Mestre do Poço dos Desejos escrita por Sorima


Capítulo 9
Pedro


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Eu sabia que andar não passava de uma tentativa de fuga, ficou ainda mais claro quando notei a falta de ar depois de poucos metros. A sensação de estar a beira de um precipício era vivida demais, senti o canto dos olhos umedecer, eu queria gritar, correr, me machucar contra tudo que poderia tirar pele ou sangue naquela floresta. Eu já tinha tido aquela sensação antes durante toda a faculdade, ensino médio e fundamental. O único local em que eu não tinha tido uma crise como aquela era na casa dos meus avós quando eles ainda eram vivos.

Agora, a beira do Poço, que talvez pudesse finalmente me libertar, eu me achava completamente travado. Eu não podia desejar nada de diferente, mas por que eu não podia fazer algo que eu queria? Quem eram aquelas pessoas que não me deixavam eu ser quem era? Eu teria coragem de desaponta-los escolhendo o que eu queria? O que eu queria? Se nem sabia o que eu queria, eu era mesmo merecedor disso?

Me agachei arfando, quase arrancando tufos do meu cabelo com as mãos que agarravam querendo machucar, meu peito doía e dos meus olhos escorria um rio de lágrimas. Era patético demais, parte de mim parecia desdenhar. Pulei de susto caindo no chão quando senti uma mão suave encostando nas minhas costas. Olhei assustado para o Guardião do Poço dos Desejos. Quando aquele homem tinha chegado ali?

Me sentei ali e escondi meu rosto com os braços. Era constrangedor que aquele homem me visse chorando, ainda mais constrangedor se eu tentasse explicar o que me fazia chorar. Infelizmente, o homem não parecia querer que eu continuasse escondido. Ele colocou suas mãos grosas e leves dos dois lados do meu rosto e levantou minha face. Encostando sua testa na minha e parecendo ver minha alma pelos meus olhos ele disse o que eu não sabia que precisava ouvir:

— Você merece! Você também é um dos filhos do planeta que merece tudo o que o universo tem a oferecer. Permita-se!

Senti como se uma trava fosse tirada do meu coração. As lágrimas escorriam livremente, finalmente livres para sair. Chorei entre soluços e arquejos até sentir uma paz que não me era muito comum. O Guardião se manteve ao meu lado durante todo aquele tempo, silencioso, esperando. Olhei para ele tentando afastar a névoa mental que tentava me absorver. Ele assentiu para mim, aprovando o que via.

— As lágrimas são curativas e dão força, não é algo para se envergonhar ou diminuir.

— Meus pais discordariam de você... – comentei triste.

— E você concorda com eles? – perguntou com seu olhar sereno.

Refleti. Eu não me sentia menor, mas mais leve, talvez finalmente eu conseguisse caminhar. Pisquei surpreso, aquilo era esperança?

— Não, eles estão errados – parecia que uma nova trava começava a se formar no meu peito, me deixando tenso; eles com certeza não aprovariam aquela atitude.

— Apesar de ser o fruto do relacionamento deles você não é seus pais, não precisa da aprovação deles em tudo o que faz. Sua única missão nesta terra é viver, preferencialmente feliz e realizado.

Respirei fundo. Já que era assim, era melhor eu viver de verdade do que amarrado.

— Eu vou viver livre então – falei com a voz trêmula, mas decidido.

— Então vamos voltar para a sua amiga – falou se levantando e me ajudando logo em seguida.

Voltamos pela trilha que eu tinha feito e encontramos Bianca observando sorridente uma margarida próxima de onde estava sentada.

—Vocês dois podem entrar no Poço – o Guardião anunciou atraindo a atenção de nós dois.

— Entrar? – Bianca perguntou confusa.

Olhei para a abertura do Poço, era bem grande...

— Vocês conhecem o mundo visível com os cinco sentidos de vocês, quando entrarem no Poço serão obrigados a ver o mundo invisível, ao qual sempre tiveram acesso, mas nunca usufruíram.

Franzi a testa e ele continuou a explicação:

— Vocês são senhores da própria vida, devem tomar posse disso, pois tudo, absolutamente tudo, que vocês desejam já é de vocês. E tudo fica no mundo invisível até que queiram materializar no mundo visível.

— No mundo invisível? Tipo Nárnia? – Bianca questionou.

— O que é Nárnia? – o Guardião perguntou com as sobrancelhas levantadas.

Bianca o encarou incrédula.

— Como Shangri-lá, Avalon, El Dorado...

— Podem dar esses nomes, se quiserem, mas não é nada disso – retrucou.

Bianca trocou olhares comigo, aquele era um assunto confuso.

— Você está bem, Pedro? – ela perguntou quando olhou para o meu rosto.

Só assenti para ela, ia ficar tudo bem.

— Entrem com um espaço de tempo entre vocês, que vocês consigam descobrir o que desejam aí dentro – o Guardião falou e se posicionou perto da entrada do Poço.

Respirei fundo e dei um passo adiante. Um passo mais próximo da realização, da liberdade.

Me aproximei do Poço o suficiente para ver sua profundidade e a passarela circular, resguardada por um corrimão e arcos de pedra, que descia até onde parecia haver uma fonte de água. A entrada eram escadas do mesmo material. Abria e fechei as mãos algumas vezes e as desci. Caminhei pela passarela por algum tempo antes de ouvir o som de panelas e vozes agitadas.

Quanto mais andava, mais alto ficava. Até que parei na frente de uma porta em arco que dava para uma cozinha em completa bagunça. Fiquei um instante encarando, de olhos arregalados, aquela confusão.

— O chefe não se decide, não decide cardápio, os pedidos  estão uma bagunça, a cozinha tem de tudo, mas todo mundo atrapalha tudo mundo, sem ele aqui, o que vamos fazer? – um dos funcionários reclamou.

— Ele só fica bajulando os próprios pais! O que vocês esperavam? – outro se indignou.

— Quando ele vai assumir que o lugar dele é aqui? – uma mulher com avental se lamentou fazendo outros grunhirem em concordância.

O Chefe Principal da cozinha não estava ali, isso era bem complicado para todos os funcionários. Umedeci os lábios ressecados, eu poderia ajudar, eu sabia como fazer aquilo. Dei outra olhada rápida pela cozinha: muitos utensílios e pratos estavam sujos na pia, era um ótimo lugar para começar a organizar. Entrei marchando na cozinha e alguns olhares foram atraídos para mim.

— Escutem! – minha voz falhou um pouco, mas consegui atrair a atenção de todos – eu não sei quem é o chefe de vocês, mas posso assumir o lugar dele.

— E quem é você? – o primeiro funcionário que tinha reclamado  exigiu saber.

— Meu nome é Pedro.

— Você é Chefe?

— Ah... Ainda não. Mas sei exatamente o que um chefe precisa fazer – engoli em seco quando todos pareceram me avaliar com o olhar.

— O que você propõe que façamos?

Organizei eles em equipes, quem iria servir, quem iria cozinhar e quem iria lavar a louça. Olhei para ver o que tinha na geladeira e improvisei um cardápio um pouco mais refinado do que eu normalmente fazia. Organizei os pedidos em ordem e observei a cozinha começar a funcionar. Então olhei pela porta entreaberta que uma garçonete tina utilizado.

Aquele era um restaurante lindo, com as mesas lotadas. Não pude evitar que um sorriso surgisse nos meus lábios. Nunca tinha  me sentido tão no meu lugar. Com aquela euforia tranquila tomando conta do meu ser me pus a trabalhar, experimentando os pratos que ficavam prontos e reorganizando os funcionários quando necessário.

— Mexa esse molho com mais cuidado! Precisamos de mais pratos e talheres, está chegando mais gente. As folhas já estão lavadas?

— Sim, Chefe! – os funcionários responderam com prontidão.


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Notas finais do capítulo

O próximo capítulo saí no dia 08/02/2024.



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