Fúria escrita por alegrrdrgs


Capítulo 14
Capítulo 13 - Penélope (2003)


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo ficou bem grande, mas eu preferi deixar ele inteiro aqui e não dividir em dois :)



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"We gather here, we line up

Weepin' in a sunlit room, and

If I'm on fire, you'll be made of ashes too"

 

Penélope considerava uma experiência muito interessante quando saía com os amigos de Marcos. Não existiam as disputas internas, os cochichos ou as fofocas de um sobre o outro. Ela nunca tinha experimentado nada como aquilo. Na verdade, ela não acreditava realmente que eles pudessem ser tão pacíficos uns com os outros. Provavelmente só disfarçaram muito bem, então ela sempre ficava atenta para tentar descobrir o que fosse que eles estivessem escondendo.

Ela sempre foi boa em observar, em analisar a situação, e por isso normalmente percebia as coisas antes dos outros. Quando os encontros acabavam e eles voltavam para casa, Marcos jogava o ombro por cima dos seus e sorria, achando graça.

— Então, qual o seu relatório dessa vez?

Ele ria, falando para Penélope que amizade não era uma batalha, e Penélope achava incrível como eles tinham tido vidas diferentes até ali. Pra ela, sempre tinha sido. Mesmo Mimi, que era sua melhor amiga desde que tinha nascido, competia com ela em tudo.

— Aquela garota feia gosta de você. Ela tava te comendo com os olhos.

— Você sempre acha que todo mundo gosta de mim - ele revirou os olhos. - E ninguém lá era feio.

Penélope o empurrou para longe. Marcos nunca achava que ninguém gostava dele, mesmo que fosse óbvio. Ela não entendia como ele podia não notar o quanto era bonito ou como todas as namoradas dos seus amigos se derretiam quando ele contava alguma história. Ela queria que ele fosse menos simpático, menos atencioso com todo mundo. Era justamente o fato de ele nunca fazer nada por maldade que fazia todas se apaixonarem por ele. 

"Mas, é claro, se ele fosse assim então eu não gostaria dele".

— Eu acho que você se faz de cego, só pode ser isso - resmungou, irritada.

Marcos gargalhou, a puxando de volta para um abraço. Ele olhou ao redor para a rua meio vazia, e então a colocou contra a parede de uma loja. Penélope adorava o sorriso tranquilo que ele sempre dava antes de lhe beijar. Mas ela gostava mais ainda de como ele a deixava sem fôlego, melhorando o seu humor.

— Eu fico muito, muito cego - sussurrou contra sua boca - Porque eu só consigo ver você e ninguém mais.

Ele estava tão tranquilo, tão leve naquelas semanas. Penélope sabia que era porque o seu pai não voltaria para casa tão cedo. Ela já tinha ligado para a polícia, já tinha feito denúncias, mas ninguém nunca sequer apareceu. Já tinha falado com o seu pa, sem que Marcos soubesse, mas ele não tinha feito nada. O seu corpo todo se contorcia de ódio sempre que via o pai de Marcos, mesmo que fossem por poucos segundos. Marcos nunca deixou que eles se encontrassem, sempre monitorando os passos de Penélope quando seu pai estava por perto. Ele pedia para que ela ficasse longe dele, dizia que aquilo o deixava mais tranquilo.

A última vez que ele bateu em Marcos, meses atrás, Penélope tinha pagado um rapaz da rua de cima para assustar Rafael e o ameaçar para que ficasse longe de casa. Marcos não sabia disso, mas ela achava que a tranquilidade no seu rosto era prova de que era a coisa certa a fazer, mesmo que ele não aceitasse.

— Isso é uma pouca vergonha - uma senhora reclamou quando passou pelo casal.

— Cuida da sua vida, sua velha mal-amada.

Marcos a puxou para que continuassem andando antes que ela acabasse arrumando briga na rua. Isso acontecia com uma frequência maior do que ela gostaria, mas simplesmente não conseguia se controlar. Tinha sido expulsa da última escola e seu pai falava em lhe mandar para um internato na Dinamarca. Penélope achava engraçado que ele realmente achasse que ela iria. Mas pelo menos ele demonstrava algum interesse. Se sua mãe lhe dizia uma palavra por dia era muito, ela só sabia ficar em cima do bebê.

— Você vem comigo para a festa?

Ela sabia que Marcos não queria ir. Ele nunca ficava completamente confortável perto dos amigos dela, não estava acostumado às fofocas e intrigas como ela estava, mas ele sempre a acompanhava.

— É claro - deu um sorriso, sua mão apertando com mais força a cintura dela e então brincou: - Como se eu fosse te deixar sozinha com a sua multidão de admiradores.

*

Marcos lhe esperou na sala enquanto ela trocava de roupa. Ela teria preferido que ele entrasse, mas ele sempre negava ir ao quarto quando sua mãe estava em casa. Ele gostava de brincar com Rodrigo, fazendo caretas para ele rir, mesmo que a mãe dela quase nunca o permitisse. Maria não deixava ninguém tocar no menino, como se ele fosse de vidro e pudesse quebrar.

Colocou um vestido tomara que caia azul escuro, um salto prateado, e se maquiou. Ela não podia aparecer desarrumada, não na festa de Mimi. O vestido era novo e sua mãe ainda não tinha visto, o que causaria uma briga. Penélope jamais poderia deixar todos acharem que ela tinha caído na pobreza, então usava o cartão do pai para comprar alguma coisa quando precisava. Ele só não deixava que ela comprasse nada para a mãe. Ela ainda recebia a sua mesada, mas tinha diminuido muito depois que a madrasta tinha reclamado.

— Sua mãe saiu e pediu... - foi a primeira coisa que Marcos lhe disse, assim que saiu do quarto. - Você está linda.

— Hm, estou? - ela sorriu, o sorriso que sabia que ele amava - Tem certeza?

Ele deu uma risada, a mesma risada que a fez sentir arrepios no dia que o conheceu. Penélope se achava ridícula por sentir tanta falta dele mesmo que ele estivesse a passos de distância. Ela, que debochava de qualquer um que suspirasse de amores perto dela. Mas o jeito como Marcos a olhava lhe deixava derretida. Ninguém nunca tinha lhe olhado daquele jeito, o equilíbrio exato entre amor, paixão e adoração. O que lhe chocava mais que isso era saber que olhava para ele do mesmo jeito.

Penélope ia fazer 16 anos. Ela sabia o que era ser desejada, fosse de um jeito bom ou ruim. Sabia que era bonita, que seu pai tinha dinheiro, que podia ter tudo que quisesse. E nunca, em seus quase dezesseis anos de vida, ela imaginou que o que ela ia querer seria nada mais que ficar ali, no colo de um garoto pobre e lindo enquanto ele lhe beijava como se ela fosse um sonho realizado.

Todo mundo que lhe amava o fazia porque ela era linda, e Penélope sabia. Mas Marcos, não. Ele a amava porque ela o fazia rir, porque não tinha medo de nada, amava até as partes que ela não gostava: o mal humor, as reações exageradas, o egoísmo, como a sua mente tinha sido programada para prestar atenção em tudo. Até o sexo com ele era muito diferente do que tinha sido com outros, a maneira carinhosa como ele passava as mãos pelo seu corpo, mesmo que a segurasse com força contra si. Ele fazia com que ela se sentisse amada.

— A sua mãe desceu para pegar uma encomenda da farmácia - ele se afastou dela, claramente querendo continuar. - E ela pediu pra você olhar o Rodrigo até lá.

Penélope saiu do colo dele, se jogando no sofá. Rodrigo estava no chão, no bebê conforto, e lhe encarava com uma risada. Ele provavelmente estava rindo para Marcos, ela pensou. O namorado tinha muito mais paciência com o bebê que ela.

Mas apesar de tudo, ela tinha se afeiçoado um pouco ao irmão. Não que ela jamais fosse falar isso para a mãe. Ele era esquisito, defeituoso, e ela não saia com ele em público, assim como a sua mãe. Mas existia alguma graça quando ele ria, babando os brinquedos. Penélope só achava muito difícil pegá-lo no colo, tinha medo de lhe machucar. Normalmente sua mãe não fazia nada além de ficar com ele, acompanhando cada respiração. Era irritante como ela estava obcecada com o filho.

Seu pai não perguntava sobre ele, mas Penélope não achava ruim porque ela também não gostava de falar sobre. Quando ela não estava naquela casa podia fingir que ele não existia e ficava grata por isso.

Marcos balançou os dedos na frente de Rodrigo, fazendo graça e ele deu outra risada. Ergueu os braços, muito menores do que deveriam ser, e Penélope ficou admirada com a facilidade com que o namorado o carregou, se sentando novamente ao seu lado. Como ele fazia isso sem pensar, tinha se acostumado tão rápido com Rodrigo mesmo que depois de meses Penélope ainda evitasse olhar muito fixamente para ele?

— Acho que ele está com fome. Você está com fome? Sim, ele está. Eu sou muito bom nisso - se gabou, fazendo Penélope revirar os olhos.

Sem aviso, ele colocou Rodrigo nos braços de Penélope, que não teve tempo para protestar. Rodrigo não pesava quase nada, ela percebeu. Talvez ele devesse comer mais. Ela fez uma anotação mental para falar isso para a mãe. Marcos foi até a geladeira, pegando uma das papinhas e uma colher, e então se sentou novamente ao seu lado. Rodrigo ria quando Marcos lhe servia, cuspindo mais do que engolia.

— Arg. Você vai sujar o meu vestido.

— Ela não se importa de verdade, está até sorrindo para você, Rodrigo.

Penélope tentou parar, mas não conseguiu. Quando Marcos lhe deu um sorriso vencedor, ela beliscou seu braço para que ele parasse.

— O que vocês estão fazendo com o meu filho?

Maria atravessou a sala com poucos passos, tirando o bebê do colo de Penélope tão abruptamente que ele começou a chorar.

— O que é isso? O que vocês fizeram?

Os olhos azuis e raivosos se voltaram para a filha. Penélope odiava o que a mãe tinha se tornado, não suportava nem mesmo ficar no mesmo cômodo. Ela não lembrava em nada a mulher bonita e interessante que tinha sido um dia, ficando cada vez mais paranóica e acabada desde que Rodrigo tinha nascido. Cada vez que olhava para ela, Penélope se comprometia um pouco mais a nunca ser como a mãe.

— O que esse garoto está fazendo?

— Desculpa - Marcos se levantou, envergonhado e pacificador como sempre era quando a mãe da namorada estava por perto. - Desculpa. Ele estava com fome, e...

O choro de Rodrigo era alto, estridente, e o menino estava ficando vermelho. Toda aquela gritaria e a maneira idiota como sua mãe o balançava começou a irritar Penélope. Quando sua mãe voltou o olhar para ela, como uma louca desesperada, Penélope sustentou o olhar com desafio.

— Ele podia ter se sufocado! Você não pensa antes de fazer as coisas?

— Ah, com toda certeza - Penélope revidou irritada, se levantando - Porque eu e Marcos estamos planejando sufocar o seu filho e então vender ele para o circo.

— Penélope! - ela sabia que tinha ido longe demais. Era o tom de voz que ele usava para lhe dizer que ela tinha ido longe demais.

— Eu não quero mais você aqui - Maria se virou para o rapaz, tão irritada que poderia infartar - Eu quero os meus filhos em segurança, bem longe de você.

— Deixa de ser maluca.

— Penélope, eu vou indo - Marcos estava cabisbaixo, não olhava para ela - A gente se fala depois, ok? Desculpa de novo, eu realmente não quis fazer nenhum mal.

Marcos saiu apesar dos protestos de Penélope, envergonhado. Antes mesmo que ele fechasse a porta, sua mãe apontou o dedo para ela, sem se importar que ele estivesse ouvindo:

— Você quer acabar como a mãe dele, apanhando do marido? Porque é exatamente isso que vai acontecer. Só porque você gosta dele você não enxerga, mas gente como ele acaba sempre exatamente igual aos pais.

— Marcos nunca encostou um dedo em mim! - Penelope rosnou, sem acreditar.

— Então espera pra ver. - Rodrigo ainda chorava, vermelho como um tomate. Foi a primeira vez em semanas que Penélope viu a mãe desviar o olhar dele para lhe encarar - Mimada como você é... O seu pai te estragou, é por isso que você nunca pensa antes de fazer as coisas. E então ele não lida com as consequências e eu, sim. Sozinha, com dois filhos para criar. Você é uma egoísta, não me ajuda com o seu irmão. Tudo em cima de mim, tudo sempre em cima de mim!

— Eu quero mais que você e o seu bebê defeituoso se explodam! - respondeu, ofendida. - Joga ele fora, se é tão difícil de criar. E me devolve para o meu pai, é um favor que você me faz. Eu não sei porque caralhos você fez um drama tão grande pra ficar com a nossa guarda, se é a porra de um trabalho tão grande. Eu garanto que não tem ninguém feliz por estar aqui!

As duas se encararam por um momento. Olhos azuis em olhos azuis. Penélope sempre tinha ouvido como era parecida com a mãe. Uma versão mais jovem e mais adorada, ela tinha sido a vida inteira tratada como uma boneca de porcelana pelos pais. Ela não entendia como os dois tinham lhe deixado de lado tão abruptamente. Houve uma época em que elas se davam bem, sua mãe brincava com ela fingindo ser uma rainha e a filha uma princesa.

Penélope não costumava chorar quando ficava com raiva, mas ela poderia ter chorado naquele momento, vendo o que a mãe tinha se tornado. Ela queria perguntar se a mãe se lembrava disso, se lembrava da coroa de plástico, da varinha de glitter dourado. Mas ela não daria o braço a torcer, àquela altura preferia morrer a ficar vulnerável na frente da mãe.

Penélope viu a mãe hesitar, e então voltou a olhar para o filho que berrava. Quando falou novamente ainda estava com raiva, mas sua voz era mais baixa.

— Eu quero você longe desse menino. A última coisa que eu preciso é me preocupar que a minha filha esteja apanhando por aí do namorado.

— E eu quero um monte de coisas - cuspiu as palavras, rancorosa - Eu tinha um monte de coisas. Até que você resolveu ir embora e me arrastar junto, e agora eu não tenho nada.

Penélope se afastou em direção à porta, não queria ter que ficar encarando a culpa no rosto da mãe. Mas depois que ela ligava o modo de ataque, não conseguia mais desligar.

— Você sabia que ela está grávida? - deu um sorriso falso, olhando mais para Rodrigo que para a mãe - Eles estão esperando que seja um menino. Que seja um menino bonito e saudável, né?

Rodrigo finalmente tinha se acalmado, como se soubesse que ele era o foco da conversa, rindo para a irmã mais velha. Maria encarou a filha com raiva. Penélope sabia que sempre que falava da condição do irmão estava indo longe demais, mas era a maneira mais fácil de tirar a mãe do sério.

— Um dia você vai se arrepender - Penélope olhou para trás, a mão na maçaneta. - Eu espero que ele te dê uma surra tão grande que você vai voltar correndo para mim, implorando o meu perdão, me dizendo que eu estava certa. Burra, repetende, acreditando que o seu pai vai te bancar pra sempre... Se não for ele vai ser outro. Esse é o único futuro que eu vejo pra você.

Penélope riu para disfarçar a dor, mesmo sabendo que os olhos estavam marejados. Ela piscou para afastar as lágrimas antes de se virar para a mãe.

— E eu sou terrível, né? Pelo menos se algum dia eu tiver filhos, não vou desejar o mal deles. Você é uma péssima mãe.

*

Quando ela saiu de casa, Marcos não estava em lugar nenhum. Ela até bateu na porta dele, mas ninguém atendeu. Penélope sabia que ele devia estar chateado, especialmente depois de ouvir o que sua mãe falou sobre a mãe dele.

Ela estava chateada, cansada, e queria beber. Queria correr para os braços dele, mas se não o encontrou em lugar nenhum então decidiu que era melhor se distrair até que ele voltasse. O táxi a deixou bem em frente a casa de Mimi, apenas alguns quarteirões longe da casa de seu pai.

Elas tinham crescido juntas no condomínio, melhores amigas desde o nascimento. Mas Penélope não se importava tanto assim com o aniversário dela, estava alí mais para tentar esquecer as palavras da mãe e se sentir um pouco melhor. Ela amava a maneira como abriam caminho para que ela passasse, como todos falavam com ela. A adoração, a bajulação, os olhares apaixonados... Era o que ela precisava para se sentir melhor.

Pensou em Marcos, sozinho e chateado, mas se obrigou a ignorar o pensamento. Ao invés disso pegou o copo que Hélio lhe ofereceu, um sorriso sedutor em seus lábios. Ela sabia que sua mãe não gostava dela. Não mais, pelo menos. Não desde que Rodrigo tinha chegado em sua vida. Pensou no pai, há apenas casas de distância, e em enfrentá-lo novamente.

— Você faz tanta falta no colégio! - Paula lhe abraçou de lado, como se não tivesse sido ela a espalhar a expulsão de Penélope do novo colégio - É verdade que você vai se mudar pra Dinamarca?

— Bem, ainda estou decidindo - mentiu. Então deu um sorriso falso - Eu não conseguiria ficar longe de vocês por tanto tempo assim.

Penélope gostava de como a festa tinha simplesmente parado desde que ela chegou. Estava sentada em um dos sofás da sala, uma legião de escudeiros ao seu redor ignorando a música alta, se inclinando mais para perto para poder lhe ouvir falar, hipnotizados por ela. "Sedentos por mim", pensou com satisfação.

Ela deixou Hélio contar uma história que com toda certeza era mentira, tentando lhe impressionar.

Hélio tinha sido apaixonado por ela desde a infância, como a maioria dos garotos dali. Torcendo para ter uma chance com ela, e felizes da vida quando ela dava alguma abertura para as suas investidas. Iago tinha proibido todos eles de darem em cima dela no ano anterior numa tentativa de lhe conquistar, mas aparentemente a influência dele tinha diminuído ou os garotos tinham perdido o medo. O que quer que fosse, ela não se incomodava em ver eles como bobos da corte competindo pela sua atenção.

Ninguém ali era como Marcos. Ele era diferente, e pensar nele triste com ela partia seu coração. Ele não era nada além de gentil, carinhoso e honesto. Como sua mãe podia não ver isso? Marcos nunca faria nada para lhe magoar, era mais fácil o contrário.

Ela tomou mais um gole, começando a se sentir mole. Riu de uma história que Polly contou, sem prestar muita atenção, e viu Mimi atravessar a multidão, confusa e com cara de poucos amigos. Só então lembrou da amiga e que era aniversário dela. Se levantou, abrindo os braços.

— Mimi! Feliz aniversário! A festa está ótima

Todos sorriram com ela, concordando. Mimi não parecia muito feliz, mas Penélope tinha os próprios problemas e não estava disposta a descobrir o motivo da chateação da melhor amiga.

— Que bom que você conseguiu vir. Eu sei que é longe...

Penélope riu, divertida. Ela nunca tinha contado para ninguém onde estava morando, e alguns pensavam que era em uma cidade vizinha.

— Eu peguei um taxi, não se preocupa. É claro que eu não ia perder seu aniversário!

Mimi estava esquisita, mais que o normal. Penélope já tinha bebido alguns drinks, os copos não paravam de chegar na sua mão. Ela se sentia um pouco tonta e animada. Disse a si mesma que não beberia mais nada, a última coisa que ela precisava naquela noite era dar um vexame.

Todos estavam parabenizando Mimi e ela se sentou novamente, derramando a bebida no vaso em cima da mesa. Sentiu alguém se sentar ao seu lado, perto demais, e olhou de canto de olho. Era Iago, se inclinando na direção do seu ouvido como se fosse contar um segredo.

— Cadê o seu namorado? Achei que ele viesse.

— Ele está chegando - mentiu.

Mimi estava falando alguma coisa, mas Penélope podia sentir os olhares de todos neles dois, ninguém prestando atenção na aniversariante e sim na maneira como Iago se encostava mais nela, próximo demais. Ela sabia como as fofocas corriam rápido, e se levantou sob os olhares atentos dos amigos.

— Vou aproveitar e ligar para ele, falando nisso. Já volto, pessoal.

Ela se refugiou em um dos banheiros que estavam desocupados. A casa estava uma zona, e Penélope sabia que os pais de Mimi e Iago brigariam com eles. Eles eram terrivelmente conservadores, o pai dela era pastor e a mãe não saia da igreja.

Ela ligou, mas ele não atendeu. Tinha desligado o telefone. As palavras da sua mãe rondavam a sua mente, a bebida também, e ela não conseguia se concentrar. Ela devia ir atrás dele, não deveria? Deveria fazer alguma coisa. Dizer para ele que ela sabia que ele não era nada como o pai, que ele nunca faria nada de ruim com ela...

Mas como ela faria isso, se não sabia nem onde ele estava? Ligou mais uma vez, mas Marcos não atendeu. Talvez ele quisesse terminar. Talvez ele estivesse cansado dela sendo demais, do bebê que não parava de chorar, da mãe dela lhe fazendo acusações sempre que o via. Penélope era sempre tão segura, sempre tão certa de que as outras pessoas não eram melhores que ela, mas começou a se sentir mal. Talvez houvesse sim alguém melhor para ele.

Ela queria chorar, mas de jeito nenhum ia sair do banheiro com os olhos borrados. Queria chorar porque sua mãe era a pior pessoa do mundo, e porque Marcos não atendia o telefone. Queria chorar porque sentia falta da sua casa, e do pai que não falava mais com ela. Mas ela não podia chorar ali, não com todos os fofoqueiros que ela conhecia de plantão pela casa de Mimi.

— Ei, Pê. - ela respirou fundo quando Iago entrou no banheiro trancando a porta atrás de si, um sorriso cafajeste quando se aproximava da parede onde ela estava encostada. - Problemas com o seu namoradinho?

Penélope riu, escondendo todas as emoções.

— Vai tudo muito bem no meu relacionamento, Iago. O que você quer?

— Tô com saudades.

Ela revirou os olhos, erguendo a mão para o impedir quando ele tentou se aproximar ainda mais.

— É uma pena pra você. Eu não estou.

— Ah, qual é, vai dizer que você gosta mesmo do seu namoradinho favelado? Pessoas como nós não se misturam com essa gentinha.

— Eu prefiro mil vezes o meu namorado favelado que um bandido de condomínio como você - Iago deu um sorriso ainda maior, beijando sua mão quando Penélope segurou o seu rosto - Eu não tenho vocação pra mulher de bandido. O seu pai já descobriu que você vende droga aqui dentro?

Ele não pareceu abalado, na verdade estava se divertindo. Penélope se lembrou das muitas vezes em que se enroscou com ele num banheiro qualquer em tantas outras festas. Ele encostou seu quadril contra o dela lhe pressionando contra a parede, segurou seu rosto com as mãos. A maneira como ele lhe olhava era tão crua, tão selvagem... Houve uma época em que Penélope teria gostado disso, mas não era mais o caso.

— Essa fase vai passar. Essa... admiração com os pobres. Logo, logo você vai lembrar de quem é.

— E quem eu sou, Iago?

Ele riu, uma gargalhada que ela odiava. Tão condescendente, tão segura de si.

— Quando cansar de bancar a Madre Teresa, pode vir atrás de mim. Vou te fazer lembrar como era bom o nosso tempo.

Penélope o empurrou sem responder, cansada de joguinhos. Se dirigiu para a porta mas parou quando Iago lhe chamou.

— O seu namoradinho tá lá embaixo. Melhor você correr se não quiser que devorem ele vivo.

Quando Penélope finalmente encontrou Marcos, Mimi estava o encurralando contra o balcão da cozinha.

Mimi parecia bêbada. Todos eles pareciam, mesmo que Penélope tivesse ficado apenas meia hora no banheiro. Ela se perguntou se Iago tinha dado alguma coisa para eles antes de ir até ela.

Mas o foco de Penélope não eram as pessoas, e sim seu namorado que tentava se esquivar de Mimi, parecendo aliviado quando lhe viu atravessar a cozinha.

Ela empurrou Mimi para o lado com o corpo para abraçar Marcos, sem gentileza. Jogou os bracos ao redor dele, feliz quando ele segurou sua cintura. Mas Mimi estava muito mais bêbada do que ela tinha imaginado, porque caiu no chão com um gritinho que atraiu olhares e risadas.

— Ah, Mimi, mil desculpas - fez uma voz de pena, mesmo que achasse que ela merecia muito mais por estar ali dando em cima de Marcos - Foi sem querer, eu só fico tão cega quando vejo o meu namorado. É melhor você trocar de roupa antes dos parabéns.

Mimi tinha o rosto borrado e o vestido molhado, tendo caído em cima de um copo que estava no chão. Penélope podia jurar que ela ia começar a chorar ali mesmo, sob os olhares de todos. Ela se levantou com os lábios tremendo, saindo dali sem falar com ninguém.

— Isso absolutamente não foi sem querer - mas Penélope podia ouvir a risada baixa na voz dele.

Eles se olharam por um momento, e Penélope sentiu seu rosto corar de vergonha por tudo que sua mãe tinha falado.

— Desculpa... - ela não estava falando de estragar a roupa da aniversariante.

Marcos sorriu, mesmo que ainda parecesse um pouco triste. Ela odiava lhe ver triste. Ficou mais tranquila quando ele lhe puxou para um abraço apertado, o rosto escondido no seu pescoço. Naquele momento Penélope não ligava para os olhares ou para os comentários. A música estava alta e flashes pipocavam de todos os lados, mas ela se contentou em ficar ali nos braços dele.

— Tá tudo bem, amor - ele sussurrou no seu ouvido - De verdade. Me desculpa por ter sumido.

— Vai se foder. Você não tem que pedir desculpas quando não fez nada de errado - resmungou contra o seu pescoço e o corpo dele vibrou com uma risada.

As vozes deles estavam baixas, e Penélope ficou feliz que ninguém pudesse entender o que diziam ou o contexto da conversa.

Ela se afastou apenas o suficiente para olhar o seu rosto.

— O que ela disse não é verdade. Eu sei que não. Eu confio completamente em você. Ela ficou meio doida depois que o Rodrigo nasceu, por isso fica falando besteira.

Marcos não respondeu, mas ela podia ver a sombra de um sorriso nos seus olhos.

— Eu te amo.

— Eu também te amo.

Eles se abraçaram novamente, e Penélope fechou os olhos e aproveitou o momento. A música estava horrível e as pessoas gritavam, mas ela se deixou ficar naquela bolha de calmaria por mais um momento.

Marcos a beijou, e foi tão bom quanto sempre era. As vezes ela se perguntava se aquela magia ia desaparecer em algum momento, se as borboletas no seu estômago iam morrer algum dia. Mas quando ele apertou sua cintura, lhe puxando mais para perto, ela pensou que talvez elas fossem eternas.

— Vamos sair daqui - sussurrou contra a sua boca.

Marcos riu, se afastando ela. Ele não parecia mais chateado, um brilho divertido nos seus olhos.

— Você não quer ficar? Ainda nem cantaram os parabéns.

Penélope pensou, se arrependendo por um momento de ter empurrado Mimi. Ela praticamente não tinha falado com a amiga a noite inteira, pois estava ocupada demais monopolizando os convidados para poder parar de pensar na briga com a mãe por algum tempo.

— Eu vou ajudar Mimi a trocar de roupa e volto, não vou demorar. - Ela semicerrou os olhos, apontando um dedo ameaçador para ele - Nada de deixar as garotas daqui ficarem perto de você. Eu teria que sair no tapa com elas e não estou vestida pra isso.

Marcos deu uma gargalhada.

— Isso, vai rindo - resmungou - Mimi estava te atacando quando eu cheguei.

Marcos se inclinou para ela, cheirando seu pescoço.

— Quer que eu me tranque num quarto vazio até você voltar?

— Não é pra tanto - revirou os olhos - Você pode ir beber com os meninos.

Ela se afastou dele já se arrependendo quando o viu caminhar para fora da cozinha, os olhares o seguindo. Penélope sabia que em parte era porque ele era lindo, mas em parte era por ser o namorado dela. Iago não tinha mentido quando disse que iriam devorá-lo, mas ela confiava que Marcos saberia se virar muito bem. Além disso, ela não pretendia demorar muito.

Subiu a escadaria para o segundo andar sem se importar com as pessoas que ocupavam os corredores. Ela conhecia aquela casa muito bem. Passou pelo quarto dos pais de Mimi, e pelo quarto de Iago, de onde podia ouvir gemidos. O quarto da amiga era o último do corredor, e ela entrou sem bater. Se sentia um pouco melhor agora que tudo já estava certo com Marcos, de bom-humor o suficiente para sorrir verdadeiramente para Mimi.

Mas a garota não parecia nem um pouco feliz, sentada no chão ao lado da cama com uma pilha de roupas ao seu lado. Ela tinha tirado a roupa molhada e vestia um vestido parecido com o de Penélope, mas num tom mais claro de azul. Aquilo fez Penélope sorrir.

— Essa cor não te faz nem um pouco bem. Por que você não usa aquele vermelho de mangas compridas?

— Vai embora, Penélope.

Penélope se aproximou mais, sentando na cama ao seu lado. Cruzou as pernas, esperando Mimi se acalmar. Ela podia sentir mais forte o cheiro de bebida na amiga, e tinha certeza que ela tinha vomitado em algum lugar.

— Ah, Mimi, não vai me dizer que você ficou com raiva, fala sério. Quem tinha que ficar com raiva era eu, você estava quase beijando o meu namorado. Agora para de drama e se arruma, tá todo mundo te esperando lá embaixo.

A garota ergueu o rosto para ela, o rímel escorrido e a maquiagem uma completa bagunça. Penélope nunca tinha lhe visto tão irritada.

— Me esperando? - ela deu uma risada histérica - Me esperando? Todos só querem saber de você! É meu aniversário e ninguém deu a mínima para mim! Você faz ideia de quanto eu gastei nessa festa, na minha roupa, com a decoração? E ninguém deu a mínima!

A música alta estava abafada, mas Penélope ainda podia ouvir os gritos e as pessoas enlouquecendo no andar de baixo. Mimi se aproximou e lhe empurrou com força, Penélope quase caiu. Ela suspirou, sem acreditar que precisava lidar com aquilo.

— E o que você quer que eu faça? Me finja de monja pra não falar com os convidados?

— Você faz de propósito! - Mimi estava andando pelo quarto, nervosa, cuspindo as palavras. Ela estava chorando, e Penélope se sentiu mal. Ela se aproximou, tentando confortar Mimi, mas foi empurrada. - Você sabe exatamente o que faz e faz de propósito, até parece que eu não te conheço.

— Você está chateada. É melhor eu ir embora, a gente se fala amanhã.

Mas Mimi jogou um caderno na sua direção, por pouco não lhe acertando.

— Mas que porra, Mimi? - se irritou. - Você tem mesmo que ficar tão insuportável quando bebe?

— Você faz tudo de propósito! - repetiu, gritando, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto - Você sempre fez, nunca deixava ninguém prestar atenção em mim. Você é uma péssima amiga! Eu sempre, sempre tentei te ajudar, e você nunca faz nada por mim. Você é obcecada por si mesma.

— Que culpa eu tenho se ninguém gosta de você? - Penélope gritou de volta - Se você não é tão bonita, tão esperta, tão interessante? Como caralhos isso é culpa minha, Mimi?

— Você tira tudo de mim, não deixa ninguém gostar de mim, é uma invejosa! - Penélope riu, não acreditando naquilo - O meu irmão, os meus amigos, o Hélio, a porra da minha festa, até meu pai gosta mais de você! Só porque os seus pais te detestam isso não significa que você pode fazer o que quiser.

Penélope sentiu seu sangue ferver. Ela poderia ter voado em Mimi ali mesmo, mas pensou em Marcos lhe esperando no andar de baixo e tudo que ela queria era ir embora dali. Não importava o ataque de nervos que a garota patética na sua frente estava tendo, isso não mudaria nada.

— Você está bêbada e patética, Iasmim. Quando quiser me pedir desculpas, talvez eu aceite. Mas faça isso sóbria.

Ela se virou, abrindo a porta pra ir embora.

— Isso, volta para o buraco de onde você não devia ter saído! Quero ver se a sua pose vai continuar quando todos souberem que o seu irmão é um retardado deformado, que você vive num chiqueiro. Quero ver se todo mundo vai continuar tão...

Mimi não viu Penélope chegando. Ela caiu no chão, batendo a cabeça com força. Olhou para cima assustada, e Penélope podia ver o medo estampado em seus olhos. Ela poderia ter deixado para lá, podia ter descido e corrido para os braços de Marcos, mas não com Mimi chamando o seu irmão daquele jeito. Era uma coisa completamente diferente quando outra pessoa ofendia ele, percebeu.

— Você diz que eu tomo tudo que é seu, me acusa de fazer isso? - rosnou, seu rosto tão próximo do da amiga que ela praticamente cuspiu no seu rosto - Então tudo bem, eu vou tirar tudo que você tem e aí você vai ter razão.

Penélope saiu de cima de Mimi, correndo para fora do quarto. Ela bateu na porta de Iago, fingindo desespero. Respirou rápido, se forçando a ficar ofegante. Quando ele abriu o seu sorriso sacana sumiu rapidamente, ficando preocupado. Estava só de cueca, uma garota qualquer na cama atrás dele que reclamou quando Penélope entrou no quarto.

— O que foi, Pê? O que aconteceu?

— A Mimi, ela... - Penélope o olhou, assustada. - Ela tentou me agarrar, eu...

— Mas que porra? Como assim? - ele segurou seus braços com força, sem entender. Penélope olhou no fundo dos olhos dele quando mentiu, sabendo que ele acreditaria:

— Ela me beijou, disse que era apaixonada por mim e que não suportava me ver com Marcos. Ela me segurou no chão - chorou, deixando as lágrimas caírem e escondeu o rosto no peito de Iago, tremendo - Ela tentou me beijar de novo e eu disse que não, ela ficou com muita raiva.

A amiga de Iago já estava vestida ao seu lado, interessada na história. Penélope podia ver ela digitando no celular, espalhando para os amigos que Mimi era lésbica e tinha atacado uma garota, e não qualquer garota.

Penélope não era idiota, ela sabia o que as fofocas poderiam fazer. E esperava que fizessem. Queria ver Iasmim sem amigos e sem a família, o pior ostracismo para uma garotinha carente como ela.

Iago segurou seu braço com força, incrédulo. Ele passou a mão pelas suas lágrimas, acreditando nas palavras dela.

— Fica aqui - então, ela observou o rosto dele espelhar a sua raiva. - Eu vou resolver isso agora.

Ele saiu sem se importar em vestir uma roupa, seguido pela sua amiga fofoqueira, e Penélope secou as lágrimas quando ficou sozinha no quarto. Se olhou no espelho, tendo certeza que estava exatamente como quando tinha subido, porque Marcos não precisava ficar sabendo daquilo.

Era o tipo de coisa que ele definitivamente não apoiaria.

Iago gritava com a porta do quarto aberta, e um grupo de curiosos espiava para dentro do quarto de Mimi. Os celulares não paravam de tocar, centenas de mensagens chegando ao mesmo tempo. Que escândalo: a filha do pastor era uma lésbica nojenta. Penélope sabia que não esqueceriam aquilo tão cedo, não aceitariam Mimi de volta ao grupo nunca mais. A sua festa ficaria marcada por um bom tempo, até o próximo escândalo pelo menos.

Quando ela encontrou Marcos, ele estava sozinho com um copo na mão, parecendo deslocado e curioso na sala meio vazia.

— Todo mundo subiu correndo - ele encaixou sua mão na dela - Aconteceu alguma coisa?

Penélope o beijou, sabendo que aquela era uma mentira que ele não iria perdoar. Não com tudo que Marina tinha sofrido nos últimos anos. Ela fez um gesto de descaso com a mão livre.

— Só fofoca de gente rica - revirou os olhos - Iago foi pego no flagra com a namorada de um amigo. Vamos embora?

A gritaria começava a ficar mais alta, muitas vozes se sobrepondo. Alguma coisa quebrou, fazendo um barulho alto. Marcos sorriu nervoso, ávido por se afastar da confusão. Ela sabia o quanto ele detestava gritarias e confusões. Deu outro beijo rápido nele, e ele logo sorriu um sorriso mais tranquilo.

— Vamos. 


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Notas finais do capítulo

Então, gente...... A Penélope fez uma coisa bem ruim.

Observação: notaram como praga de mãe pega?



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