red oscilou, seu olhar fixo nos deles. Bulbasaur, dócil e amigável. Charmander, espirituoso e ativo. Ele repetiu o gesto algumas vezes, agora um pouco mais calmo, muito mais focado. Samuel e Green Carvalho o observavam, pacientes. Red continuava olhando…

Então parou no Charmander. Ele ficou imóvel, olhando fixamente para o Pokémon. Havia algo nos olhos dele. Red não sabia dizer com certeza o quê, mas tinha o intrigado o bastante para fazê-lo observar. Animação, curiosidade… Não. Não é isso, pensou Red, tendo um insight, é vontade. É expectativa. Ele olhou para a chama em sua cauda e viu que ela brilhava intensamente.

Ele se parece um pouco comigo.

— Eu me decidi. – Disse, animado, e curvou-se na direção de Charmander, estendendo-lhe a mão. – Charmander, eu quero que você seja o meu primeiro Pokémon. Vamos viajar pela região de Kanto e travar muitas batalhas juntos, ficando cada vez mais fortes! O que me diz?

Chaar – O lagarto de fogo vociferou um guincho cheio de ânimo. Ele esfregou o focinho na mão de Red, e assim ele sentiu a pele seca e quente roçar na sua pele.

Red estava rindo como uma criança agora. Pegou a pokébola de Charmander, apontou e tragou-o para dentro. Ele então olhou para Bulbasaur. O Pokémon remanescente estava cabisbaixo, com uma expressão tristonha, e Red sentiu-se incomodado. O Professor pareceu notar, pois afagou a cabeça de Bulbasaur e falou:

— Não se preocupe com esse carinha. Ainda tenho muitos treinadores para receber hoje e pelos próximos dias. Com certeza alguém irá escolhê-lo cedo ou tarde. – Sorriu para Bulbasaur a fim de confortá-lo. – Quanto a vocês, Green, Red, cuidem bem dos seus novos Pokémon, e tenham sempre muita responsabilidade ao lidar com eles. Lembrem-se que eles são seres vivos com suas próprias particularidades, e vocês têm de aprender a lidar com isso se quiserem construir uma relação próspera e saudável com eles.

— Eu vou cuidar muito bem do Charmander. Eu prometo.

Green apenas concordou, silencioso.

— Vocês dois cresceram muito, e vão crescer ainda mais. Desejo uma excelente jornada a ambos. Seja lá quais forem os seus objetivos, torço para que possam realizá-los. Nunca se esqueçam: vocês são capazes.

Red pensou que, com o estímulo certo, ele poderia chorar de alegria. A hora finalmente tinha chegado! Ele tinha o seu primeiro Pokémon! Mal podia esperar para pegar estrada e começar a viajar. Agradeceu ao Professor Carvalho, dando-lhe uma generosa reverência, e já estava quase saindo quando Green o chamou:

— Espere. Antes de ir, há algo que eu quero fazer.

— O quê?

— Isso – Green apontou a pokébola de Squirtle. Seus olhos mostravam um olhar desafiador. – Vamos batalhar.


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Notas finais do capítulo

Eu estou bem empolgado com essa história ultimamente, então creio que o próximo capítulo não vai demorar muito para sair. Comentem aí embaixo, se possível, quero saber o que estão achando.

Isso é tudo por hoje, nos vemos no próximo capítulo. Tchau!



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