Nebulosa escrita por Camélia Bardon


Capítulo 7
VI — Who knows where our limits lie?


Notas iniciais do capítulo

O capítulo de hoje é curtinho, pra servir de transição! Se ficar muito ruim, me digam que vou tentar deixar numa média boa de palavras ❤



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“Não sabemos o que é bom para nós

Porque se soubéssemos, talvez não faríamos isso

Quem sabe onde estão nossos limites?

Não iremos descobrir até que a gente force

Eu deveria apenas ir embora

Mas isso me agarra

Eu deveria pôr um fim e fazer do meu jeito

Oh, isso me agarra”

(Grip — Bastille & Seeb)

 ★

Miami, Flórida — junho de 1969

Valerie já era uma pessoa bem-humorada por natureza. No entanto, durante aqueles dias de encontros espontâneos, era possível ver que o seu sorriso bobo não se desprendia de seus lábios nem mesmo quando deveria estar séria. Durante o trabalho, por exemplo, quando Valerie supostamente deveria estampar uma expressão neutra, lá estava ela tendo de se controlar.

Ela sempre tinha lido que estar apaixonada era tudo isso e mais um pouco. Sabia identificar todos os sintomas. Mas não achava que fosse ser numa proporção tão ridícula assim. Francamente, parecia que tinha sido acometida por uma doença. Paixão era isso, então? Uma doença onde o principal sintoma era a euforia? Já estava passando dos limites.

Fazia apenas um mês que eles se conheciam. Um mês que Valerie ia semanalmente a Fort Lauderdale observar o pôr-do-sol. Um mês que desejava que o tempo passasse mais rápido para que o final de semana pudesse chegar logo.

Olhando-se no espelho do banheiro do trabalho, Valerie beliscou as próprias bochechas para ver se o sorriso diminuía. 

Então, o pensamento de sempre atingiu-a como um soco na boca do estômago. Como tinha coragem de sentir-se feliz quando John ainda estava sofrendo num local desconhecido. Podia estar passando fome. Podia estar com frio. Ferido. Desaparecido.

Sua cabeça girou. Valerie apoiou-se na pia, subitamente transtornada. John iria querer que ela ficasse se martirizando por viver? Ele estava vivo, pelo amor de Deus.

Não, não fazia sentido. Ainda assim...

Ainda assim, Valerie continuava procurando qualquer motivo para se culpar. Era a única realidade que conhecia. Ninguém jamais havia apontado um dedo em sua cara e a acusado formalmente de nada, mas Valerie sabia que sua mera existência era motivo de culpa. Antes de John Bowman aparecer em suas vidas, Victoria Rivera era mais uma jovem promissora com o futuro interrompido por uma gravidez indesejada. Desde que foi gerada, Valerie pediu desculpas por existir. E, agora que podia existir, simplesmente não conseguia fazer isso de forma natural.

Valerie suspirou. Havia conseguido o que queria. O sorriso havia abandonado o rosto. Quando voltou para o posto para revisar o que havia transcrito no dia, o doutor Ortiz já a esperava para conversar.

— Você parece muito feliz ultimamente, Valerie — ele sorriu. Ele tinha covinhas acima das bochechas, o que fazia com que sua expressão fosse traduzida como amigável. — É bom de ver!

— Estou feliz mesmo, doutor Ortiz. Acredito que o verão anima a todos.

Ele riu, ajeitando os papéis sobre a mesa. Valerie olhou-o de escanteio, curiosa. Estava tão acostumada a passar despercebida por todos os ambientes – apesar dos cabelos não ajudarem e ter de mantê-los presos por conta de seu volume e cor – que era até estranho quando alguém falava com ela voluntariamente.

— Ah, é? Apenas o verão?

— Doutor, se eu contar perde a graça! — ela gargalhou, afastando um cacho rebelde da frente dos olhos. — Uma garota não pode ficar por aí, rindo à toa?

— Se estivesse rindo do nosso caso, seria no mínimo questionável!

Valerie olhou para os dois lados antes de se pronunciar. Os dois eram subordinados, porém Valerie não correria o risco de perder o emprego por pouca coisa. Era mulher, afinal de contas.

— Mas foi engraçado. A mulher está processando o ex-marido por usar a roupa íntima dela. Francamente. Isso lá é coisa para trazer à Corte?

— Bem, há estados onde isso ainda é ilegal... — Frank segredou, fazendo como ela. — Ela deve odiar o sujeito para trazer isso à Corte.

Valerie encarou-o, constrangida.

— Oh... Eu não sabia...

— Não há por que ficar com vergonha, Valerie. Para todas as leis, há determinado público alvo. Acredito que essa lei corra mais entre nós, homens.

— Ainda assim — ela mordeu o lábio, pensativa. — Eu deveria saber.

Ele negou com a cabeça, aproximando-se da mesa dela. Valerie engoliu em seco, atenta a todos os movimentos dele. Entretanto, tudo de mais ameaçador que Frank fez foi sorrir e dar-lhe mais um conjunto de folhas.

— Ninguém nasce sabendo sobre tudo, Valerie. Sabe o que dizem sobre errar?

— É humano — ela suspirou. — Odeio ser humana, às vezes. Vou estudar mais sobre esse assunto. Quer dizer... Depois de arrumar toda essa papelada.

O doutor Ortiz riu bem-humorado. Valerie sentiu que um pouco da tranquilidade retornava ao seu corpo com seu riso. Ele era um bom amigo. Bem, talvez não amigo, mas ao menos era um ótimo colega de trabalho. Uma ótima tábua de salvação em meio a um ambiente tão estressante.

— Lamento por isso, mas precisamos ver se as informações batem. Posso procurar alguns artigos, se... Se você quiser.

— É claro, Frank — Valerie sorriu, ainda que um tanto tímida. — Quando for conveniente.

— A propósito… Eu disse Frank, mas, na verdade, é Franco… Por motivos de imigração, eu... Achei melhor mudar. Isso e... Bem… 

— Por causa daquele Franco — Valerie deduziu.

Frank encolheu os ombros, assentindo com a cabeça. Valerie inspecionou a postura dele, intrigada. Era no mínimo inusitado que um homem como ele, que costumava ser tão confiante, agisse com aquela insegurança. Após passar muito tempo quieta, receosa em interagir com outros seres humanos, Valerie entendia que uma de suas maiores habilidades era interpretar o que não era dito. A grande questão era o porquê Frank tinha escolhido depositar tanta confiança e honestidade nela. Teria Valerie dado muita confiança? Ou ele seria apenas parecido com ela no sentido de precisar ser ouvido?

— Não seria muito benéfico para o meu emprego ser cubano e ser chamado Franco — ele admitiu.

— Mas você é um advogado excepcional — Valerie protestou, abismada. — Sua nacionalidade sempre passa na frente de suas competências profissionais?

Frank fitou-a com os olhos castanhos intensos. Ela não precisou de uma resposta. A melancolia de sua expressão foi o suficiente para que Valerie compreendesse. Aquiescendo, ela colocou o mesmo fio de cabelo teimoso no lugar. O olhar dele parecia queimar em sua pele. 

— De qualquer maneira... — ele desconversou, abrindo um sorriso ladino. — É muito bom vê-la sorrir, Valerie. Você tem o tipo de sorriso que ilumina um cômodo. Espero que, seja o que for que esteja provocando essa reação, perdure.

O que ela poderia responder? Valerie também queria que sua felicidade continuasse, apesar de suas tentativas de autossabotagem.

Olhando para aquela pilha de papéis, Valerie decidiu que ninguém ficaria em seu caminho. Nem ela mesma. Trabalharia duro para sentir que merecia ser feliz. Por mais que amasse o trabalho e sua família, não poderia viver apenas em função deles. John dizia que ela era jovem e tinha toda uma vida pela frente, então… 

Sim, aquele seria o seu maior ato de rebeldia.

Valerie só esperava que aquele esforço todo valesse a pena.

Para quem quer que fosse.


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Notas finais do capítulo

Tem muito foreshadowing nesse capítulo, fiquem atentos hihihi
Um beijo e até o próximo!



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