Pétalas no poço & Desejo escrita por Shalashaska


Capítulo 7
Furto de frutas




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Em um gesto discreto, Mina passou as costas da mão na testa, afastando gotículas de suor. O sol já começava a descer e, embora não tivesse um relógio de bolso para carregar no avental, supôs que beirava cinco horas da tarde. O dia transcorria longo, morno e atarefado; tanto que, ainda com o auxílio de Lena e Anna — ao prepararem biscoitos, bolinhos com frutas e geleias, pães e patês para sanduíches pequenos — servir o público mesmo em três pessoas não era fácil. 

Pelo menos o movimento havia cessado um pouco.

Surpreendia existirem tantos curiosos para aproveitar o chá e os petiscos, já que o festival apresentava outras tendas de comida e até brincadeiras para crianças. Carmina acreditava que parte da responsabilidade estava na propaganda que seu pai e aqueles outros homens fizeram de seu pequeno grande evento no Festival das Flores. O grupo, inclusive, jazia ali, conversando e rindo em uma mesa. Para os cavalheiros, existia a opção de servir um coquetel de chá gelado, gin e frutas — e é claro que as conversas e risadas deles pareciam ainda mais animadas. 

Ela parou um momento, com a bandeja de prata em mãos, para encará-los. Não conseguia imaginar o que se passava na cabeça deles, mas não deveria ser qualquer resquício de culpa. Enquanto ela própria seguia regras de como se portar, sorrir e servir, a mesa deles soava menos preocupada em como passar uma imagem de sólida polidez. O dinheiro, de fato, parecia permitir certos comportamentos. 

“Vá,” Anna disse, passando com uma bandeja de xícaras vazias, “Nós duas já escapulimos para ver um pouco mais do festival. Não vai doer, se você partir.”

“Não mesmo,” Lena comentou, sendo mais ácida, “Nenhum deles vai saber diferenciar uma da outra. Somos só os uniformes.”

Carmina riu, sem querer rir. Sim, ela e as outras duas não passavam mais do que detalhes na paisagem. E sendo sincera, era bom comentar isso com elas. Agradeceu a indulgência e largou o avental, em seguida perambulando entre tendas e pessoas. Não trouxera o dinheiro que recebeu no serviço — pois estava no avental e sua patroa iria conferir, de todo modo — mas pôde ver mais gente do que os hóspedes que recebia em casa, incluindo outros criados que lhe atendiam nas costumeiras compras. Era bom vê-los em outro contexto, cada um com sua melhor roupa.

Foi quando esbarrou em Maria, que há poucos dias tinha tomado chá em sua casa. Maria, que anos atrás frequentava sua casa com assiduidade para comentar de cetim e seda, para brincar de bonecas no verão junto com Justina. Ela não a reconheceu em um primeiro instante e o cumprimento que se seguiu não foi caloroso.

“Ah. Você veio mesmo.”

"Sim," Ela não quis falar muito de si, também não quis pensar sobre o quanto a recepção parecia fria, "Seu marido e filho vieram?"

"O Mattias está com a babá. O meu marido..." Maria olhou brevemente ao seu redor, sem muita atenção ou interesse, "Deve estar por aí."

Podia não ser nada significativo, mas Carmina não conseguiu se livrar da sensação de descontentamento de sua... Amiga? Não, Carmina não podia mais chamá-la de amiga, embora reconhecesse o olhar de desagrado de Maria como se fosse o próprio. Era o mesmo olhar de quando ela não conseguia convencer a mãe a comprar mais um mimo, quando elas eram ainda muito novas.

"Ah, sim. Não vi Justina."

"Também não."

A tentativa de mudar de assunto foi infrutífera.

E ela continuou a caminhar com os olhos lânguidos, sem entusiasmo por aquilo que estava ao seu redor, fossem objetos, pessoas e mesmo Carmina. Se antes Mina ansiava por alguma forma de reconexão com ela ou algum elo de seu passado, agora se enxergava desprovida de ilusões. Mais interessante seria passar o tempo com a babá do filho dela, provavelmente jogando conversa fora sobre damas esnobes. No entanto, a situação lançou outra dúvida sobre seu peito: teria ela própria se tornado assim, se não tivesse atravessado a penúria? Mina gostava de pensar que não. Sempre estranhou a ideia de não chamar as criadas pelos nomes certos ou agir como se não estivessem no local. Afinal, eram elas que tinham um comportamento mais indulgente com seus desmandos infantis, querendo roubar doces na cozinha. E foi assim que ela inclinava-se à confeitaria, por mais que não fosse destino de dama nenhuma assar pães e bolos.

E sem querer perder mais sua preciosa folga, despediu-se de Maria e voltou para seu posto de trabalho. Ao menos poderia fofocar com Lena e Anna. Mas qual não foi sua surpresa em retornar e ver uma comoção.

Primeiro, cogitou tratar-se de algum cavalheiro que tivesse exagerado no gin. Carmina não ausentara-se por muito mais do que meia hora, mas o álcool agia rápido. Tudo poderia ter acontecido, desde uma indecência não tolerada à uma discussão patética. Torcia para que na confusão, seu pai tivesse apanhado. Ouviu sons de louças quebrando, vozes se exaltando. Ao aproximar-se mais ainda, viu Lena e Anna paradas e boquiabertas diante da patroa — e mãe de Carmina — aos gritos pelo desastre.

Uma raposa corria e escondia-se debaixo das mesas, assustada. Embora tudo estivesse acontecendo muito rápido, Carmina pôde ver a mancha roxa de frutas em seu focinho. Ligou uma coisa à outra: a proximidade das mesas com as árvores, as comidas dispostas na mesa. Um cenário irresistível para um animal com fome e propícia à desordem.

Um sorriso floresceu em Carmina. Franco, aberto. E sua expressão quebrou-se apenas com o som de um disparo.

Carmina piscou, houve gente que gritou. Para seu alívio, viu a raposa apressar-se ligeira de volta para arbustos e árvores, longe do cenário do chá. Seguiu-se silêncio e foi possível avaliar que, na realidade, os estragos se limitavam a três mesas: porcelanas quebradas, bolinhos e biscoitos espalhados pela grama. A comoção tinha sido maior do que o problema. E do outro lado, um dos homens do grupo de seu pai guardava a arma no bolso do paletó.

Ela precisava pensar rápido.


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