Nebulosa escrita por Camélia Bardon


Capítulo 22
XXI — Wild women don't get the blues




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“Mulheres fortes não ficam tristes

Mas eu descobri que, ultimamente,

Eu tenho chorado como uma criança grande

Então, por favor, se apresse, me deixe, não consigo respirar

Por favor, não diga que me ama

Meu peito está prestes a explodir

Uma palavra sua e eu pularia desse parapeito em que estou, amor”

(First Love/Late Spring — Mitski)

 ★

— Ah, Frank vai ficar uma fera — Veronica sentenciou, chispando feito um gato. — Eu estou tão ansiosa para ver isso. Se precisar que eu a defenda, é só avisar.

Valerie negou com a cabeça, observando suas unhas. Veronica era sua manicure pessoal não remunerada. Desta vez, ela tinha escolhido um esmalte vermelho escarlate. Valerie costumava ter vergonha dos cabelos acobreados, porém ser a dona-de-casa de Little Havana havia ensinado-a uma coisa ou outra. Por exemplo, usar batom vermelho e andar por aí fingindo que confiava em si mesma. E um palavrão ou outro em espanhol. Essa era a parte mais divertida.

— Ele vai, mas estamos num período de crise. Não dá mais para ficar dependendo apenas do salário de Frank. E a mamãe perdeu a sua parte da pensão pela morte do papai. Quero ajudar vocês.

Veronica assentiu, limpando as beiradas da unha com acetona. 

— Eu sinto falta da vida antes dos 21 anos.

— E eu, então? 

— Mas você está inteira, nem parece que é uma idosa — Veronica sorriu. — Quero chegar na sua idade assim, Val. São aqueles cremes que Frank te deu de presente, não são? 

— Deve ser. Quando eu lembro de passá-los, eles são bem bons. 

A mais nova gargalhou, tirando o cabelo de frente dos olhos. Agora que era uma adulta Veronica era bem mais impecável do que de costume. Suas toucas de cabelo eram essenciais para a profissão de telefonista. Valerie até tentou utilizá-las, porém seu cabelo havia reagido de uma maneira bem agressiva. Pelo visto, seus cachos tinham mesmo vida própria. Domá-los seria um erro crasso. 

— Eu adoraria que ele me presenteasse com… Sei lá, um buquê de vinhos — Valerie comentou, suspirando. — Só mesmo estando um pouco alta para suportar algumas coisas da vida. Ano passado, meu presente de casamento foi um jogo de panelas. 

— Sendo bem franca, Val, eu não sei por que é que você ainda se submete a um casamento como esse. Não tem motivo nenhum para você e Frank ainda estarem juntos. Antes só do que mal acompanhada, querida. É o que estão dizendo hoje em dia.

Valerie deu de ombros, virando a mão para que Veronica pudesse cuidar de seu dedão. O reflexo de sua aliança parecia ainda mais brilhante. Era um casamento de dez anos. John e Victoria haviam se amado e passaram um pouco mais de tempo juntos. Após o casamento, Valerie entendeu o que significava o tempo ser relativo. Dez anos foi pouco para eles, muito para ela.

 — Frank não é uma má companhia. Ele é até um bom marido — Valerie refletiu. — Quantas histórias você ficou sabendo de maridos que agridem as esposas? De que as traem e elas fingem não ver? Frank não é assim, ele só… 

— É um babaca — Veronica completou, abrindo um sorriso. — Com todo respeito e sem qualquer tipo de ofensa incluída nessa… Hum… Afirmação. Mas você não deveria se sentir grata pelo básico. Porque, duh, é o básico. Não te agredir é o básico. Não te trair é o básico. 

Segurando a mão da irmã para avaliar seu trabalho artístico, Veronica exibiu uma expressão satisfeita. E então, passou para os retoques da outra mão. 

— E antes que venha me censurar, é muito difícil não xingar as pessoas quando se comportam feito estúpidas. Quer dizer, no trabalho elas podem te tratar como uma subalterna vagabunda, agora se eu faço o mesmo perco o emprego. O que é que elas perdem? 

— Fragmentos da alma — Valerie franziu os lábios. — Dinheiro nenhum compra as suas ações ruins, aqui. Tudo que fazemos, seja bom ou ruim, volta para nós em algum momento da vida. E é por isso que eu digo para você não xingar os outros quando está estressada.

— Mas é tão satisfatório encher a boca e dizer um impropério… 

Valerie ergueu uma sobrancelha.

— Desde quando você fala impropério? 

— Ah, é a linguagem da empresa. O patrão é cheio de se achar muito culto. Ele usa palavras como “impropério” e “dicotomia” e “esporadicamente” em frases do dia a dia, e pensa que nós o enxergamos como algum tipo de exemplo a ser seguido. Ave, César!

Valerie riu baixinho. Veronica nunca falhava em arrancar-lhe um sorriso. Após Clara, a vida tinha estado muito mais nublada. Porém, a irmã mais nova era como o vento que assoprava as nuvens para longe. Valerie jamais seria capaz de agradecê-la o suficiente por ter sido uma âncora para seu coração em todos aqueles anos.

É claro que ainda doía, e como doía. Valerie tinha perdido a conta de quantas vezes tinha acordado no meio da noite, chorando em silêncio em seu lado da cama. Ela era uma ferida que permaneceria aberta para sempre, oscilando entre a cura milagrosa e a reincidência inevitável.

Aquele era um assunto proibido. Ninguém havia o dito oficialmente, porém aquele elefante instalou-se na sala e tudo o que os Ortiz podiam fazer era aceitá-lo. Frank jamais tinha tocado no assunto "filhos" novamente e, como ela não voltou a engravidar nos próximos anos, Valerie suspeitava que ele achasse que tudo estava ótimo para ela. Não duvidava que ele tivesse deixado Clara no passado com facilidade, mas ela não poderia esquecê-la em um milhão de anos. Seu coração iria carregá-la para sempre, e seu corpo era um lembrete constante daquilo.

Às vezes, parecia até que Frank tinha ficado feliz porque ela não tinha tido Clara. Ainda assim, ela sabia que era apenas o seu velho ressentimento falando mais alto.

Vez ou outra, ele ainda voltava bêbado para casa. Valerie tinha desistido de fazê-lo enxergar que aquilo iria lhe matar aos poucos. Na maioria das vezes, Valerie sentia que agia mais como sua mãe do que como sua esposa. Era uma rotina recorrente: Frank voltava de madrugada, ela preparava um café preto enquanto o escutava falar sozinho, e quase sempre aquele circo todo acabava com Frank dormindo no sofá e ela acordada durante a madrugada assistindo televisão e incapaz de relaxar.

E, em dez anos, Frank jamais conversou com alguém da família Ortiz, em Cuba. Ao menos, era isso que ele dizia. Quando perguntou a Frank sobre isso, ele apenas respondeu que tinha informado a mãe sobre seu casamento através de uma carta. Valerie não conhecia os sogros, não sabia se tinha cunhados, sobrinhos ou qualquer coisa do tipo. Veronica não parecia estar inclinada ao casamento, então a perspectiva de conviver com novos membros familiares se extinguiram ao longo dos anos.

Valerie passava muito tempo sozinha, fisicamente. Porém, mesmo quando Frank estava lá, Valerie sentia que Frank era apenas um eco do que já tinha sido algum dia. 

Com um suspiro, atraiu o olhar curioso da irmã. 

— É, eu sei. É meio patético. Lembra do que o papai dizia sobre as palavras?

— Menos é mais — Valerie citou, e Veronica assentiu com a cabeça. — Falando nisso, como a mamãe está lidando com os livros?

Ah, os livros. Após a morte de John Bowman, as meninas haviam votado em unanimidade por publicar os livros dele postumamente. John nunca teve coragem suficiente para expor sua mente criativa – sabe-se lá por timidez ou insegurança –, porém elas tinham um consenso de que aquilo tinha sido um equívoco grave. Ele tinha uma coletânea de contos e dois romances. Após passar pela mão habilidosa de um agente literário e um editor, Victoria Bowman encarregou-se de carregar o legado do esposo e fazer com que seus projetos saíssem do papel. 

A fama, em si, nunca veio. Entretanto, vez ou outra pipocava uma crítica especializada num jornal, e Victoria recortava todas para montar um álbum de recordações. Todas elas positivas. “Para um escritor amador”, é claro. Valerie lamentava que ele jamais teria a oportunidade de ascender ao profissionalismo crítico. O quanto era necessário para que o escritor amador se tornasse profissional, afinal de contas?

— Bem. Eu acho — Veronica crispou os lábios. — Num dia ela está toda sorrisos com as vendas, no outro parece que ela se lembra repentinamente que o marido morreu e que aquelas vendas são resultado do esforço de um autor que nunca vai sentir o peso de seu reconhecimento. Mamãe está oscilando bastante. Não consigo acompanhar na maior parte das vezes, então eu a deixo quieta.

— É. Acho que ela vai ficar para sempre barganhando a morte do papai… 

— Antes isso do que ruminar a depressão. Acho que eu nunca vi a mamãe chorar pela morte dele, sabia? Você não acha isso esquisito?

Valerie negou com a cabeça. Ela conseguia contar nos dedos quantas vezes havia chorado em frente às pessoas pelas mortes dos últimos anos. Havia tanta vulnerabilidade naquele gesto, e Valerie não estava mais disposta a tanta exposição. As paredes que a cercavam eram muito altas. Ao tentar olhar por cima do muro, o sol era capaz de cegar os olhos. E, ainda assim, era irresistível não olhar. Melhor o sol do que a sombra que ele projetava sobre o muro. De certa forma, ela e sua mãe eram muito parecidas.

— Enfim — Veronica terminou o serviço com as unhas, exibindo-as para a irmã. — Eu gostei, e você?

— Ficou ótimo. Obrigada, Ronrom. 

— Talvez eu devesse largar o emprego de telefonista e investir na manicure. 

— Também não vamos exagerar. Pense nisso como um emprego secundário. Uma renda extra. 

— Por que? — ela ergueu uma sobrancelha, desafiadora. — Um emprego de manicure é menos digno do que o de uma telefonista? 

— Não,  é porque você não respeitaria a vontade das clientes. E meio que essa parte é importante.

Veronica gargalhou, guardando seus “instrumentos” de volta na bolsinha. 

— Nesse caso, você tem toda a razão. Eu seria uma péssima manicure.

— Você se importa se eu já picar a mula? — Valerie levantou-se, espreguiçando-se. Como relaxar era perigoso. — Preciso fazer o jantar. Você deixa um beijo pra mamãe?

— Como quiser, senhora Ortiz. Só cuidado para não borrar o esmalte. 

Valerie assentiu com a cabeça, permitindo que ela a ajudasse a pendurar a bolsa no ombro. Após um abraço apertado, Valerie correu para o carro, manobrando-o habilmente, a fim de evitar borrar as unhas. 

Seu velho Pontiac ainda era uma relíquia e ainda era seu refúgio para os momentos de reflexão. Porém, desde Clara, ela não tocava nenhuma fita ou disco nele. O silêncio era um substituto à altura para o refúgio que a música havia lhe proporcionado um dia. Suas viagens eram regadas pelos sons do ambiente – ora buzinas, ora conversas e risadas, ora o quebrar das ondas do mar. 

É claro que Valerie não havia excluído a música de sua vida. Era quase como se a música fosse uma entidade, não podia simplesmente fingir que ela não existia. Entretanto, Valerie podia dizer que estava num momento de fé enfraquecida. Ainda assim, ela continuava cozinhando e limpando a casa na companhia de um disco em todas as oportunidades que conseguia sem se sentir enjoada. Em alguns momentos, raros, Valerie sentia-se impelida a simplesmente encarar o teto sem mover um músculo. Às vezes, durava alguns minutos; em outras, Valerie permanecia assim por um dia inteiro. Era quase como se o seu corpo exigisse um tributo de tempos em tempos que precisasse drenar todas as suas energias. E ela aceitava. Sabe-se lá que represália o universo reservava para quem não cumpria com os rituais auto infligidos. 

Estacionando em casa, Valerie franziu a testa ao escutar o som de música distante vindo da cozinha. Não era seu costume chegar por último, e muito menos ser recepcionada com música, então aquilo deixou-a com as orelhas em pé. A voz de John Lennon alcançou os ouvidos dela desde a rua, convidando-a a atravessar o jardim e transformar os murmúrios em letras e palavras consistentes. Foi o que ela fez. Porque era a faixa sete do penúltimo álbum. Sua favorita. Here Comes the Sun.

— Bem-vinda de volta — Frank sorriu para ela assim que Valerie abriu a porta, esparramado na cama. Que, convenientemente, também era o sofá da sala de estar. O grande problema de uma casa pequena era não ter muito para onde correr. — Comprei vinho para nós, está aí na bancada. 

Valerie retribuiu o sorriso dele, retirando o blazer e pendurando-o atrás da porta. Por mais que tivesse certeza de que as unhas já estavam secas, por instinto Valerie movimentou-se com hesitação. 

— Uau! Hoje é só terça-feira, alguma ocasião especial? 

— Não… Mas todo dia é um dia especial, que merece ser celebrado à altura… Bem, sempre que possível. Você não acha? 

Valerie ergueu uma sobrancelha. Girando nos calcanhares, ela inspecionou o vinho que o marido tinha trazido. Pinot Noir? Interessante. Buscando o abridor na gaveta de talheres, Valerie comentou despretensiosamente: 

— Não sabia que você era adepto do carpe diem

— Acho que sou o que você pode chamar de entusiasta — Frank replicou no mesmo tom casual. 

— Nova década, novos hobbies? 

Frank riu, e Valerie olhou para trás – para ele — e estudou sua fisionomia. Frank já tinha atingido seus quarenta anos de idade, mas seu charme natural o acompanhou de bom grado ao longo dos anos. O cabelo estava mais longo, costeletas foram cultivadas e agora emolduravam o rosto quadrado como se sempre tivessem estado ali, e a barba por fazer lhe dava ares de “advogado bonitão”. Ultimamente, Frank dizia que ter uma aparência que estivesse no meio-termo entre a vaidade e o desleixo em união com as falas mordazes provocava desconfortos e confissões voluntárias. Valerie não duvidava. Frank Ortiz era um profissional competente, nas palavras de Ivy Coleman, mas era um bom adicional sua beleza inegável. 

O que a levava a pensar… Ela queria compartilhar a entrevista de emprego com ele? Nada em Frank  provocava nela a ansiedade por uma confidência.

Não. Ivy Coleman ficaria no lugar dela até ter uma resposta. Positiva, ela esperava. 

— Mas, sério — Valerie pigarreou, desconfortável com o olhar do esposo. — Um Pinot Noir como quem não quer nada? E Beatles? Qual é, Frankie. O que está acontecendo? 

Ele se levantou com languidez, como se tivesse todo o tempo do mundo. Normalmente, ele perguntaria onde Valerie esteve durante o dia, juntamente a algum indicativo de irritação pelo atraso no jantar. Valerie não via a mãe e a irmã com tanta frequência quanto gostaria por conta dessas e outras questões – Veronica trabalhava e a mãe agora era agente literária, então era difícil encontrar um dia em que todas estivessem disponíveis. Bem… Sempre havia o final de ano e o Quatro de Julho para contar. Ainda assim… 

— Eu só quero aproveitar a noite com você, minha querida — ele explicou, caminhando em sua direção. Valerie engoliu em seco e disfarçou o desconforto ao virar as costas para ele. Subitamente, o rótulo do vinho parecia muitíssimo interessante. — Há tempos nós não… Prestamos atenção um ao outro. Eu, principalmente. Confesso que tenho focado muito no trabalho e a deixei de lado mais vezes do que gostaria de contar. Não me orgulho disso. Você pode me perdoar…?

— Eu… Hum…  

Então, ele a abraçou por trás, encostando o queixo na curva de seu ombro. Valerie inspirou profundamente, à procura de qualquer sinal de álcool que se fizesse presente. Frank não trazia bebidas para casa – e, quando o fazia, era por acidente e seus objetos de consumo costumavam ser mais insalubres do que Pinot Noir. Ela ao menos pode respirar aliviada ao constatar que tudo o que encontrou foi perfume. Colônia desodorante masculina de qualidade.

— Acho que foram tempos difíceis para nós dois, não foram? — Frank murmurou contra sua pele, provocando um arrepio na base de sua coluna. — Acha que é tarde demais para nós, Valerie?

Aquela era uma ótima pergunta. Em algum momento, eles tiveram chances? Frank sempre soube que o coração dela estava ocupado, porém Valerie havia alimentado as esperanças dele. E ela tinha tentado abrir espaço para que Frank pudesse morar ali também. Às vezes, parecia até uma piada de mau gosto que tudo tivesse acontecido daquele jeito. Pensar em todas as hipóteses que cercavam aquele assunto com frequência a prendia numa teia de digressões.

Se não tivesse conhecido Alex, ela teria se apaixonado por Frank Ortiz ocasionalmente? Se não tivesse concebido Clara, eles seriam mais unidos? Se Frank não tivesse problemas com a bebida, ele seria carinhoso sem esforço, como antes? Se Valerie não tivesse abandonado seu trabalho – se tivesse reunido forças suficientes, coragem suficiente para voltar à vida que pertencia antes –, Frank continuaria numa curva ascendente de sucesso? Se os dois trabalhassem, Frank iria colaborar com as tarefas de casa, uma vez que ele cuidava sozinho dela antes de casar-se com Valerie?

Ela não deveria estar pensando tanto enquanto seu marido atraente estava tentando flertar com ela. Afinal, o que tinha de errado com Valerie?

Mais uma hipótese: e se Veronica estivesse certa e Valerie ficasse melhor sem Frank em sua vida?

— Frank, eu… — Valerie suspirou, tentando organizar suas ideias. — Eu sinto muito por ter me isolado durante esses anos, mas… Não quero que se desgaste tanto comigo… Não deveria ser difícil para nós nos conectarmos… 

— Mas não é — Frank protestou, afastando o cabelo dela do pescoço. Valerie não conseguiu evitar encolher-se um pouco. — Não foi isso que eu quis dizer. Eu gosto de você, Valerie, e acredito que você também goste um pouco de mim. É por isso que acho que vale a pena nós tentarmos voltar ao início. Você se lembra de como era?

Valerie assentiu com a cabeça. Ah, sim, ela se lembrava de que tudo sempre havia sido uma mentira. Uma grande farsa, conveniente para os dois, mascarada de mágoa e desejo. Little Havana havia se tornado seu bunker, porém ela havia o enfeitado como se fosse um refúgio. E Frank… Frank era sua companhia inesperada para o fim dos tempos. Iria com ele até atingir o fundo do poço. Se parasse para pensar, ela não tinha acabado de escalar as pedras de volta para a superfície? E se o fundo do poço fosse a melhor opção por ser mais seguro? 

— Podemos começar com o vinho… E então, nós dançamos de novo — Frank beijou-a na bochecha, porém daquela vez o gesto não provocou reação alguma. — Nós nunca dançamos uma valsa, o que acha de tentarmos? Será que ainda temos idade para isso, Val? 

E então, a lembrança atingiu-a como uma locomotiva. Talvez tenha sido a combinação de palavras. Fosse o que fosse, as palavras dele trouxeram outras escondidas.

Sabe, eu estou te devendo uma dança. Acho que naquele dia a gente só dançou coisa de jovem.

Valerie fechou os olhos, resistindo à vontade de gritar. Toda a atmosfera que Frank tentava criar desmanchou-se com as palavras dele, e ele sequer tinha culpa disso. 

O casamento de Valerie fracassou por culpa dela. Era medrosa demais para consertá-lo ou para sair dele. Fraca demais para agir. Alex tinha dito que Valerie era corajosa. Ela sentia falta de quem costumava ser. Antes dele. Antes de tudo. Sua mãe tinha dito que ela aprenderia a encontrar a felicidade com o tempo. E se a felicidade tivesse desistido dela, também?

Não era justo que ele tivesse tamanha influência sobre sua vida, após tantos anos.

— Desculpe, Frank — ela sussurrou, sentindo o gelo impregnado em cada sílaba. — Não estou bem para beber, hoje… Estou com um pouco de dor de cabeça. Podemos deixar isso para outra hora…?

Frank afastou-se dela com lentidão. Mesmo de costas, Valerie tinha noção de que ele teria aquiescido. Conformado? Aliviado? Com a sensação de desencargo de consciência?

Ela tinha tanto a dizer. Sobre o emprego. Sobre os dois. Ao invés disso, Valerie escutou-o abaixar o volume do disco e sentar-se de volta no sofá-cama, enquanto a faixa oito murmurava através das paredes. Era a favorita de Frank, Something.

Em seu braço, a pulseira com os berloques de sol e lua pesava uma tonelada.


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